A contribuição leninista para a Teoria da Dependência
22 de Janeiro de 2021, por Itamá do Nascimento

O dia 21 de janeiro marca o falecimento de Vladimir Lênin. Teórico, dirigente comunista e líder da Revolução Russa de 1917, foi ele o grande arquiteto do primeiro Estado socialista do mundo, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, conhecida comumente como União Soviética (URSS). A Teoria da Dependência, representada neste texto por uma diversidade de autores e autoras, em particular Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra, recebeu forte influência das ideias leninistas. Vale lembrar que até o surgimento de Lênin, o terceiro mundo tinha um papel secundário no marxismo.
A Social-Democracia, representada por Eduard Bernstein e Karl Kautsky, colecionou posicionamentos problemáticos sobre os países subdesenvolvidos. Bernstein, por exemplo, chegou a afirmar o seguinte: “Todas as raças fortes, todos os sistemas econômicos sólidos, têm a tendência para se alargarem e expandirem com a sua civilização. Este impulso expansionista tem sido em todos os tempos o mais poderoso fator de progresso” (BERNSTEIN apud LOSURDO, 2020, p. 31). O apoio das correntes sociais-democratas à Primeira Guerra Mundial, considerada por Lênin como uma guerra imperialista, foi uma consequência de concepções teóricas que tratavam o proletariado europeu como centro da luta pelo socialismo evolutivo, modelo defendido por esses intelectuais. Foi Lênin, através da obra Imperialismo, estágio superior do capitalismo, que deu centralidade aos países coloniais e semicoloniais na luta pelo socialismo.
Juntamente com Rosa Luxemburgo, Lênin se colocou radicalmente contra as concepções dos sociais-democratas que justificaram a participação do proletariado de seus países na Primeira Guerra Mundial. Desta crítica, ele conseguiu desenvolver uma sólida teoria marxista fora da Europa Ocidental, tornando o marxismo uma perspectiva teórica utilizável para o terceiro mundo. Sua atuação política durante o processo revolucionário russo, influenciou diversos movimentos emancipatórios nacionais em África, Ásia e América Latina. A partir de Lênin o marxismo passou a ser uma ferramenta teórica e política contra o neocolonialismo, contrariando os interesses imperialistas no mundo subdesenvolvido. Uma importante ideia leninista, posteriormente desenvolvida pela Teoria da Dependência, postula o seguinte:
Lenin postulou o direito de cada nação criar seu próprio Estado. Seu objetivo era estimular as confluências dos povos subjugados com a classe trabalhadora. Buscava reduzir as tensões nacionais, étnicas e religiosas promovidas pelos opressores externos e locais para consolidar sua hegemonia. O dirigente bolchevique recomendava a unificação das resistências contra a opressão nacional e social (KATZ, 2020, p. 50).
A importância dada a construção de uma soberania nacional é pauta defendida por todos os teóricos da dependência, sendo uma de suas principais bandeiras de luta. Todas as obras dos teóricos dependentistas citados, buscaram entender as leis do capitalismo dependente, visando superá-lo e, com isso, alcançar o direito de cada nação latino-americana criar seu próprio Estado nacional e que este esteja à serviço dos interesses das classes oprimidas e excluídas. Cuba, tratado como exemplo de soberania nacional para autoras como Bambirra, conseguiu reconstruir seu Estado a partir da Revolução Cubana, sendo capaz de aliar a superação da opressão nacional e social. Sobre essa vinculação entre opressão nacional e social, afirmou Lênin em 1913: “Para que diferentes nações livre e pacificamente vivam em conjunto ou se separem (quando isto lhes for mais conveniente), constituindo Estados diferentes, para isso é necessária a completa democracia defendida pela classe operária. Nenhum privilégio para nenhuma nação, para nenhuma língua! Nem a mínima perseguição, nem a mínima injustiça para com a minoria nacional! - tais são os princípios da democracia operária” (LÊNIN, 1984, p. 98-9).
E continua: “Os operários criam em todo o mundo a sua cultura internacional, desde há muito preparada pelos defensores da liberdade e os inimigos da opressão. Ao velho mundo, ao mundo da opressão nacional, das querelas nacionais ou do isolamento nacional, os operários opõem o novo mundo da unidade dos trabalhadores de todas as nações, no qual não há lugar para nenhum privilégio nem para a mínima opressão do homem pelo homem” (LÊNIN, 1984, p. 98-9). Essas ideias integracionistas, visando a supressão das opressões nacionais e sociais conjuntamente, serviram de base para a perspectiva latino-americana dos dependentistas que vão postular, entre várias coisas, a integração regional como uma tarefa dos que desejam minar o capitalismo dependente na região. Sobre esse debate, pontua Bambirra:
No plano que se refere ao sistema de exploração, a América Latina se bifurca; suas possibilidades de reunificação devem ser buscadas no plano da oposição popular a este sistema. Ou seja, o capitalismo tende a dividir o continente entre subpotências dominantes e países dominados e apenas o socialismo poderá impedir esse processo e restaurar a unidade continental (BAMBIRRA, 2019, p. 222).
Substitua o termo “democracia operária” por “socialismo” e temos a revolução socialista superando conjuntamente as opressões nacionais e sociais, criadas e mantidas pelos interesses imperialistas na América Latina e em todo o terceiro mundo. Destrinchando melhor a argumentação, recorro a duas passagens de Bambirra na obra Teoria Marxista da Transição e Prática Socialista, em que a autora reconhece a contribuição leninista de forma direta:
No pensamento de Lênin, portanto, encontra-se claramente delineada uma concepção dialética da integração entre as dimensões internacionalista e nacionalista da revolução. Ambos os aspectos para ele não são em princípio antagônicos, mas ao contrário, interdependentes, pois a consolidação do socialismo nacional passa pela solidariedade internacional dos demais povos, da mesma maneira que o triunfo da luta pela libertação dos mesmos supõe não apenas os apoios moral e material, mas sobretudo o exemplo positivo das nações socialistas. (BAMBIRRA, 1992, p. 197).
Todo esse incipiente resultado dos progressos da humanidade promovidos pelo socialismo representa, apesar de todas as suas limitações e dificuldades, uma demonstração cabal da validade e da vigência do pensamento leninista e um argumento definitivo, nos planos teórico e prático, do seu caráter científico. É isso que faz esse pensamento, hoje como ontem, um campo de conhecimento imprescindível para todos quantos realmente desejam compreender o mundo contemporâneo, e sobretudo, ajudar a transformá-lo. (Idem, p. 209)
Lenin explicava as desventuras da periferia pelas assimetrias históricas do desenvolvimento desigual. Ilustrava como esse processo determinou a subtração de recursos financeiros e a absorção dos excedentes das colônias. Descreveu múltiplos mecanismos de pilhagem dos quais padecem os provedores de matérias-primas e destacou o quanto eram duramente afetados por qualquer instabilidade dos mercados. Essa teoria do elo débil forneceu argumentos para as interpretações exógenas da polarização mundial. Demonstrou que o bloqueio ao desenvolvimento sofrido pelos países atrasados era consequência direta da partilha colonial (KATZ, 2020, p. 54).
A situação internacional se caracteriza pela existência de uma interdependência crescente entre as economias nacionais em escala mundial, sob a hegemonia de um ou vários centros dominantes que transformam este desenvolvimento em acumulação de riqueza e poder para si, em detrimento das amplas maiorias mundiais […] A dependência é, portanto, o modo específico da produção capitalista em nossos países (SANTOS, 2018, p. 63).
Inspirados no leninismo, nossos autores enfatizaram a necessidade da existência de um partido como vanguarda da classe trabalhadora, capaz de coordenar as ações destinadas à implantação do socialismo. Defendiam a liderança do proletariado urbano e o papel dos intelectuais na constituição dos partidos de massa (WASSERMAN, 2017, p. 137).
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