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Da necessidade histórica de vilipendiar o petucanismo

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Por IELA em 10 de agosto de 2018

Da necessidade histórica de vilipendiar o petucanismo

Fonte: Senado Federal – 24 de fevereiro de 2016. Dia que o petucanismo entregou o Pré-Sal
Em nossa suscinta revisão bibliográfica, inferimos a hipótese de que o programa de pesquisa sobre o petucanismo veio à luz no limite da década de 80, e por uma ironia do destino, emerge da análise objetiva de um sociólogo da USP, no caso em questão, Gilberto Felisberto Vasconcelos. Gilberto, é um uspiano sui generis, ou seja, renegou o departamento francês de ultramar para se debruçar sobre a sociologia do açúcar, isto é, a história do Brasil profundo e, seguramente, é um dos maiores conhecedores do Brasil e sua cultura.  Desta investigação concluímos que o método de análise do chamado “consórcio petucano” já está presente no livro “Collor, a cocaína dos pobres”  de 1989. Entretanto, o rigor científico vai ser alcançando na obra “O príncipe da moeda” (1997).
 
Mas afinal, o que é o petucanismo? 
 
O petucanismo é uma espécie de remasterização da política do café-com-leite, e esta, por sua vez, era a superestrutura da república velha. Glauber Rocha, o mais indignado de todos – segundo Darcy Ribeiro -, dizia que o golpe de 64 começou na guerra do Paraguai, pois, é dela, a gênese do bonapartismo de Floriano Peixoto e, por conseguinte, é da derrocada deste último, que a burguesia bandeirante toma as rédeas da república. 
 
O “pé na bunda” do Império e a restituição do poder à velha classe dominante – sob a égide da oligarquia do café-, acontece com a eleição do paulista Prudente de Moraes (1894-1898), e é normatizada pelo baronato de Campos Sales (1898-1902). No livro A crise do poder no Brasil (1961), Alberto Guerreiro Ramos sintetiza com maestria o que foram aqueles anos, precedentes ao golpe de 1 de abril de 1964. De acordo com Ramos (1961, p.30), ”Depois da revolução de 1930, malograda revolução de 1932, não surgiu outro Campos Sales para proceder à restauração política, em consonância com os antigos interesses”.
 
O início da reconfiguração da hegemonia cultural paulista foi no golpe de 64. É o que atesta André Gunder Frank – logo depois do golpe – em um artigo no jornal Estadunidense The Nation. Foi a FIESP que “assinou o cheque” para o general integralista Olímpio Mourão Filho pôr os taques na rua. 
Para Néstor Gorojovsky, – discípulo de Spilimbergo – um dos mais destacados membros da Izquierda Nacional Argentina no presente: a ponta de lança do capital monopolista na América Latina são os “separatistas de 1932 e partidários da embaixada ianque e seus planos de dividir o Brasil (caso o golpe de 64 desse errado)”.
 
O golpe de 1964 tirou o Brasil do caminho nacional e popular, que materialmente eram as “reformas de base”. Os intelectuais orgânicos do petucanismo fizeram suas carreiras culpabilizando o Partido Comunista Brasileiro – PCB e o velho PTB de Getúlio Vargas pela ditadura. Mentira!  A grande verdade – e por isso esse engodo -, é que o petucanismo é o autêntico filhote da ditadura, gestado para normatizar e ser a superestrutura da etapa de financeirização da economia brasileira. 
 
Não podemos cair no embuste de objetivar a ditadura nos militares, ou resumi-la como a consequência histórica da guerra fria. Foi o processo de acumulação, resultado da lógica econômica do capital monopolista em escala mundial, que engendrou golpes de Estado. O capital estrangeiro, localizado em São Paulo e agenciado pela burguesia escravocrata bandeirante transvertida de sociedade civil organizada – Fiesp –  que deu o golpe de 64 no Brasil.
 
O petucanismo é a junção da sociologia pró multinacional do teacher Rostow (requentada pelo professor Cardoso no livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina) e o sindicalismo particular, local do ABC, das multinacionais. Por isso a categoria do imperialismo (presente no sindicalismo pré 64) é banida do vocabulário tanto do PT, quanto do PSDB.
 
Aliás, os intelectuais do petucanismo vão sim lembrar da influência do pentágono na América Latina, todavia, só depois de junho de 2013 – como se antes não existisse o imperialismo, este saiu para dar um rolé de 1994 a 2013 -, pois é dando a ênfase nos fatores exógenos, que irão justificar a visão reacionária com que interpretaram a luta de classes do brasil.
 
Por falar em luta de classes, assim como a categoria do imperialismo, está também estava de férias e, quando voltou, teve a honra de ser anunciada de forma pomposa, com direito a livros na Boitempo.
 
O petucanismo se constituiu na geração da rua Maria Antônia (bairro bom de falar de Max Weber), o midiático “Grupo do Capital” ou “Seminário de Marx’ da USP e o CEBRAP from dólares das multinacionais. É a partir desses quadros, todos nascidos do útero da ditadura, que emergirão triunfante em 1989, as colunas do consorcio petucano. 
 
Todavia, é de suma importância salientar que o petucanismo só alcança o poder em 1994. O plano real é a base econômica desse sistema. É com a posse do príncipe da moeda que um dos principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), assumirá o cargo de Ministro da Cultura do Partido Social Democrático (PSDB). Daí para a frente, “virou frevo”, seria muito trabalhoso até enumerar os casos em que o sistema ficou nu.
 
Foi a partir de 1994 que se formou o consenso de que o Brasil não é um país subdesenvolvendo, é apenas um país injusto, no qual, aplicadas as políticas públicas do teacher Milton Fridman (requentadas pelo professor Suplicy), ”tava sussa”. Não precisamos de reformas de bases, isso seria resquícios de um passado autoritário, precisamos é enterrar a era Vargas!
 
O mais controvertido de tudo, é que muita gente caí no mito de achar que o PT é irmão do PDT – a rua Maria Antônia [Higienópolis] fica há mais de 1.000 km de São Borja – inclusive esse ano, no tocante as eleições presidências. Efetivamente, o PT, do ABC, renegou o PDT de Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, professora Vânia Bambirra e Theotonio dos Santos. Quiçá agora esse PDT aí, do caiçara Ciro Gomes, que fala com sotaque. 
 
O Partido dos Trabalhadores é fruto de uma experiência histórica estritamente local (sindicato de multinacional de São Paulo), jamais irá encampar um projeto nacional. A carta de Getúlio Vargas é algo vista com menosprezo pelos seus dirigentes, idem a Carta de Lisboa (1979). Para o petucanismo, a Carta aos Brasileiros (2002) é o teto.
 
Há um PT dentro do PSDB e um PSDB dentro do PT. “Essa identidade (interesses diversos, mas não adversos) ” assenta-se na lei de bronze da dependência administrada, são irmãos, de parto e criação.
 É importante salientar que dizer que são hermanos, não implica afirmar que são idênticos, pois aí já seria exagero, há distinções entre eles no varejo. 
 
O PSDB é o partido oficial dos professores universitários. Mestres esses que, durante a ditadura – a serviço da classe dominante – fizeram todo o trabalho sujo de ultrajar o pensamento social brasileiro pré 64 (ISEB) e os intelectuais exilados, além, é claro, de fabricar narrativas, como a de que o cafeicultor paulista foi a vanguarda no processo abolicionista da escravatura e da industrialização do país. Historiografia essa, que foi refutada por Jacob Gorender e Robert Conrad de forma cabal.
Golbery do Couto e Silva conhecia a experiência histórica do dia 7 de outubro de 1945 – Día De La Lealtad – na Argentina, seu temor, sempre foi – desde o seu livro Aspectos geopolíticos do Brasil – florescer uma izquierda nacional no Brasil. 
 
A abertura política encabeça por ele foi cirúrgica. Cabia aos intelectuais da tese do Populismo serem os tutores do new-partido dos trabalhadores. Getúlio então, passa a ser Mussolini, como se o nacionalismo de país imperialista fosse o mesmo de país dependente.   Esse ano (junho), completaram-se 24 anos de implantação do plano real, por coincidência, a mesma idade que petucanismo bicou o poder. A crise de um, inclui a crise de outro. Não fazer essa correlação, é picaretagem acadêmica. É o esgotamento do pacto de classe instituído em 1994 o motor da história, os “ajustes” já instituídos e os que ainda virão, são nada mais que a tentativa de dar sobrevida a um sistema já apodrecido. 
 
Brizola rompeu definitivamente com o PT no dia 13 de dezembro de 2003. Dizia ele: “Precisamos ser duros sem perder a ternura”, “com Meirelles no Banco Central meu partido está fora”. Meirelles é a personificação das “perdas internacionais”, e foi demais para o velho. Brizola morre no dia 21 de junho de 2004. Lula não comparece no seu enterro. Interessante é que Lula optou pelo Bank of Boston, o mesmo do governo Temer, que por sua vez, ele escolheu para ser vice de Dilma. Ah, claro, ia esquecendo, são as correlações de forças…
 
Uma das principais categorias do léxico petucano é a categoria de “governabilidade”. Essa é oriunda da sociologia feagaceana, a qual todos os políticos petistas repetem sem constrangimento. Afinal, o orientador de feagacê foi o Florestão (Florestão é como Darcy Ribeiro chamava o Florestan), e o Florestan foi deputado pelo PT.
 
Finalmente, focalizando nessas eleições, com base na análise materialista do petucanismo, o que se nota, é que num acordo entre irmãos (PT e PSDB), se elegeu Alkmin Presidente, além de uma retribuição é claro, pois nas eleições passadas o PSDB bandeirante não endossou o neto do Tancredo. Sondando os jornais endereçados à classe dominante, nota-se que a burguesia brasileira, não abre mão da manutenção da PEC do teto dos gastos, da mesma forma que não irá abrir mão da reforma da previdência, nem das rodadas de privatizações. 
 
Desse modo, pela “governabilidade” e pela manutenção da democracia, é melhor deixar o Alkmin fazer o serviço Macrista e, daqui a quatro anos o PT lança um urgindo como o salvador da pátria, e segue o jogo. O importante agora é socorrer o sistema. Por falar em ungido, não há como negar que o PT tem em suas bases fundadoras alguns clérigos católicos, pois a sua autocrítica é similar à do Vaticano,
 
O lado ruim disso tudo é que será despendida uma massa gigantesca de esforços na intenção de eleger Haddad, – assim como foi consumida no “Não vai ter golpe”-  e no fim, tudo se “processará a partir de dentro da ordem e de cima para baixo”, para citar Florestan.
 
Quanto a Haddad, vale pontuar que ele é o queridinho do professor FHC, e em tempos recentes afirmou que ‘golpe é uma palavra um pouco dura’. E por diversas ocasiões afirmou que o Brasil necessita de um “choque liberal” [sic]. Que seria isso?
 
Outro ponto que não se pode deixar passar impunemente é a compressão horrível que Haddad tem do Brasil. Seus autores de referência são Sergio Buarque, Raymundo Faoro e Roberto da Matta. É a partir deles que ele interpreta a suposta ameaça à Constituição de 88, é claro que, com esse arcabouço ele obscurece o Plano Real e, por conseguinte, a crise financeira do Estado. O problema é institucional [sic]. O radicalismo de Direita, expresso em Bolsonaro, é um fenômeno de classes médias. Essas, consciente e inconsciente, já desacreditam por completo no petucanismo.  
 
O fato de um candidato ser eleito com um programa e aplicar o do outro, sofrer um golpe e, depois nas eleições, golpeados e golpistas comungar com eles para conformar as suas chapas (o caso da Dilma Rousseff e o MDB em Minas é o mais patético) é algo que desgasta ainda mais o petucanismo, acelera o processo. Não se pode subestimar assim a inteligência do povo. Passando o pleito, a conta vai chegar. Ah, se vai.
 
Era chegada a hora ideal para um movimento de vanguarda no campo nacional revolucionário. Nildo Domingos Ouriques captou no calor do momento a oportunidade, entretanto, foi vítima do aparelhamento estratégico do consórcio petucano. Vale ressaltar, que infelizmente, na pauta eleitoral de 2018, todos os partidos com “Socialismo” e “Comunismo” no nome foram cooptados pelos partidos da ordem. 
 
Você já imaginou? Nildo Ouriques – candidato a presidente, Angélica Lovatto – vice e Gilberto Felisberto Vasconcelos – Ministro da Cultura? A Revolução Brasileira na ordem do dia. A potência energética Socialista dos trópicos. 
 
Por falar nela, Nelson Werneck Sodré, – militar marxista que foi, segundo José Paulo Netto (2011), tratado como cão morto por doutores de obra nanica – no prefácio do livro Dialética dos Trópicos (2002) de Bautista Vidal e Gilberto Felisbeto, fala no Plano Real, e a tarefa gigantesca de superar a falsa estabilidade, apresentada como proeza.
 
A ditadura não conseguiu interromper a Revolução Brasileira, muito menos o petucanismo combalido conseguirá, apesar dos esforços, contra ela; superada essa etapa, será retomada, em nível ainda mais alta. É impossível deter o carro da História. 
 
 

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