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França: cinco meses de luta

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Por IELA em 20 de março de 2019

França: cinco meses de luta

Coletes amarelos: “odiosos”, “depredadores”, “anti-semitas”… o que mais ainda? Nesse texto Rémy Herrera mostra como a mídia comercial vem tentando nominar – sempre  depreciativamente – um movimento que tem fortes raízes populares e que está mobilizando o país inteiro. Qualificados como de direita, racistas e misógenos, eles trazem em sí um forte protesto anti-sistema e anti-ricos. É um furacão e carrega nele todas as contradições. O que vai surgir daí ainda é não-sabido. Pode ir para a direita ou para a esquerda. depende das condições históricas. 
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A princípio, no início de Novembro de 2018, quando os primeiros “coletes amarelos” protestaram nas redes sociais contra o aumento do imposto sobre combustíveis decidido pelo governo de Édouard Philippe, os media dominantes – todos eles de propriedade dos poderes do dinheiro – censuraram-nos por se oporem à defesa do meio ambiente. Inicialmente, portanto, os coletes amarelos eram apresentados pelos seus críticos como rurais arcaicos – mas conectados à Internet! – ferozmente “apegados ao seu automóvel” e obtusamente indiferentes à causa ecológica. Como se os poucos centavos de euro cobrados sobre esses impostos e destinados à “transição ecológica” fossem suficientes para nos fazer esquecer que a França, aureolado pelo prestígio da COP21 de Paris, ainda não tem uma política crível em matéria ambiental. 
Então, muito rapidamente, na verdade desde a primeira mobilização dos coletes amarelos em 17 de Novembro, os ataques dos media subiram de tom e acusaram-nos de serem “racistas” de extrema-direita. Das centenas de milhares de coletes amarelos que se manifestam por todo o país, houve um ou dois que foram filmados ou gravados em vias de intimidar pessoas “tipificadas” ou de origem estrangeira. Dizem que eles são “misóginos” porque um outro da mesma farinha fez comentários impróprios a respeito de uma dama. Três idiotas, em suma, foram dotados com o poder de transformar 300 mil manifestantes em xenófobos machistas! No processo, seus adversários viram os coletes amarelos tornarem-se “odiosos”, sob o pretexto de acções colectivas utilizando a força para bloquear estradas e rotundas e por reivindicações formuladas com ardor e veemência. 
Não demorou muito para que os peritos em segurança arrebanhados pelos media fizessem o amalgama entre coletes amarelos e “depredadores”. Este foi o novo leitmotif de canais de (des)informação em contínuo em todos os sábados de mobilização. Isso, até que o presidente Emmanuel Macron acabasse por declarar que aquelas e aqueles que atendem aos apelos a manifestar dos coletes amarelos tornam-se ipso facto “cúmplices” das eventuais violências que poderiam ocorrer. Era como tomar os coletes amarelos por imbecis. E foi isso que fizeram os serviçais mediáticos da macronie que, ao entrevistarem coletes amarelos, se deleitavam com os seus desajeitamentos de linguagem e a sua inexperiência na arte da oratória. Não restava senão classificar todos como “refractários” às reformas, ingratos à generosidade do Estado, incoerentes na expressão de seus desejos. 
Veio a seguir o momento em que o eixo principal da argumentação mediática hostil aos coletes amarelos era insistir sobre as suas “divisões”. Aquilo que representa o movimento social francês mais vigoroso e unificador das últimas décadas, apoiado por uma grande maioria de seus concidadãos (que, sem vestir um colete amarelo, trazem-no no coração), tornava-se de repente heteróclito, contraditório, brigão, “dividido”. E finalmente dizem que “anti-semitas” quando um colete amarelo, um deles, reaccionário, lançou, no virar de uma rua, insultos contra o intelectual Alain Finkielkraut, também ele reaccionário (não passa um dia sem que ele declare que os palestinos de Gaza eram “homens em excesso”?). Dois tipos inaceitáveis, cara a cara. O loop está completo: “os coletes amarelos são a extrema-direita! 
Em 28 de fevereiro, Roselyne Febvre, chefe do departamento político do canal de televisão público France 24, resumiu a opinião burguesa: “No final, persiste apenas uma cólera bruta (…), da qual emergiu uma gosto pela violência, anti-semitismo, racismo, conspiração, enfim, tudo que há de pior no homem. Será que se tornou [a mobilização de coletes amarelos] uma espécie de estábulo de indivíduos vulgares (branquignols) ? (…) Quando os ouvimos hoje, não é muito racional”. Tudo isso é claro: os coletes amarelos encarnam “o pior do Homem” e as elites a razão. O Código deontológico dos jornalistas diz, no entanto: “O tratamento profissional da informação requer respeito pelos princípios de integridade e imparcialidade. Comunique os factos de maneira honesta, proibir-se de toda mentira, aproximação, preconceito ou manipulação”. 
Eis como, permanentemente e de mil maneiras, os media da burguesia em guerra contra todo um povo insultam os coletes amarelos. Como são desacreditados, caluniados, rebaixados. Estes coletes amarelos que se levantaram por nossa dignidade, para não mais suportar o insuportável. De agora em diante, dizem que eles são “extremamente pouco numerosos”. Quando não se conta senão um cada dez, e quando a simpatia generalizada de muitos franceses os acompanha e os encoraja. A hora do golpe chegará em breve? O que não compreendem estes cavalheiros-damas dos media, do poder e da finanças, no entanto, é que a cólera dos coletes amarelos não desaparecerá tão cedo porque as razões profundas desta cólera não desapareceram. Os limites do movimento podem ser visíveis. Mas o espírito colete amarelo recolocou um povo sobre os seus pés. 
 
Originalmente publica em www.resistir.info
 

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