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Tributação e distribuição da renda no Brasil

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Por IELA em 17 de outubro de 2016

Tributação e distribuição da renda no Brasil

No Brasil, ricos não pagam imposto, nem sobre a renda, nem sobre o patrimônio

Por Sérgio Wulff Gobetti, Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Rodrigo Octávio Orair, Pesquisador do Ipea e do International Policy Centre for Inclusive Growth (IPC-IG).
O Brasil é um dos países que, por falta de suficiente transparência fiscal, ficaram de fora do estudo dos economistas Anthony Atkinson e Thomas Piketty, que fornece uma perspectiva global sobre a concentração de renda no topo da distribuição, a partir dos dados das declarações do imposto de renda.(1)
Felizmente, em 2015, a Receita Federal do Brasil voltou a disponibilizar, à sociedade, informações mais detalhadas das declarações do imposto de renda, que permitem, por exemplo, identificar os brasileiros no topo da pirâmide social, aproximadamente, 71 mil pessoas que correspondem ao meio milésimo mais rico (0,05 por cento da população adulta) e ganharam, em média, R$ 4,1 milhões em 2013 ou EU 1,5 milhão.
Com isso, o Brasil passará, em breve, a fazer parte dos estudos internacionais comparativos sobre concentração de renda. Os dados já analisados, do período de 2007 a 2013, possibilitam traçar um quadro preliminar, provavelmente sem paralelos em termos de benefícios tributários e concentração de renda no topo da pirâmide social:
1) A concentração de renda brasileira supera qualquer outro país com informações disponíveis. O décimo mais rico apropria-se de metade da renda das famílias brasileiras (52 por cento), o centésimo mais rico algo próximo a um quarto (23,2 por cento) e o milésimo mais rico chega a um décimo (10,6 por cento), índices que ultrapassam os limites considerados toleráveis para as sociedades democráticas, segundo Piketty (2014).(2)
Mas o que realmente chama a atenção é que o meio milésimo mais rico concentra 8,5 por cento da renda, nível superior ao da Colômbia (5,4 por cento), que é um país extremamente desigual, quase três vezes maior que o do Uruguai (3,3 por cento) e o do Reino Unido (3,4 por cento) e cinco vezes maior que o da Noruega (1,7 por cento).
2) Os brasileiros super-ricos pagam menos imposto, em proporção da sua renda, que um cidadão típico de classe média alta, sobretudo o assalariado, o que viola o princípio da progressividade tributária, segundo o qual o nível de tributação deve crescer com a renda. Cerca de dois terços da renda dos super-ricos (meio milésimo da população) está isenta de qualquer incidência tributária, proporção superior a qualquer outra faixa de rendimentos. O resultado é que a alíquota efetiva média paga pelos super-ricos chega a apenas 7 por cento, enquanto a média nos estratos intermediários dos declarantes do imposto de renda chega a 12 por cento.
3) Essa distorção deve-se, principalmente, a uma peculiaridade da legislação brasileira: a isenção de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a seus sócios e acionistas. Dos 71 mil brasileiros super-ricos, cerca de 50 mil receberam dividendos em 2013 e não pagaram qualquer imposto por eles. Além disso, beneficiaram-se de uma baixa tributação sobre ganhos financeiros, que no Brasil varia entre 15 por cento e 20 por cento, enquanto os salários estão sujeitos a um imposto progressivo, cuja alíquota máxima de 27,5 por cento atinge níveis muito moderados de renda (acima de R$ 4,7 mil de renda mensal ou EU 1,3 mil em 2015).
4) O potencial distributivo do imposto de renda no Brasil, medido em termos de queda no índice de Gini, é menor que nos países mais desenvolvidos da América Latina, como México, Uruguai, Argentina e Chile, e bem inferior ao dos países europeus. Em resumo, os dados revelam que o Brasil é um país de extrema desigualdade e também um paraíso tributário para os super-ricos, combinando baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras, uma das mais elevadas taxas de juros do mundo e uma prática pouco comum de isentar a distribuição de dividendos de imposto de renda na pessoa física. 
A justificativa para tal isenção é evitar que o lucro, já tributado ao nível da empresa, seja novamente taxado quando se converte em renda pessoal. Entre os 34 países da OCDE, que reúne economias desenvolvidas e algumas em desenvolvimento que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado, apenas três isentavam os dividendos até 2010. México retomou a taxação em 2014 e República Eslováquia instituiu em 2011 uma contribuição social para financiar a saúde. Restou somente a Estônia, pequeno país que adotou uma das reformas pró-mercado mais radicais do mundo, após o fim do domínio soviético nos anos de 1990, e que, como o Brasil, concede total isenção tributária à principal fonte de renda dos mais ricos. Em média, a tributação total do lucro (somando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 48 por cento nos países da OCDE (sendo 64 por cento na França, 48 por cento na Alemanha e 57 por cento nos Estados Unidos).
No Brasil, com as isenções de dividendos e outros benefícios tributários, essa taxa cai abaixo de 30 por cento. No entanto, a excentricidade brasileira não para por aí. O Brasil possui uma elevada carga tributária para os padrões das economias em desenvolvimento, por volta de 34 por cento do PIB, equivalente à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Diferentemente dos países da OCDE, nos quais a parcela da tributação que recai sobre bens e serviços é residual (cerca de um terço do total) e há maior peso da tributação sobre renda e patrimônio, cerca de metade da carga brasileira provém de tributos sobre bens e serviços que, proporcionalmente, oneram mais a renda dos mais pobres. Ou seja, os privilégios aos rendimentos da propriedade do capital, que tornam o imposto de renda no Brasil pouco redistributivo, são apenas um elemento de uma estrutura tributária global muito regressiva.
Em termos históricos, a configuração de tal estrutura insere-se em um movimento em escala global de reorientação da tributação a favor do capital e dos mais ricos, o que se repetiu em diferentes doses, em praticamente todos os países desenvolvidos entre 1980 e 2010. Contudo, é interessante assinalar que nem os governos conservadores de Ronald Reagan e George W. Bush, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, no Reino Unido, conseguiram fazer o que o governo brasileiro fez em 1995, ao isentar completamente os lucros e os dividendos.
E, enquanto o avanço conservador está sendo parcialmente revertido na maioria dos países da OCDE, que estão aumentando a taxação sobre os mais ricos, inclusive os dividendos, de acordo com os esforços de ajustes fiscais que não penalizem tanto os mais pobres; no Brasil nenhuma reforma de fôlego com o objetivo de ampliar a progressividade do sistema tributário foi realizada nos últimos 30 anos de democracia, dos quais 12 anos sob o governo de centro-esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT).
Repensar essa questão e colocar em pauta a agenda da progressividade, já com certo atraso, é um dos grandes desafios para o Brasil na atualidade. 
VEJA O ESTUDO COMPLETO
Referência: GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio. Tributação e distribuição da renda no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias das pessoas físicas. IPC-IG Working Paper. Brasília, International Policy Centre for Inclusive Growth. (no prelo).
Notas:
1. ATKINSON, Anthony Barnes; PIKETTY, Thomas (Eds.). Top incomes: a global perspective. Oxford University Press, 2010.
2. PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
 

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