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Aquecimento global, mídia e o homem do bilhão

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Por IELA em 19 de março de 2007

Aquecimento global, mídia e o homem do bilhão
19/03/2007
Por Miriam Santini de Abreu – jornalista
“Os meios de comunicação não cobrem meio ambiente” era crítica comum de 1992 para cá. Naquele ano o Brasil foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. O tema virou moda, mas, passados alguns meses do evento, a maior parte de cadernos, editorias e boas intenções desaparecereu. E eis que, em 2007, a relação sociedade/natureza novamente volta a ser pauta prioritária. A crítica à pouca quantidade de textos já não se sustenta. Mas e a qualidade?
Desta vez, o fato que desencadeou a avalanche de notícias foi a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, criado pela ONU. O que antes era apenas insinuado agora virou “inequívoco” e “muito provável”: o aquecimento global está relacionado com o modo de produção da espécie humana. O conforto das casas, carros, celulares, computadores, viagens de turismo e toda a energia necessária para mantê-lo está cobrando seu preço. O tema, como se diz, caiu no boca do povo. Mas basta cruzar informações – aparentemente sem conexão – divulgadas em 2007 para perceber que isso não significa uma reflexão mais aguda sobre o assunto. E esse “cruzamento” a mídia não faz.
Dá para começar em fevereiro, quando a Exxon Mobil, a maior companhia de petróleo do Ocidente, divulgou seu lucro em 2006: 39,5 bilhões de dólares, o maior de uma empresa de capital aberto dos Estados Unidos. Nunca as burras do capitalismo ficaram tão cheias. Dá até para imaginar o sorriso do Tio Patinhas. E, agora, em março, é a vez do etanol, que virou alvo concentrado de atenção por causa da vinda de George Bush ao Brasil. Os biocombustíveis como o etanol são apontados como fonte alternativa e menos poluente de geração de energia. É esse capítulo etílico que propicia analisar a cobertura da imprensa.
Foi noticiado que os dois governos se prontificaram a avançar no desenvolvimento de novas técnicas, levar os benefícios delas a outros países e expandir o mercado do etanol com o estabelecimento de padrões internacionais. Diz o senso comum que o Brasil, com a produção de mais etanol, faria sua parte para minimizar o aquecimento global. Além disso, a produção e venda no mercado mundial gerariam novos empregos. Só que o resultado da visita desmente esse tipo de aposta.
Basta vasculhar jornais e revistas e encontrar pequenos artigos, notas e notícias não-relacionadas à visita para perceber outra leitura da realidade. O Estados Unidos, por exemplo, se recusam a retirar a taxa, prevista em lei, sobre o álcool combustível comprado do Brasil, que é de 54 centavos de dólar mais 2,5% de imposto alfandegário. Além disso, não admitem cortar os subsídios para os seus plantadores de milho, que fazem dos EUA o maior produtor de etanol do mundo.
Por outro lado, Bush e comitiva voltaram a insistir na necessidade de o Brasil e demais “emergentes” aceitarem mais importações de produtos industriais e de serviços dos países ricos. Esse “toma lá, dá cá” revela uma nova faceta de um processo histórico no país, de exportação de produtos agrícolas e importação de tecnologia. E quando se fala em “serviços”, basta citar o empenho de grandes grupos internacionais para tomar uma fatia da educação e da saúde no país, que, de direitos, se transformariam em serviços.
Na hipótese de os EUA derrubaram a tal tarifa, o que só poderia acontecer em 2009, quais seriam os resultados? Aqui desfilam várias respostas para as quais a maior parte da mídia não dá tanta atenção. A primeira é o aumento da procura por terra, como já acontece no norte do Espírito Santo – outrora coberto por Floresta Atlântica e hoje dominado por pastagens – onde grupos estrangeiros e até o bilionário George Soros estão apostando no setor. E isso sem falar na Amazônia, para a qual o governo Lula espera um futuro possível através de “parcerias” com a iniciativa privada.
Diz o governo que os novos plantios vão ser feitos em áreas já degradadas de floresta. Mas onde estão elas? Quantos hectares somam? E quem vai garantir que os produtores não derrubem áreas ainda cobertas por mata? Enquanto Bush visita a América Latina para falar de etanol e aquecimento global, a Folha de S. Paulo noticia que o Banco Mundial emprestou 90 milhões de dólares para o Grupo Bertin ampliar a capacidade de abate de gado de 250 mil para 500 mil cabeças/ano até 2009 na região de Marabá!
Outro aspecto pouco explorado nas notícias sobre o assunto se refere à relação capital/trabalho na produção de cana e etanol. O setor se mecaniza cada vez mais e vai deixar na rua trabalhadores que, quando empregados, morrem literalmente de exaustão nos canaviais. São “histórias que o sertão esconde”, como dizia o jornalista Marcos Faerman, e que boa parte da mídia, que ouve mais os do “andar de cima”, não vê.
Três fatos podem resumir o que este artigo tenta mostrar: o buraco da discussão do aquecimento global é “mais em cima”, lá onde as grandes corporações se unem para decidir onde aplicar dinheiro e criar novos símbolos de luxo e consumo; lá no mundo em que “fazer a nossa parte” e reciclar o lixo não têm qualquer importância.
O primeiro foi a avaliação do governo brasileiro de que o fato de Bush ter usado o capacete da Petrobras “já valeu a viagem”. Espetáculo midiático. O segundo, a investigação do Ministério da Justiça revelando que empresas como a Votorantim e a Camargo Corrêa – as maiores cimenteiras do país – estão montando um suposto cartel para combinar preços e conquistar o setor de concreto. Esse tipo de empresa, em público, adora falar das maravilhas do livre mercado. E é nelas que o governo Lula aposta para, via “parcerias”, melhorar a infra-estrutura do país. E, por fim, a divulgação da lista de bilionários feita pela revista Forbes. Nela, o Brasil contribuiu com 20 felizes membros, entre eles um empresário que a revista qualificou como o “primeiro bilionário mundial do álcool”. É isso. O setor do qual se espera uma resposta para o aquecimento global, para a produção de empregos e melhor distribuição de renda já fez vingar o quê? Um bilionário…
Míriam Santini de Abreu é autora do livro “Quando a palavra sustenta a farsa: o discurso jornalístico do dese.nvolvimento sustentável”. Editora da UFSC, 180 páginas, R$ 22,00.
email: misabreu@yahoo.com.br

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