Início|Sem categoria|Estudantes da UFSC e o MST

Estudantes da UFSC e o MST

-

Por IELA em 25 de abril de 2007

Estudantes da UFSC e o MST
25/04/2007
Por Elaine Tavares – Jornalista no OLA
Foi a primeira vez e como tal, nunca mais vão esquecer. Sempre tinham visto pela televisão e entenderam que era hora de sair da torre acadêmica e ver com os próprios olhos. Dez estudantes do curso de Economia da UFSC decidiram vivenciar uma ocupação de terra, junto com o MST, na região de Papanduva, no 15 de abril. Alguns com o fervor revolucionário de quem já acompanha as lutas sociais e outros, mais céticos, com a idéia de comprovar ou refutar teorias acerca das relações econômicas na agricultura. Ao final da experiência, em todos ficou uma certeza: esse povo do MST sabe como se organizar e não lhes falta consciência de classe.
Eduardo Israel, 21 anos, pesquisa o agro-negócio e sua curiosidade era observar a ocupação, conversar com os camponeses e verificar se funcionavam as teorias com as quais anda trabalhando. Vitor Tonin, 21, queria entender melhor esse movimento e sua própria prática estudantil. “A gente vive querendo mudar a universidade, então fui ver como é que se faz quando se está diante de problemas básicos”. Diógenes Breda, 20 anos, já trabalhou com os sem-terra e conhece um pouco do MST, decidiu ir para oferecer a solidariedade concreta. Mas nenhum deles imaginava que iriam viver o que viveram.
Ocupando a área
A primeira impressão que ficou foi a da mais completa organização. “As tarefas de cada um já foram definidas dentro do ônibus, antes de chegarmos”, lembra Eduardo. Há grupos de saúde, segurança e estrutura. Não há conflitos organizativos e todos agem de forma muito autônoma, sem que ninguém precise dar ou receber ordens. As lideranças existem, é fato, mas todo e qualquer tema é decidido nas assembléias. “O grupo funciona como um corpo único, se nota uma grande experiência na condução deste tipo de ocupação e, principalmente, um disciplina exemplar. Por isso não há falhas”, diz Vitor.
Logo ao chegar à área também é possível perceber como a disciplina ajuda no processo que vai desde erguer o acampamento até a resistência à polícia. “É uma organização muito democrática, todo mundo tem todas as informações, o tempo todo. Ninguém ali fica sem saber de tudo o que se passa. Não é coisa de líder. Envolve até as crianças”. E é essa socialização do conhecimento que permite ao povo do MST manter a tranqüilidade em situação de confronto.
Os tanques e o medo
E confronto foi o que não faltou. A ocupação da área se deu na paz, cada um fazendo sua parte. Mas, ao final da tarde, chegaram as forças da “ordem”. Caminhões do exército e até um tanque de guerra cercaram o acampamento. Essa foi a hora do medo, principalmente para o povo da cidade que estava no acampamento ajudando na ocupação. “Logo que os soldados chegaram o povo todo se juntou e foi para frente dos tanques. Alguns passaram a mão nuns paus. A gente percebia que se fosse preciso ir para a luta mesmo, eles iam. Ninguém está lá na ocupação por causa de ideologia barata. É uma gente que precisa da terra pra viver. É por necessidade”, diz Diógenes.
“O desafio que tínhamos ali era o de manter a tranqüilidade diante do toda aquela pressão psicológica. Eles iam se aproximando devagarzinho, os tanques fazendo barulho, hinos patrióticos, discursos. Era incrível ver como as famílias do MST seguiam montando os barracos, como se nada estivesse acontecendo, e os mais velhos foram os que nos deram segurança”, conta Eduardo. “O povo da cidade é que ficou assustado, mas o pessoal do MST até improvisou um futebol na segunda-feira de manhã”. Diógenes lembra que o pior momento foi quando cortaram a água, pois sem ela ficaria cada vez mais difícil manter a resistência.
O aprendizado
Para os estudantes, viver na pele uma situação de ocupação e de conflito com o exército teve um caráter pedagógico. “Eu já conhecia a organização do MST, os princípios socialistas, a consciência que eles têm sobre o latifúndio, as multinacionais etc… Mas, viver essa experiência, ver como se organizam em situação de crise, a relação com as crianças, o cuidado, a solidariedade, a democracia, só reforçou meu respeito por eles e pela luta que travam”, diz Diógenes.
Eduardo lembra que uma das acusações que se fazem sobre os sem-terra é a de que são baderneiros e nem sabem trabalhar com a terra. “Vi que não é nada disso. Na hora que chegamos na terra e demos de cara com a mata, os da cidade pararam, não sabiam o que fazer. Então, logo vieram os sem-terra e foram abrindo o mato, com a experiência que têm de uma vida inteira no campo”. Ele também aproveitou para encontrar elementos para seu trabalho de pesquisa. “Eu fiquei com dúvidas sobre o processo de agricultura familiar. Como, nessa proposta, eles vão conseguir sair do sistema de agro-negócio? Mesmo unidos em cooperativas, o modelo ainda é capitalista. Esse é um desafio que nós teremos de enfrentar e, quem sabe, encontrar soluções”.
Vitor ficou impressionado com o conhecimento que, principalmente a juventude, tem sobre o sistema capitalista. “Eles vêm tudo a partir de uma realidade concreta. Não estão na teoria. Vivem os problemas no dia a dia, estudam, encontram caminhos. Sabem que a reforma agrária sozinha não resolve nada. A luta é por uma nova sociedade. Eu ouvi análises lá no acampamento, feitas por aquela gente simples, que muita gente aqui na universidade não conseguiria fazer”.
O certo é que ficou muito claro para os estudantes o projeto que os sem-terra estão construindo. “A gente, no começo, ficou se perguntando: o que leva essa gente toda – eram 500 famílias – a confiar tanto num movimento, a ponto de enfrentar tanques de guerra? Depois daqueles dias lá com eles, nós agora sabemos. É o projeto de sociedade, consolidado na cooperação, na solidariedade concreta. Essa é uma lição inesquecível”.
Os sem-terra que ocuparam a área do exército em Papanduva, pela primeira vez em Santa Catarina, enfrentaram tanques de guerra. Coisa jamais vista por aqui e que mostra o recrudescimento da luta no campo nestes tempos de aprofundamento da pobreza. Depois de dois dias de tensão, decidiram sair da área, até porque o objetivo era mesmo o de chamar a atenção para o local. Segundo o movimento, as terras do exército têm sido alugadas para fazendeiros da região enquanto poderiam estar cumprindo sua função social, entregues às mãos dos agricultores que precisam de terra para viver.
Vitor, Diógenes e Eduardo são apenas três dos muitos estudantes da UFSC que lá estiveram nessa jornada do abril vermelho do MST. Agora, dizem, diante da experiência vivida ficará muito mais complexo falar de economia, agro-negócio, latifúndio e produção capitalista. É que toda a teoria vai estar iluminada pelos olhos, força e sorrisos daquela gente com quem compartilharam o medo e a luta. E fica também a compreensão de que a universidade precisa, cada dia mais, fazer a ponte concreta entre a vida real e o estudo teórico.

Últimas Notícias