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Carta de Julian Assange ao rei Carlos III

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Por Julian Assange em 09 de maio de 2023

Carta de Julian Assange ao rei Carlos III

À Sua Majestade Rei Carlos III,

No momento da coroação do meu soberano, achei por bem fazer-vos um convite sincero para comemorar este importante evento visitando o vosso próprio reino dentro de um reino: a prisão de Belmarsh de Vossa Majestade.

Sem dúvida recordareis as sábias palavras de um famoso dramaturgo: “A qualidade da misericórdia não é imposta. Ela cai como a suave chuva do céu sobre os lugares abaixo”.

Ah, mas o que saberia aquele bardo de misericórdia diante do acerto de contas no alvorecer do vosso histórico reinado? Afinal, pode-se verdadeiramente conhecer a medida de uma sociedade pelo modo como trata os seus prisioneiros, e o vosso reino certamente esmerou-se a este respeito.

A Prisão de Belmarsh de Vossa Majestade situa-se na prestigiada morada de One Western Way, em Londres, apenas a uma curta distância do Old Royal Naval College, em Greenwich. Quão deleitoso deve ser ter um estabelecimento tão estimado a portar o vosso nome.

“Pode-se verdadeiramente conhecer uma sociedade pelo modo como trata os seus prisioneiros”.

É aqui que 687 dos vossos leais súbditos são mantidos, apoiando o registo do Reino Unido como a nação com a maior população encarcerada da Europa Ocidental. Como o vosso nobre governo declarou recentemente, o vosso reino está atualmente a passar pela “maior expansão de vagas prisionais em mais de um século”, com as vossas ambiciosas projeções a mostrarem um aumento da população prisional de 82.000 para 106.000 nos próximos quatro anos. É, na verdade, um grande legado.

Como prisioneiro político, detido ao bel-prazer de Vossa Majestade em nome de um soberano estrangeiro envergonhado, sinto-me honrado por residir entre os muros desta instituição de classe mundial. Na verdade, o vosso reino não conhece limites.

Durante a vossa visita, tereis a oportunidade de banquetear-vos com as delícias culinárias preparadas para os seus fiéis súbditos com um generoso orçamento de duas libras por dia. Podereis saborear as cabeças de atum misturadas e as omnipresentes formas reconstituídas que supostamente são feitas de galinha. E não vos preocupeis, porque, ao contrário de instituições menores como Alcatraz ou San Quentin, não há refeições coletivas num refeitório. Em Belmarsh, os prisioneiros comem sozinhos nas suas celas, garantindo a máxima intimidade com a sua refeição.

Para além dos prazeres gustativos, posso assegurar-vos que Belmarsh oferece amplas oportunidades educativas aos vossos súbditos. Como diz Provérbio 22:6: “Educai a criança no caminho em que deve andar, e até envelhecer dele não se desviará”. Observai as filas baralhadas no guichet dos medicamentos, onde os reclusos recolhem as suas receitas, não para uso diário, mas para a experiência de expansão de horizonte num “grande dia fora” – tudo de uma vez.

Também tereis a oportunidade de prestar as vossas homenagens ao meu falecido amigo Manoel Santos, um homem gay que enfrentava deportação para o Brasil de Bolsonaro, o qual tomou a sua própria vida a apenas oito jardas da minha cela usando uma corda grosseira feita com lençóis. Sua refinada voz de tenor agora silenciou para sempre.

Aventurai-vos nas profundezas de Belmarsh e encontrareis o local mais isolado dentro das suas muralhas: Os cuidados de saúde (Healthcare), ou “Cuidados do inferno” (“Hellcare”), como o chamam carinhosamente os seus habitantes. Aqui, ficareis maravilhado com as regras sensatas concebidas para a segurança de todos, tais como a proibição do jogo de xadrez, se bem que permitindo o muito menos perigoso jogo de damas.

Nas profundezas do Hellcare encontra-se o lugar mais gloriosamente edificante de toda a Belmarsh, ou melhor, de todo o Reino Unido: a sublimemente denominada Belmarsh End of Life Suite. Ouvi com atenção e podereis escutar os gritos dos prisioneiros: “Irmão, estou a morrer aqui”, um testemunho da qualidade de vida e de morte dentro da vossa prisão.

Mas não temais, pois há beleza a encontrar dentro destes muros. Deleitai os vossos olhos com os pitorescos corvos que fazem ninho no arame farpado e com as centenas de ratos famintos que chamam Belmarsh de casa sua. E se vierdes na Primavera, podeis mesmo ter um vislumbre dos patinhos postos pelos patos selvagens no terreno da prisão. Mas não vos demoreis, pois as ratazanas vorazes asseguram que as suas vidas são efémeras.

Imploro-vos, Rei Carlos, que visiteis a Prisão de Belmarsh de Vossa Majestade, pois é uma honra digna de um rei. Ao embarcardes no vosso reinado, lembrai-vos sempre das palavras da Bíblia na versão do Rei James: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mateus 5:7). E que possa a misericórdia ser a luz orientadora do vosso reino, tanto dentro como fora das muralhas de Belmarsh.

O vosso mais devotado súbdito,

Julian Assange

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