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Cuba: da vivência ao aprendizado

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Por IELA em 09 de agosto de 2019

Cuba: da vivência ao aprendizado

“Cuba é uma espécie de reserva ecológica de valores humanos que o mundo se empenha em desnaturalizar”  (SANTOS; VASCONCELOS, 2017) .
 
Depois de um mês realizando intercâmbio acadêmico e cultural na Universidad de La Habana, em Cuba, por meio do Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional – PMAI, da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, localizada na cidade de Santarém/PA, construir esta análise sobre tal experiência como acadêmica e futura pesquisadora, já que todo conhecimento apreendido em Cuba, faz-se necessário, em particular, para notar que precisamos sair da nossa zona de conforto e observarmos o mundo a nossa volta, ou melhor, a América Latina a nossa volta. 
 
Para fins de informação, Cuba é um país socialista, conquistou sua independência em 1898, depois de lutar contra o império dos espanhóis e, posteriormente a isto, contra as várias tentativas de domínio dos norte-americanos. A revolução de 1959 formou a sociedade cubana em “nação”, uma vez que a ilha conquistou sua verdadeira independência sobre os Estados Unidos e ainda atingiu um grau de igualdade social inteligente que a levou a ter uma nova identidade nacional. Isto é, a partir desta data, Cuba se autogoverna buscando constituir um sistema igualitário (SANTOS; VASCONCELOS, 2017).
 
Por mais que os revolucionários cubanos tenham usado das forças armadas para alcançar a independência, foi o poder popular que os levou a esse levante, visto que a revolução cubana sempre prezou por igualdade e soberania, logo, esses dois pilares sustentam o país desde a decadência da União Soviética e seguem até hoje. Porém, é importante pautar que, por mais que o socialismo preze por um sistema igualitário e soberano, Cuba é uma ilha pobre que assim como muitos outros países da América, foi colônia de exploração e escravidão, carregando marcas difíceis de apagar (SANTOS; VASCONCELOS, 2017).
 
Além do mais, para comprometer a sua busca por desenvolvimento, Cuba resiste ao bloqueio econômico dos Estados Unidos, decretado em outubro de 1960, afligindo as relações de Cuba com o resto dos países do mundo, interferindo diretamente na sua economia até os dias atuais (GOYANNA, 2017). Portanto, por sua história de luta e resistência Cuba tem muito a nos ensinar, haja vista que mesmo possuindo uma pequena dimensão territorial venceu as forças dos Estados Unidos e continua resistindo com outro modelo de vida.
 
Apesar das dificuldades presenciadas nas duas primeiras semanas em virtude de sentir na pele o que é viver em outro sistema diferente do seu, não me arrependendo de ter escolhido Cuba para fazer o intercâmbio e acredito que não só o Brasil, mas os outros países da América Latina têm muito o que aprender com o país, que mesmo possuindo aspectos positivos e negativos é um exemplo vivo de um mundo diferente do sistema capitalista. A experiência em Cuba pode me ensinar a rever minhas concepções de pobreza e riqueza, perceber como a sociedade capitalista é egoísta, individualista e desumanizada a cada dia e o quanto vivemos em uma zona de conforto que nos estagna e nos impede de buscar conhecer além daquilo que já sabemos, visto que o sistema capitalista nos oferece todo o conforto possível para não reagirmos a ele. 
 
Apesar de Cuba enfrentar problemas como salários baixos, pouca variedade de produtos, escassez de alguns, trabalhadores desestimulados, imprensa e internet limitada, um Estado centralizado e, o racismo e machismo presente na sociedade, o país pelos olhos da representatividade, legitimidade de governo para com a população e sistema político, possivelmente seja o mais democrático, autoconsciente e culto de toda a América Latina (SANTOS, VASCONCELOS; MOREIRA, LIMA, 2017).
 
Cuba nos mostra como somos ignorantes em excesso por falta de educação e leitura. Enquanto perdemos nosso precioso tempo em redes sociais poderíamos estar lendo um livro ou buscando aprender uma nova língua como fazem os jovens cubano. A estância na Universidade de Havana, por exemplo, me mostrou o quanto os alunos são dedicados e estudiosos, estão sempre em grupos estudando, lendo e raramente no celular. Esse fluxo é explícito com outros funcionários da instituição. Pelos bancos sempre encontrava alguém lendo um livro ou revista, assim como nas praças. Nos parques de Havana, como alguns são pontos de acesso a Wi-Fi, há sempre muita gente, desde crianças a idosos e muito desses idosos ficam lendo revistas nesses lugares, coisa que pouco observamos no Brasil. 
 
Na universidade os alunos ganham livros gratuitos para subsidiar os estudos e os que faltam eles podem comprar nas livrarias da cidade, uma vez que os livros em Cuba têm preços acessíveis, equivalente a menos de um dólar, em real, seria menos de três reais. Essas ações são políticas estatais para que todos os cidadãos cubanos tenham acesso aos livros e possam adquiri-los, visto que a educação é primordial para o desenvolvimento do país. Sobre os professores, são humildes e atenciosos, em virtude dos baixos salários muitos deles não têm carro, pegam condução lotada e enfrentam as mesmas dificuldades que um cidadão que não tem graduação. Acredito que essa realidade que os torna tão humildes, simples e comunitários uns com os outros. Na verdade, essa é uma característica de Cuba. A humanização e educação do povo cubano deveria ser referência na América Latina, para tentarmos buscar amenizar as desigualdades ocasionadas pela colonização e replicadas pelo Estado progressista. 
 
Para quem cogita que Cuba vive de forma isolada e abandonada se engana, eles sabem mais do mundo do que muitos brasileiros e o Brasil não está isento dessa observação. A sociedade cubana é tomada de conhecimento porque lê muito, pesquisa muito e cria mentes pensantes detentora de análises que aqui no Brasil só assistimos sair da boca de professores, isto é, a sociedade cubana tem mentes de professores porque ao invés de celulares eles têm livros e melhor, eles sabem que são inteligentes. Parece audacioso se expressar assim, mas foi como se expressou um jovem cubano quando falava sobre aspectos socioeconômicos de alguns países.
 
Além dessas experiências e conhecimentos adquiridos durante o intercâmbio, tive a oportunidade de participar do “I Colóquio Internacional de Estudos sobre Afro-América” realizado nos dias 19 a 21 de junho, na Casa das Américas e do curso “A história social do Negro em Cuba”, realizado a cada um dia da semana durante o mês de junho e julho pelo grupo El Club del Espendrú – projeto de reivindicação social sem fins lucrativos, criado em 2008 por outro grupo chamado “Obsesion”, mas que ganha maior dimensão em 2016 ao agregar uma equipe de intelectuais, artistas e ativistas afrocubanos. 
 
No evento na Casa das Américas pude presenciar apresentações de trabalhos e palestras sobre a temática dos afrodescendentes na América Latina, desde a questão sociocultural até as consequências do racismo estrutural muito presente no continente. Ademais, foi neste evento também que detectei o quanto nós brasileiros sabemos pouco ou quase nada da América Latina, muito menos a realidade da população negra nos países latinos. Já no curso realizado pelo El Club del Espendrú, pude aprender como se constituiu a identidade afrocubana e o quanto a temática racial ainda é pouco discutida pelo Estado. 
 
Por mais que Cuba seja um país socialista, preze pelos princípios igualitários, ainda sim apresenta ações racistas de forma velada. Porém, mesmo sendo um país racista, característica presente em praticamente todos os países da América Latina como foi explanado no Colóquio, Cuba não é o mais racista do continente, pelo contrário, mesmo com este problema estrutural, no país conseguimos identificar muitos negros empregados, trabalhando em órgãos públicos, se tornando médicos, advogados e possuindo título acadêmico. 
 
Contudo, no Brasil a realidade é outra. Considerado um dos países mais racistas do mundo, abriga uma população majoritariamente negra, encontrada na base da pirâmide social necessitando de políticas públicas e de um olhar sensível do Estado. É o país que diariamente extermina a juventude negra que mal consegue terminar o ensino médio em virtude do racismo estrutural e do sistema opressor da qual vivemos. Sendo assim, por mais que Cuba seja um território racista, as desigualdades raciais do país dificilmente se compararão as do Brasil. Além do mais, Cuba foi o primeiro país do continente a extinguir o analfabetismo, explicando seu alto nível de politização, autonomia e participação popular nas discussões de pautas sociais (MOREIRA; LIMA, 2017).
 
Em suma, a população da pequena ilha do Caribe conhece mais do que ninguém a sua própria história e o seu potencial, nos propondo a conhecer nossas origens, se apropriar dela e refletir quem somos e até onde podemos chegar. Portanto, a experiência em Cuba marca o início para muitas investigações, já que é um lugar que te obriga a refletir, sair da zona de conforto e te instiga a pesquisar aquilo que você ainda não conhece, como por exemplo, o nosso continente latino-americano. Devemos aprender com a sociedade cubana, estudar sobre o nosso território e se apropriarmos do que é nosso. “América Latina Livre”!
 
Referências Bibliográficas
GOYANA, Bianca. Por que a revolução? In: SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos; VASCONCELOS, Joana Salém; DESSOTTI, Fabiana Lima (Org). Cuba no século XXI: Dilemas da Revolução. São Paulo: Elefante, 2017. cap. 2, p. 41. 
 
MOREIRA, Hudson; LIMA, Letícia Rizzotti. Cuba é uma democracia? In: SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos; VASCONCELOS, Joana Salém; DESSOTTI, Fabiana Lima (Org). Cuba no século XXI: Dilemas da Revolução. São Paulo: Elefante, 2017. cap. 4, p. 56.  
SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos; VASCONCELOS, Joana Salém. O que é a Revolução hoje? In: 
SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos; VASCONCELOS, Joana Salém; DESSOTTI, Fabiana Lima (Org). Cuba no século XXI: Dilemas da Revolução. São Paulo: Elefante, 2017. cap. 1, p. 33-36.
 

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