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Guatemala: população derruba orçamento

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Por IELA em 23 de novembro de 2020

Guatemala: população derruba orçamento

 

No dia 18 de novembro o Congresso da República da Guatemala aprovou, durante a madrugada, o orçamento do país para o ano de 2021. Além de ser uma votação apressada, na calada da noite, o orçamento nacional simplesmente ignorou as necessidades básicas da população, como saúde, educação e geração de emprego, priorizando temas vinculados ao clientelismo e a corrupção.  
Segundo as informações que correm na imprensa guatemalteca os deputados tomaram conhecimento da peça poucas horas antes de iniciar a reunião, já com a aprovação da Comissão de Finanças que também foi feita às pressas. Não houve tempo para a leitura do orçamento – que não é uma peça simples  – muito menos debate. Sem qualquer análise o projeto foi colocado em votação e imediatamente aprovado, o que levantou a suspeita – óbvia  – de que já tinha havido uma negociação prévia com os congressistas.  
O Congresso da República é composto por 125 deputados e a maioria aprovou o orçamento mais alto da história, de 99 bilhões e 700 milhões de quetzales, que pode ser ainda maior se forem contabilizadas as emendas adicionais. Desse valor, em vez de priorizarem aquilo que realmente importa para a população, os deputados elevaram os recursos para alimentação deles mesmos e também para os veículos de uso próprio. Também foi ampliado o orçamento para o Centro de Governo e para os centros de desenvolvimentos que são coordenados pelos deputados distritais. Já os valores para a Procuradoria de Direitos Humanos, para a saúde e para o combate à desnutrição foram diminuídos.  
A votação feita dessa forma, apressada e suspeita, levantou a população em luta. A Guatemala é um dos países da América Central que mais tem vivido o drama da migração. Sem condições de vida no país, as famílias se juntas aos hondurenhos nas imensas colunas de migrantes que fogem do país com destino aos Estados Unidos onde pensam encontrar alguma possibilidade de existência. Como esse orçamento votado não tem correspondência na realidade, é muito provável que para cumpri-lo o governo tenha de ampliar ainda mais a dívida pública, que hoje já consome mais de 36% do total e mantém os guatemaltecos cativos da miséria e da violência.
E foi justamente para se manifestar contra esse orçamento fora da realidade e sem combate aos problemas reais que a população saiu às ruas em protesto já no dia seguinte, em várias cidades do país, exigindo a revogação da decisão e também a renúncia do presidente Alejandro Giammattei. O coro popular foi reforçado pelo próprio vice-presidente que também se manifestou dizendo que era preciso vetar esse orçamento e caso isso não fosse feito seria necessária a renúncia de ambos, presidente e vice, pois estaria contrariando as promessas de campanha.  
A ação do Congresso foi uma espécie de gota d’água para a população que vem sofrendo sem que o governo atue em consequência. O ataque à pandemia do novo coronavírus tem sido pífio e para piorar a região foi atingida por um furacão, sem que o governo tenha garantido a proteção com ações urgentes. Abandonados à própria sorte, os guatemaltecos decidiram partir para a luta. As manifestações foram muito significativas e mostraram que há um descontentamento crescente, desta vez sem silêncio. Há mobilização.
Nesse domingo novos protestos foram organizados com a presença de milhares de pessoas. O destaque das passeatas de ontem acabou sendo a invasão da sede do Congresso por um grupo pequeno de manifestantes que se afastou da passeata quando ela seguia para a Praça da Constituição, na capital, e decidiu colocar fogo no prédio. Eles quebraram as janelas, entraram e conseguiram incendiar as salas da frente onde ficam os retratos dos deputados e a sala da diretoria. Não conseguiram entrar no salão de votação nem nos gabinetes. Mas, apesar da poca monta, o incêndio foi usado pela mídia para tentar desqualificar os protestos, acusando de vandalismo.  Já os absurdos do novo orçamento não discutidos.
Os movimentos sociais, sindicatos e povos indígenas da Guatemala insistem em continuar a luta pelo veto ao Orçamento, pela renúncia dos deputados corruptos e do presidente da nação. “Esse país está metido num torvelinho de corrupção, demagogia e autoritarismo. Aqui manda o crime organizado. Isso tem de acabar”, dizem as lideranças.  
Hoje de manhã as manchetes de jornal na Guatemala noticiavam que o Congresso decidiu nesta madrugada suspender a tramitação do decreto que dava vida ao novo Orçamento em nome do que chamaram de “governabilidade e paz social”.  
O presidente Giammattei, em vez de dialogar com a população através dos setores que encabeçam as manifestações pediu a intervenção da OEA, invocando a Carta Democrática Interamericana, para realizar o diálogo, mostrando sua total subserviência a esse organismo internacional que não deveria receber tanto poder dentro de um país soberano. A manifestação da OEA é de que o país não pode ter sua democracia rompida e que a instituição precisa ficar atenta à ameaças institucionais.  
É verdadeiramente impressionante como esses criadores de golpes passam a usar de suas próprias artimanhas para tentar frear a manifestação justa da população. A OEA e figuras nefastas como Luis Almagro, seu secretário, são os que oferecem toda a estratégia para aplicação de golpes militares, parlamentares e judiciais em vários países da América Latina e agora posam de defensores da democracia.  
A decisão do Congresso em suspender o decreto do Orçamento é uma vitória da população, mas há que seguir vigilante, pois os deputados prometerem rever a peça e podem mudar uma ou outra coisa, sem mudar o todo. Além disso, a participação da OEA nas mesas de negociação tampouco agrada aos movimentos sociais. Resta saber como a população reagirá aos últimos acontecimentos.  

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