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O ser crítico

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Por Eduardo Eduardo Ferreira Borges em 30 de setembro de 2022

O ser crítico

Lutas sociais – Fonte: Divulgação / Arquivo Histórico Nacional

Texto de Eduardo Ferreira Borges, arquiteto urbanista.

Nossa investigação seguirá o caminho inverso como diz Marx e Hegel ao processo da própria realidade. Partimos precisamente daquilo que é a seiva do conhecimento, isto é, seu caráter histórico enquanto resultado de todo o conjunto do desenvolvimento humano universal e particular autocriado, que tem como ponto de chegada um resultado concreto, muito embora seja a partir da reflexão um resultado abstrato. Segundo Marx:

O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade. Por essa razão, o concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo e, portanto, também o ponto de partida da intuição e da representação. (MARX, 2008, p. 258)

A exposição aqui, então remonta o processo inverso, aquele caminho pelo qual, após as inúmeras determinações que se fez ao longo da investigação, agora faz o movimento contrário, de retorno ao fenômeno, que é precisamente a seiva do conhecimento, porque é dele enquanto particular que imprime na reflexão conceitual o caráter de sua universalidade.

Veremos que essa própria introdução não se faz à toa, sem necessidade no marco de nossa investigação, pois é ela também, isto é, o processo de conhecimento, objeto de nossa investigação, e essa necessidade não se faz presente apenas num sentido epistemológico da questão, ou uma busca autonomizada alheia ao drama do Brasil contemporâneo, em particular da tragedia da esquerda brasileira. Como veremos e como um aspecto de nossa abordagem, o irrevogável caráter ideológico de todo o conhecimento, pois que ele é nutrido precisamente por uma posição de sujeitos historicamente determinados.

Assim, como breve exposição daquilo que foi o objeto de nossa análise e que nos trouxe até aqui, isto é, uma tomada de posição subjetiva diante de um particular objeto; notemos como o desenvolver da essa exposição tanto pela sua forma e conteúdo do processo de determinação operada pela faculdade da abstração, como pelo lado objetivo, isto é, de qual o objeto, a razão de sua necessidade, sua circunscrição etc. notemos o caráter particular de uma tomada de posição individual, e logo de valoração e juízo a respeito de um fenômeno.

Essa exposição tem como objeto e é seu resultado, um debate intenso feito a partir de uma crítica as certas posições políticas do PCB principalmente, mas também do PSOL e UP. Foi feito a tentativa de entendimento da razão pelas quais, aquilo que no primeiro momento, me aparentava como aspectos de suas práxis, que não revelavam uma posição radical feita por sujeitos revolucionários, sendo até mesmo o movimento contrário a aquilo que eles se colocavam como sendo. Fenômenos esses não totais, haja vista existir dentro do próprio partido, tendencias na direção oposta. Daí que a investigação tem como cerne, o entendimento do caráter de algumas práticas políticas desses partidos e formas de consciência, que pela sua exteriorização sensível, nos mostrava um movimento também contrário ao que estes propunham.

A questão de fundo, é que a crença de que haja uma forma revolucionária expressa nesses partidos e logo, nesses sujeitos; é a crença da afirmação de que tal forma se apresente concreta e acabada, sendo agora necessário para eles a agitação e propaganda para atrair para si outras pessoas na qual devem se conscientizar da necessidade da revolução, a partir de uma identificação que esta tal forma acabada que estes já reivindicam como sendo a forma revolucionária. Com esse movimento, creio que haja uma confusão entre noções e concepções universais até então herdados, e muito dessa universalidade, esse conteúdo conceitual possui sua forma genérica própria do conhecimento científico do que necessariamente a forma particular que se corporifica enquanto teoria concreta universal/particular, por sua vez, se faz a partir da tomada de posição, que pressupõe essa tomada frente a um objeto determinado a superar, precisamente para corporificação da crítica. Nesse sentido crítico, o que deveria ocorrer é a concreção de uma nova cultura política, uma concreção de novos juízos morais, de uma nova sensibilidade estética etc. o que não acontece quando analisamos algumas posições.

Tal tese de que haja uma forma revolucionária constituída nos leva muito mais a uma certa necessidade de identificação apriorística com esse universo formalista abstrato, do que pelo contrário, a ideia de que não haja tal forma, de que não há movimento, sujeito e situação revolucionária, nos coloca numa situação de crítica primeiramente a nós mesmo enquanto sujeitos determinados e produtos de uma cultura liberal no seio da esquerda encabeçada como o petismo.

Nossa exposição é então, apenas um debate interno às discussões que se vêm tomando força no interior da esquerda que pretende reconstruir sua posição, frente a já trágica situação a que chegamos com o petismo, do ponto de vista ideológico e da iminente derrota eleitoral. Tragédia eleitoral, esta, que será notório, no sentido da necessidade de se parir uma nova posição, pois da posição dominante, já temos por nós, de que é uma posição inimiga, muito embora seus apologetas digam o contrário. A crítica ao petismo leva junto a crítica a esses partidos menores, pois muito embora estes últimos divirjam em posições econômicas, assumem no plano da cultura a mesma identidade com a cultura liberal do petismo, com a diferença que eles pensam diferentes do que são. Tal corte entre pensar e Ser já é também notável para o entendimento da peculiaridade desse tipo de Ser liberal, tal corte revela por sua vez, a subsunção já evidente com a cultura liberal dominante e pelo caráter necessariamente abstrato do pensamento que se faz autonomamente, hipostasiadamente.

No desenvolver dessa premissa, de que não há situação, movimento e sujeito revolucionário e na análise de algumas posições, sobretudo do PCB, chegamos a uma outra posição que será desenvolvida, a de que muito embora no âmbito do discurso o PCB e UP principalmente, se colocam como diferentes substancialmente, não necessariamente  apenas do petismo em si, mas o que interessa, da concepção ideopolítica da esquerda liberal enquanto força operante, conjunto de mediações constituídas objetivamente ao longo de 14 anos, nos fazem crer que suas posições não o confirmam por completo, o que resulta que muito embora haja militantes que estão em conflito com o próprio caráter do partido, e esse conflito é sintomático, a expressão total do PCB e UP é muito mais mediada pelas particularidades da tragédia da esquerda, do que pela sua crítica.

Veremos essa afirmação em prática com o possível “voto crítico” no segundo turno; por raciocínios teóricos como a ideia de “absorção de fenômenos particulares”; por uma certa “escolástica comunista”; por uma sensibilidade estética demasiadamente abstrata e manipuladora, por que não é particular e precisamente artística; por um flagrante esquematismo conceitual; por uma certa divisão irônica entre subjetividade e objetividade em relação a postura vacilante diante de juízo moral frente a decadência cultural e política brasileira, entre outros fatores. Situações e formas que serão determinadas na segunda parte da crítica. Em suma, muito da razão de sua posição subalterna na história recente do Brasil é devida as posições errôneas, pois são tipos de Ser não a altura do tempo histórico no sentido da emancipação, e não tipos de Ser concretos. Não querermos necessariamente dizer que pelo outro lado já haja em forma plena e acabada capaz de responder aos dramas nacionais, mas antes que muito da posição de princípio das posições PCBistas por exemplo, assenta-se num tipo determinado de sujeito, que por sua vez são sujeitos mal determinados e daí que sua forma política também se apresenta assim.

A posição não crítica é contraposta a uma posição crítica, que muito embora ainda não realizado em um grupo político já corporificado, assume a necessidade de rever seus princípios até então herdados e legados pela tragédia, e antes de se entusiasmar com uma identificação já acabada, porque formalista, deve se angustiar no intuito da tentativa de parir uma nova forma, esta, que gesta no seio das contradições da sociedade brasileira.

O PT acusa de sectarismo o PCB, pois estes não se colocam em conjunto ao PT no primeiro turno, e nós louvamos esta posição. No entanto, o PCB acusa de sectarismo àqueles que votarão nulo no primeiro turno. A essa profunda similaridade julgamos que muito embora o PCB seja louvado pela sua posição solitária no primeiro turno, em sua posição ainda há uma profunda relação com a cultura ideopolítica da esquerda liberal. O sectarismo na qual afirmam é menos a correspondência de posição frente ao drama brasileiro, mas antes de não compartilhar com o mesmo universo formalista de suas posições conceituais, e não de comungar com o juízo concreto, a uma crítica concreta da situação concreta. Daí que julgam como sectarismo, como julgou um secretário político do partido de sectarismo, a nós, pois não estamos identificando com a ideia de socialismo em abstrato, como a ideia de revolução em abstrato que estes possuem. Daí que o critério de juízo para este resultado, é mais um critério formalista do que crítico, isto é, é necessário mais a identificação com esse formalismo ‘’marxismo-leninismo’’ do que uma posição e disposição prática diante do drama brasileiro, um objeto determinado. A essa posição, remonto a frase de um humanismo revolucionário de Darcy Ribeiro, de que o povo já é em si socialista. É por esta razão, isto é, por esta posição não-crítica e não-prática muitas das vezes, e assentado sobre uma posição formalista, isto é, a revolução sem o momento de sua determinação e mediação concreta; o socialismo sem sua exposição do que é na cotidianidade; o marxismo-leninismo hipostasiado, que deixa de ser noções gerais e científicas para ser o próprio ‘’conteúdo’’ da ação prática, que a figura de Darcy Ribeiro, que nem sequer se colocava como comunista, é infinitamente mais concreta, porque prático e crítico, do que militantes do PCB da contemporaneidade. E esta é uma afirmação tão central, pois nos arrasta ao entendimento da razão popular e de sua lógica; de sua sensibilidade, de entendimento do porquê choram, porque riem, do porque odeiam ou amam etc. Não que aqui, de princípio, estes já tenham uma razão concreta, mas antes, que é preciso determinar, mas o determinar que é imanente a essa noção ainda intuitiva expressa, que por sua vez é constitutiva da razão de seu drama e não uma razão externa. Uma razão do próprio objeto, na qual o próprio sujeito que determina é também objeto.

Tentaremos expor aqui a peculiaridade da relação entre sujeito-objeto na modernidade mediada pelo valor de troca e o entendimento da verdadeira relação crítica, isso para tentarmos entender em abstrato, as posições pelas quais assumem certas práticas políticas do PCB principalmente.

É desde Kant que a centralidade da Filosofia se torna o entendimento da possibilidade do conhecimento humano. A discussão e o debate anterior que se defrontavam com o racionalismo filosófico e o empirismo, revelava-se após a crítica de Kant como uma discussão insolúvel quando não articulada com a centralidade do indivíduo. Dessa centralização do indivíduo, como núcleo de onde podemos partir segundo Kant, foi para a história do conhecimento humano um passo adiante do entendimento da verdadeira relação entre sujeito e objeto e a possibilidade do conhecimento. Muito embora Kant, pelo seu limite histórico, não conseguiu concretizar materialistamente a relação entre sujeito e objeto, criando assim uma subordinação da ontologia a uma epistemologia centrada na razão, há nele, tentativas de articulação entre as faculdades da razão e a consciência delas com a história, muito embora este último tenha se submetido tanto pela forma quanto pelo seu conteúdo, aos imperativos categóricos que a tudo dá estatuto de existência real.

Em face da irredutibilidade dessa oposição, tal como ela se lhe apresentava, Kant só podia escolher a concepção da unidade sob a forma de ideias subjetivas elaboradas pela razão e cuja realidade seria indemonstrável; o mesmo aconteceria com os postulados que, embora deduzidos da razão pratica, não poderiam ser reconhecidos pelo pensamento no seu em-si essencial, porquanto a sua realização tem a forma de um tu-deves que se alarga infinitamente. Assim evidenciou Kant a oposição e a exigência de a conciliar, mas sem investigar a verdadeira natureza desta oposição e sem dar a devida atenção, como devia em que ela constitui a unida realidade verdadeira (HEGEL, 2009 p. 76)

Por exemplo, a famosa afirmação de Kant quanto a impossibilidade de racionalidade da ideia da evolução biológica, que já se apresentava em sua época, e revela bem a subordinação do processo concreto (a evolução biológica) à um universo categorial hipostasiado das faculdades da razão. (Lukács, 1968, p. 10-11)

É por estas tentativas, pela centralidade do indivíduo e a possibilidade do conhecimento enquanto problema central da Filosofia que Lenin diz que Kant é o primeiro a tentar uma concreção sistemática da relação dialética de sujeito e objeto, muito embora não o tenha conseguido. (Lenin, 1946)

É apenas com o desenvolvimento das contradições históricas criadas pelas relações capitalistas que o problema e seu sentido se tornaram mais concretos, e ficou à cabo de Hegel tentar expor à sua maneira idealista objetivo, que interconecta a ontologia, gnosiologia e epistemologia, com a prevalência da centralidade gnosiológica, e a ideia como demiurgo da realidade e do processo histórico, muito embora tenha, a partir desta relação idealista, entendido concretamente a relação em abstrato, porque é gnosiológico, a relação das formas de consciência e sua correspondência no devir histórico em abstrato. No entanto, é a partir do entendimento crítico da relação entre forma de consciência e objetividade que Hegel pôde deduzir a imbricação dialética, por exemplo, das faculdades da razão e seu correlato objetivo, acerca desse movimento é a própria fenomenologia do espírito a exposição disso. Aquelas determinações de reflexão hipostasiadas na filosofia kantiana toma corpo no seu desenvolver histórico, isto é, como formas de faculdade da razão que é derivado do próprio processo de conhecer do homem em sua história. É nesse sentido, que muito embora não tenha exposto à luz da própria ontologia o caráter concreto da relação entre sujeito e objeto enquanto uma relação prática, mas enquanto uma relação de consciência do espírito, suas conclusões são de imensa concretude no sentido de entendimento do caráter dialético dessa relação. Em relação as formas de arte e a filosofia do Belo, Hegel parte de Platão para constituição de seu método, em contraposição ao método das filosofias empiristas que tentavam deduzir a ideia do belo a partir de uma análise puramente fenomenológica e quantitativa:

Aceitamos, pois, no seu pleno significado, as palavras e Platão: ‘’Deve considerar-se não os objetos particulares qualificados de belo, mas o Belo.’’ O começo pela ideia afasta a dificuldade, o embaraço que nos criaria a grande variedade, a infinita multiplicidade dos objetos chamados de belos. (…) Nós começamos pelo belo como tal. E esta ideia que é una, ir-se-á diferenciando, particularizando, a partir de si própria rá originando a variedade, a multiplicidade, as diferenças, as múltiplas e diversas formas e figuras da arte que, então, vem a se apresentar como produções necessárias. (HEGEL, 2009, p. 14)

É Marx que pôde dar corpo sensível a esta relação, que transferiu a relação, de uma relação pensada enquanto formas de consciência, (subjetiva para Kant e objetiva abstrata para Hegel) para uma relação concreta, ontológica, enquanto forma prática entre sujeito e objeto e possibilidade do conhecimento. O estudo sistemático desse método em sua abstração concreta do ponto de vista filosófico ele não fez, deixou apenas alguns escritos como os Manuscritos Econômicos Filosóficos e a Contribuição à Crítica da Economia Política. No tocante a esta questão quem tentou fazer um estudo sistemático foi o filósofo húngaro Gyögy Lukács.

O que é central nessa relação concreta é que a relação do sujeito e objeto e a possibilidade do conhecimento é mediado pelo trabalho, o que significa dizer que é uma relação prática, tanto pelo lado do sujeito quanto pelo lado do objeto, de modo que a forma e conteúdo do conhecimento e as faculdades da razão segue o mesmo caminho prático, isto é, o caminho do movimento do próprio objeto, sendo o objeto não o fora ao sujeito, mas que é também o sujeito enquanto criador de sua objetividade, na qual o processo de reflexão reflete a sua própria objetividade. A reflexão em sua forma e conteúdo particular e também essa relação, a sua forma e conteúdo de sua faculdade de abstração, assume então a forma de seu próprio trabalho enquanto uma relação prática. Este é o cerne da verdadeira relação dialética e concreta da relação sujeito e objeto e do estatuto materialista do método de Marx. Aqui, o que citamos é apenas o entendimento filosófico-científico da relação, muito embora o que valha para a criação do conhecimento, é operar esta lógica na análise concreta de situações concretas.

Muito embora seja esse o núcleo fundamental do entendimento concreto da ontologia marxiana em sua mais genérica abstração, não é necessariamente no marco de toda a história, que esse processo se tornou consciente, devido a questão de que apenas o capitalismo e o processo de alienação fomentaram esse tipo de entendimento. Na verdade, até mesmo o entendimento do interesse pela ontologia em si e a sua concretização filosófica concreta, é resultado de inúmeras outras formas de compreensão de si e do mundo por parte dos homens, que em sua última instância como momento preponderante é determinado pelas ações econômicas e materiais. Em suma, o próprio desenvolvimento de uma concreção materialista do método e da ciência em geral, é produto da epopeia humana total, mas particularmente, da necessidade posta e aberta pela modernidade.

E o que queremos dizer ao trazer essas questões ao centro da discussão? É que o entendimento da verdadeira relação entre sujeito e objeto e o processo de reflexão crítica lança luz as formas de pensar e de Ser de certas posições políticas, estéticas e cientificas não-criticas. No estudo de sua comparação através da análise de suas formas postas, entenderemos o caráter de certos raciocínios e posições.

A consciência cristã, por exemplo, tem como base uma ontologia não real, porque a necessidade de seu pensamento, de sua forma, conteúdo, caráter, assenta-se assim como a consciência burguesa, sobre relações sociais concretas que não fomenta a possibilidade de entendimento concreto da realidade e de uma subjetividade concreta, e isso é um problema prático. Na relação do cristianismo com a sociedade burguesa, a particularidade de ambas as bases materiais é distinta, daí que suas formas de expressão também o são, não como como um processo mecânico, mas por uma relação de unidade dialética entre subjetividade e objetividade, onde o sujeito é também objeto e objeto é também sujeito. Essa relação, do ponto de vista materialista da possibilidade do conhecimento, que para nós é reflexo do objeto fora de si, é reflexo de uma relação prática, onde há um profundo nexo dialético entre subjetividade e objetividade. A reflexão do objeto é, pois, a reflexão de si no objeto e o objeto em si. A crítica como forma particular de reflexão toma a sua centralidade apenas na sociedade burguesa, onde a realidade não se apresenta como sua objetividade, diferente, por exemplo, da relação de conhecimento na Grécia antiga, onde o processo se dava muito mais esteticamente, pois a objetividade do mundo se apresentava como sua objetividade, como um mundo autocriado segundo Hegel (2009). Daí que as relações de entendimento eram possíveis pela própria sensibilidade, isto é, conhecimento estético. Na sociedade burguesa e também no período que Hegel chama de romantismo, tem-se a centralidade do pensamento conceitual, pois a objetividade não se apresenta como sua própria objetividade nas relações sociais concretas, mas como uma objetividade alienada. A essa reflexão, queremos dizer que, muito embora a situação seja essa na sua concretude e tendo a crítica como forma de conhecimento particular, o processo de conhecimento não assume o mesmo estranhamento, ou não deveria assumir o mesmo estranhamento existente nas relações sociais concretas, o estranhamento da relação prática de sujeito e objeto. A crítica como forma determinada de conhecimento pressupõe para ser crítica, a não oposição em reflexão e em prática, de sujeito objeto, mas precisamente a sua ligação intrínseca mediada.

A não ligação desses dois momentos em reflexão, pressupõem a sua não ligação enquanto relação prática, daí que sua forma particular será necessariamente errônea, com isso, na análise de sua forma peculiar de conhecimento, em sua expressão elaborada, em seu método, ou passando para o âmbito da arte, na manifestação artística, etc, evidencia pelo seu próprio caráter não unitário a sua falência enquanto conhecimento verdadeiro. Um dos aspectos desse tipo de reflexão é a manipulação, a pragmática, a escolástica, que tendo hipostasiado o procedimento de quantificação da realidade, e de sucumbir toda a qualidade de um entendimento a um entendimento estatístico, supõe que a realidade é um outro que não é si, como um objeto que não é um objeto autocriado. O contrário, é também verdade. Se as relações sociais capitalistas se apresentam na sua efetividade como mediação fundamental para a reprodução e produção do homem as relações relativas ao valor de troca, isto é, reificado, sem particularidade humana, enquanto particularidade do gênero humano, é notável que o conhecimento que provirá daí em sua forma, é não crítica, é a manipulação. Dessa relação estranhada e da práxis científica não crítica também tem outras expressões, como o subjetivismo, o misticismo, a mitologia, mas não entraremos em mais detalhes agora.

Novamente, então dizemos que a crítica é a forma particular de conhecimento verdadeiro nas sociedades alienadas. E alienada aqui, assume as suas duas formas, tanto a positiva como a negativa. A primeira como criação de mediações sociais que na sua riqueza qualitativa e volume quantitativo, medeia as relações entre homem e natureza, e entre o homem consigo mesmo (ser social), ‘’a complexa relação sujeito-objeto vinculada a todo trabalho, a toda atividade social e econômica do homem.’’ (LUKACS, 2018, p. 691) E negativa, enquanto criação de mediações que ao invés de mediar o homem com ele mesmo, cria as relações entre coisas, relativa às coisas [sache], reificados, ‘’as relações entre seus trabalhos privados aparecem como aqui que elas são, isto é não como relações diretamente sociais entre pessoas e em seus próprios trabalhos, mas como relações reificadas entre pessoas e relações sociais entre coisas’’ (MARX, 2017, p. 148)
A crítica é apenas a reflexão de algo objetivo, como proposto pelo materialismo, é a reflexão do próprio movimento do objeto. O objeto, por sua vez, não é um objeto em si ou coisa em si, sem determinação intrínseca, como pensa Kant e as concepções modernas, mas é resultado do processo prático da história feito pelos homens.

O objeto, então, ou melhor, participa do objeto, o próprio sujeito, enquanto realização de trabalho e de trabalho particular determinado. O objeto é, então, não apenas um núcleo econômico de relações econômicas enquanto mediações, maquinários, ferramentarias, relações de troca, divisão de trabalho e etc, mas mediações econômicas e também culturais, pois sua forma, seu caráter e seu movimento pressupõem todo universo cultural na qual estão inseridas essas mediações e pelas quais elas servem de elo para a produção e reprodução do homem enquanto totalidade prático-sensível. O homem por sua vez, imprime em suas relações práticas, não apenas as suas necessidades físicas, mas também espirituais. O objeto é, então, a totalidade do ser social, muito embora a sua forma assuma enquanto mediação, o que é o momento preponderante na qual pressupõe a existência de todo o restante, na qual o contrário não é verdadeiro. A subjetividade total, como espírito, para usar uma terminologia mais universal; no tocante a subjetividade, participa, pois, do objeto e a essa afirmação vale o contrário, participa do objeto a subjetividade. Em relação a criação de objetos artísticos, enquanto objetos espiritualizados que por sua vez, tem como próprio interesse, a exteriorização de espiritualização em si mesmo, ou seja, a finalidade puramente estética, Hegel elucida essa relação de determinação de reflexão para criação, no caso aqui de obras de arte:

Com efeito, o artista procede, ao produzir a sua obra, como um ser que faz parte da natureza, a sua habilidade é um talento natural, a sua atividade não é a do intelecto puro e livre para tratar o conteúdo sujeitando-o às leis do puro pensamento; ainda ligado à natureza por inúmeros laços, o artista identifica-se com o objeto, acredita nele, considero-o idêntico ao seu próprio e mais intimo eu. O objeto participa, por isso, da subjetividade do artista, a obra de arte sai tal qual da interioridade e do poder irreprimível do gênio, a produção é firme, isenta de hesitações e mantem toda a intensidade da concepção. (HEGEL, 2009, p. 658)

Pelo movimento contrário, mas ainda nos mantendo na relação prática dessa questão, isto é, ontológica, a subjetividade tem pelo seu lado prático o próprio objeto, e ela é, pois, também o objeto, isto é, como ser total. A consciência é a consciência prática, tanto no sentido de sua existência material enquanto homem vivo e consciente como em suas formas de pensamento, mas ainda nos atentando a relação prática dessa relação, o objeto participa da subjetividade, pois o objeto é subjetividade, pois o objeto e subjetividade possuem e perfazem uma unidade, no sentido de que a subjetividade é algo material enquanto forma de Ser existente, isto é, objeto, e objeto é subjetividade, pois ele é produto do homem. A esfera do Ser é então, a totalidade do Ser social criada pelo trabalho.

Adentrando na questão da esfera do conhecimento, da reflexão crítica, um problema que desde o início se coloca, é que, se tal relação de conhecimento esteja permeado, encharcado e prenhe de estranhamento, pois o próprio ser objetivo-subjetivo se efetiva na realidade em forma de ser estranhado, a reflexão também o será. Daí que a reflexão de si remonta em reflexão o mesmo estranhamento real e, sendo o momento ideal, isto é, a reflexão de si, um momento fundamental para o agir do Ser no mundo para constituição objetiva de si, se se está permeado pelo estranhamento, a práxis futura e a própria constituição subjetiva de si, terá necessariamente de sucumbir a esse estranhamento.

Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, como figuras independentes que travam relações umas com as outras e com os homens. Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção de mercadoria. (MARX, 2017, p.148)

A esta situação peculiarmente moderna, isto é, situação da sociedade capitalista, torna como arma central e fundamental a própria crítica. A crítica como uma forma particular, devido à sua centralidade, assume essa posição como único meio de reflexão para o agir no mundo, mas também para a auto constituição concreta de sua subjetividade. A crítica faz para a concreção da subjetividade, o que o trabalho faz para a concreção objetiva do Ser no mundo. Outro aspecto da centralidade da crítica é a sua necessidade no tocante à criação concreta de sujeitos concretos, para a criação de uma teleologia concreta, para a modificação concreta da realidade.

Aqui chegamos a um aspecto que queremos levantar antes de abordar as formas particulares de entendimento e posicionamento prático do PCB e outros, a profunda relação prática da crítica, do próprio processo de reflexão. Não queremos, com essa afirmação, dizer justamente o contrário do pressuposto materialista da questão do conhecimento, no sentido que a reflexão apenas reflete o mundo, como posto por Marx na Ideologia Alemã (1982), mas atentar mais sobre o lado objetivo da crítica, a crítica como sentido humano, desse homem ainda não suprassumido pelo trabalho. Tomando o trabalho emancipador em sua forma particular, o verdadeiro trabalho emancipador assume um caráter revolucionário no capitalismo. Qualquer ação prática verdadeiramente emancipadora assume a forma revolucionária, como vimos, a possibilidade dessa práxis concreta necessita de um homem concreto, enquanto consciência concreta mediada pela própria crítica. Novamente, para a concreção da revolução é necessário um sujeito à altura para isso, o homem, o homem concreto. Um Ser em consciência concreta, necessita um ser objetivo concreto, mesmo que no marco da situação objetiva, haja a existência não-emancipada desse Ser. O Ser pela qual é necessário para a realização da revolução não é o Ser já emancipando, mas em relação a essa situação, não quer dizer que não havendo Ser emancipado, seja impossível a revolução, e isso é óbvio, se há necessidade da revolução é porque o Ser não é emancipado. O Ser não emancipado é, pois ainda, um Ser objetivo, que se auto constitui pela crítica, pela faculdade de abstração crítica, no entanto, essa faculdade pressupõem uma existência crítica, pressupõem um Ser crítico. Ser crítico em contraposição ao Ser emancipado. Essa afirmação confirma aquela irrevogável posição de que o objeto é subjetividade e a subjetividade é objeto, enquanto uma relação prático-sensível, pois, pelo contrário, cairíamos na cilada de pressupor a crítica como uma faculdade da razão pura hipostasiado por um lado, e objetividade como coisa em si incognoscível. A possibilidade da crítica pressupõe um Ser crítico assim como na sociedade grega, a possibilidade do conhecimento estético pressupunha um Ser estético. Assim como para um grego, seus sentidos físicos, sua disposição e comportamento foram humanizados no sentido da sensibilidade estética criado por ele, como uma situação objetiva-subjetiva autocriado, que o fez ter ouvidos estéticos para ouvir, olhos estéticos para ver, boca estética para falar, isto é, sentidos estéticos para sentir, a possibilidade da crítica, pressupõe um ouvido crítico, um olhar crítico, sentidos críticos, isto é um Ser crítico.

Aqui vale a mesma relação dialética que Marx expôs acerca da relação entre produção e consumo, no sentido de que deve haver um homem para o objeto e um objeto para o homem (MARX, 2008), no entanto relativo ao processo de constituição subjetiva do Ser, que estando submetido objetivamente as relações sociais estranhadas, há um acento, um ressalto, um fomento à sua auto constituição pela crítica, criando assim um pensar critico que pressupõe um Ser crítico. Esse fomento é colocado pela própria situação objetiva da sociedade burguesa, no sentido que ela cria essa necessidade. Há um enfoque demasiadamente abstrato em relação ao processo revolucionário por parte de alguns grupos socialistas e comunistas, que, se atentando muito mais ao resultado ultimo do processo de transformação radical da sociedade, esquecem os processos anteriores, as determinações críticas e a própria auto constituição de si mesmos como Ser, através da crítica. Daí que muitas das vezes, postulam deve-ser em abstrato que os colocam muito mais numa posição de esperar o grande dia da revolução do que se constituírem enquanto sujeitos capaz de tal feito.

Se há uma relação de similaridade entre a crítica e a teologia, é que ambas são formas particulares e históricas de compreensão do mundo e de si próprio de um mundo não emancipado. A grande diferença é que a crítica, pela sua forma, torna concreta a subjetividade, e esta por sua vez, se auto constitui concretamente através da crítica. Enquanto forma de pensamento ela é qualitativamente diferente do pensamento filosófico do idealismo, e da teologia em geral pelo seu conteúdo materialista e pela forma que pressupõe a identificação do sujeito com a realidade concreta e não Deus, que por isso, pelo lado objetivo da crítica, como algo vivido, é responsável pela concreção e corporificação da subjetividade enquanto algo objetivo determinado, isto é concreção do Ser. Esse é um processo duplo imanente e situa-se sua necessidade no marco de uma relação posta não emancipada. A constituição da subjetividade humana nesse sentido, assume um caráter puramente ideal no sentido de que nada na realidade até então fora superado a não ser, o caráter objetivo do Ser enquanto subjetividade. É esse o processo pela qual, por sua vez, pressupõe um Ser capaz de operar o entendimento concreto da situação concreta para o agir humano concreto, a revolução. A centralidade do papel educacional aqui é notória, mas não no sentido fetichizado colocado pelo pensamento liberal, mas aquele colocado com centralidade, por exemplo, no pensamento de Darcy Ribeiro.

Mesmo que, muito embora, do ponto de vista da totalidade das relações sociais ainda não haja o rompimento revolucionário das estruturas reificadas, a atitude crítica pressupõe essa autocriação humanizada no marco de um mundo desumanizado e esse processo, ao invés de constituir sujeitos irônicos, que se descolam de sua própria objetividade como a subjetividade moderna, os leva diretamente a corporificação objetiva de sua subjetividade, como uma subjetividade concreta, como sua subjetividade. A faculdade da abstração crítica enquanto órgão criado a partir da relação de negação, de negação prática das relações estranhadas, é necessariamente uma disposição objetiva que pressupõe o Ser em sua totalidade e que impele a tomada de posição frente à realidade, posição não apenas no sentido do processo revolucionário total, mas uma posição crítica cotidiana na sua autoconstiuição subjetiva que pressupõe a criação de um corpo social critico maior.  A crítica não é a abstração de um sujeito que, estando fora, a tudo determina, pois o determinar do objeto na criação de uma forma concreta e tornar o objeto em objetividade, é também o processo de tornar concreto o sujeito em subjetividade, precisamente porque o determinar o objeto é o auto determinar-se de si mesmo. A determinação do objeto é a determinação de si e a determinação de si é a determinação do objeto, porque o objeto é também si e si é também objeto. E isso é uma questão prática, isto é, o processo de crítica a um objeto que, por sua vez é si, no sentido de que sua subjetividade é marcada, é a expressão das relações objetivas e sua forma e conteúdo, isto é, sua consciência, é expressão dessas relações. Não apenas consciência, mas também a educação e seus sentidos físicos, o ato de determinação do objeto retorna para o sujeito da determinação como um momento de autodeterminação. Essa autodeterminação realizada por esse órgão crítico, que por sua vez é o órgão auto criado assim como os sentidos, cria, pois, nesse processo, um outro Ser, qualitativamente superior ao anterior e este fenômeno é precisamente prático-sensível. Pelo lado inverso da relação sujeito-objeto, há a tomada de posição do sujeito diante da realidade, pois sem a disposição primeira não há realização, possibilidade, interesse na sua autodeterminação pela crítica. A seiva desse processo é, pois, a tomada de posição de sujeitos frente ao drama histórico cotidiano, mesmo que nesse primeiro momento se apresente de modo muito mais intuitivo do que concreto, no entanto, é de onde provém todo o desenvolvimento futuro, posição essa que assume uma valoração, juízo diante da realidade em si.

A partir da exposição do metabolismo ontológico da relação entre sujeito e objeto, que nos fez entender o primado prático do processo de reflexo da realidade, enquanto determinação de reflexão, adentremos ainda mais no entendimento da peculiaridade do processo de reflexão para a produção de conhecimento no âmbito mais genérico possível, e também no entendimento desse procedimento, agora já permeado por aquilo que Marx significou como fetichismo da mercadoria, um fenômeno social moderno que modifica o caráter da relação concreta e emancipadora de sujeito e objeto, criando assim, processos de estranhamentos tanto pelo lado das representações como pelo lado da existência sensível.
Esse momento é importante, pois expressará adiante a base real pela qual assenta-se muito do que vem a ser a qualidade das posições políticas, estéticas e morais do pensamento burguês, bem como sua razão histórica. Dizemos burguês, pois este fenômeno da reificação é um fenômeno criado pela burguesia, mas muito embora não se limite a ela, mas a todo o conjunto da sociedade; é apenas nessa perspectiva que a posição Jacob Gorender possui racionalidade, de que seria a classe trabalhadora uma classe ontologicamente reacionária (vide programa Roda Viva 2006) assim como a própria burguesia, pois se assentado sobre as relações sociais reificadas, só poderia fornecer uma produção real e ideal reificada. De fato, quando se parte e aprofunda apenas esse princípio espontâneo e não crítico, é certo que sua afirmação se confirma. No entanto, a generalização é errônea pelo lado do pensamento crítico que não sendo órgão trazido de fora, mas a faculdade que se impõem imanentemente às relações sociais objetivas de produção e reprodução humana, só é órgão crítico para aquele que sente a necessidade da negação, que pode ser tanto o proletário ou não, no entanto para o proletário a necessidade se apresenta com mais força, pois é devido a sua posição prática no marco das relações de produção e reprodução do capitalismo, que o faz sentir a necessidade de sua superação. E aqui uma afirmação das mais importantes. No tocante ao órgão da faculdade crítica, queremos dizer que sua produção em sua qualidade historicamente determinada, não é órgão que se coloca ao sujeito a partir de fora, como um processo de educação hipostasiado, pois até mesmo a seiva da educação e do processo de aprendizado é um procedimento pratico, isto é, primeiramente o que se coloca aos homens é a necessidade imediata de superar um estado vivido de exploração, no sentido que é esse primeiro momento em sua qualidade particular o problema em sua forma mais concreta, um problema cotidiano, um problema real que é resultado de todo o conjunto do processo histórico, na qual se defronta esse sujeito determinado na sua imediaticidade.

Do ponto de vista do sujeito, como já dissemos, tal caráter concreto, e a luz de seu entendimento constituído, tem por sua vez o aspecto de abstração por ser novo e ser resultado de todo o processo histórico, no entanto, sua primeira posição, pelo lado do sujeito, é uma posição intuitiva, mas de negação primeira, posição que, por mais que lhe seja limitado intelectualmente, já dá estatuto de posição crítica, precisamente porque ele é um Ser negativo, logo, único capaz de estabelecer uma relação de negação e por isso crítico. Aqui novamente a crítica enquanto um brotar da necessidade pratica, como um resultado de tomada de posição que por sua vez, é mais possível enquanto uma posição crítica aos trabalhadores porque é apenas eles que estão no processo de negação com a realidade, porque a realidade lhe oprime e barra seu processo de auto-constituição.

Logo a posição crítica não é acumulo de conhecimento universal herdado como supões certos núcleos radicais, isso é antes o entendimento da realidade em sua forma cientifico que não é menos importante, mas não é precisamente o pensamento crítico. O pensamento crítico aqui, é antes o pensamento resultado de uma posição crítica muito sentida, como um momento preponderante que fornece a possibilidade da reflexão crítica, e a esse sentido como sentido humano pratico, que ao homem se coloca em sua forma mais universal como posição pratica ou relação pratica, que na sua qualidade disposta pela contradição, coloca a necessidade (categoria da necessidade) de superação também pratica dessa situação de contradição existente vivida e sentida. É apenas nesse sentido que podemos entender a racionalidade do sentimento humano como um sentimento concreto. A essa faculdade humana histórico social e imanente ao processo de produção e reprodução humana é destituída pela força das relações sociais capitalistas e é nesse sentido prático que podemos entender as razões da ‘’reflexão e sensibilidade’’ moderna.

Como exemplo dessa situação, notemos no âmbito da estética enquanto tipo de conhecimento, a extrema importância que tem para modernidade e os modernos a originalidade. Para o artista moderno que se encontra ‘’sozinho’’ nas relações sociais na sociedade burguesa e que não tem objeto a superar, pois não se encontra praticamente posto no marco dessas relações sociais em conjunto e por isso não tem objeto a superar, é natural que seu desenvolvimento e aprofundamento mimético deve seguir o seu próprio ‘’isolamento’’ de modo que resulte nessa corporificação estética sem objeto. Mas supondo ter conteúdo particular como centro da expressão, o que se tem muitas das vezes é um aprofundamento hipostasiado de sua própria subjetividade isolada e não concreta, pois precisamente não é, e não tem a sua subjetividade enquanto objetividade e a sua objetividade como subjetividade, isto é, não participa de sua subjetividade a objetividade.

A originalidade, o querer produzir algo novo se torna uma necessidade para ele, justamente porque ele não o tem como próprio processo de relação imanente de autodesenvolvimento e autocriação de sua própria história, devido a esse isolamento e das relações reificadas. Não que as produções artísticas anteriores ao capitalismo não fossem originais como supõe um certo raciocínio acadêmico também fetichizado de modernidade por um lado e classicismo por outro, não, mas que antes a originalidade não possuía centralidade como agora o tem, pelo fato de que antes ela já era a própria relação pratica não hipostasiada como hoje, da mimesis. A mimeses moderna se tornou mimeses mediada pelo fetichismo e logo se torna a não-mimeses, assim como a crítica aos modernos é a não-critica. Henri Lefebvre disse que a necessidade que se coloca aos arquitetos modernos de fazer parques na cidade é posta porque a natureza começou a ser alienada dos homens e da cidade moderna, e isso é um outro exemplo dessa lógica (LEFEBVRE, 2001)

A essa pequena discussão, temos dois momentos que precisam ser determinados antes de expormos o fundamental da relação de reflexão, a questão do sentir e o caráter da mimese necessária. A questão do sentir não é, e não pode ser vista do ponto de vista da intuição hipostasiada, como por exemplo as inúmeras correntes modernas que tem hoje a sua forma mais caricata o identitarismo. Pelo contrário, o acento histórico determinado que coloca o pensamento crítico na situação atual pressupõe a intuição, mas não se esgota nela, e é precisamente pelo fato que no marco da sociedade burguesa as relações são estranhadas é que se torna necessário o desenvolvimento dessa faculdade de abstração. Se já se tornou impossível desde a decadência do classicismo segundo Hegel o conhecimento estético, pois na própria vivência imediata não se pode vir a conhecer o universal; pois a relação unitária dialética entre a subjetividade e objetividade se rompeu, e agora, o que se coloca e se impõe como uma determinação social, é a exigência do pensar conceitual, visto aqui como a necessidade do pensamento crítico. O ressalto que damos a essa questão do sentir é primeiro como uma relação pratica, isto é, o pensar criticamente supõe um Ser crítico e segundo que o desenvolvimento da abstração crítica no tocante a esse conteúdo, é o próprio desenvolver-se conceitual, mas o conceitual do objeto que se aprofunda e se desenvolve no próprio objeto como um objeto que está fora do sujeito na qual, é também o sujeito enquanto subjetividade um objeto do pensamento crítico.

Segundo Marx, em sua terceira tese sobre Feuerbach: ‘’A doutrina materialista sobre a alteração das circunstancias e da educação esquece que as circunstancias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado.’’ (MARX, 1982, p. 12)
Em relação a mimesis, a questão também se coloca do mesmo modo, muito embora enquanto expressão, por que estético isto é, conhecimento que coloca como central a própria particularidade em sua forma sensível, diferente do pensamento cientifico conceitual, a mimeses se torna mais conceitual no âmbito de sua conformação, haja vista que imediatamente, sensivelmente, objetivamente se está fechado o caminho para o entendimento universal; é necessário o recuo teórico por parte do artista para poder vir a determinar a realidade esteticamente e depois de grandes dificuldades e trabalho intelectual para determinação de seu objeto vir a poder a fazer uma representação universal/particular. Segundo Hegel é nesse sentido que podemos entender o páthos das ditas formas românticas de arte como a literatura, a música e a pintura, como formas subjetivizadas, como formas que exigem esse recuo teórico (HEGEL, 2010). As criações artísticas desse sistema artístico (música, pintura e literatura) têm mais o sentido de uma criação de uma nova realidade, de uma outra realidade, de um dever-ser concreto, como uma nova realidade determinada, por que critica.

Retomando, é apenas com o aprofundamento no objeto e a expressão como a expressão do objeto que a crítica tem sua forma realizada e isso não é um movimento desconexo da própria subjetividade, mas como um movimento como dito, de autodeterminação. A crítica como forma particular de conhecimento próprio da modernidade mas não só, ela é resultado do desenvolvimento histórico intelectual  segundo Hegel da própria religião do cristianismo que também assim como nós, pressupõe para existência de sua forma, uma situação estranhada entre sujeito e objeto das relações sociais, a grande diferença é que apenas a sociedade burguesa que ficou aberta a possibilidade do conhecimento materialista da realidade com a evidencia do trabalho como demiurgo  da realidade social e não Deus, muito embora devemos nós diferenciar e achar as mediações sociais que participava do estatuto de racionalidade do pensamento cristão a seu tempo, assim como nós fazermos aqui no sentido de diferenciar as produções racionais da modernidade das produções irracionais.

Adentrando da forma de reflexão do processo de determinação pelo seu lado ideal e não real, isto é, como forma de consciência, tentemos expor aqui a peculiaridade do conhecimento crítico, para tanto devemos trazer aqui aqueles conceitos herdados da filosofia como singularidade, particularidade e universalidade. Julgamos necessário devido ao fato da confusão colocada por algumas posições modernas, que enquanto formas de consciência produzidos pelo fetichismo, obscurece o entendimento do caráter da crítica.

Como é correto fazer, comecemos pela exposição dos pressupostos objetivos para o entendimento das formas ideais para dar racionalidade a exposição. Como havíamos dito, as formas de consciência, seu desdobrar, seu desenvolvimento etc. estabelece o mesmo caminho, só que em formas ideais das estruturas das relações sociais totais. Como visto por Marx, o desenvolvimento ideal gera o desenvolvimento progressivo no pensamento o que é regressivo na realidade. (MARX, 2008, p. 258-259) Do ponto de vista do objeto ele é resultado do próprio processo histórico e o seu resultado é mais concreto do ponto de vista histórico, mas o mais abstrato precisamente por isso, do ponto de vista da reflexão ideal. A reflexão ideal então deve-se partir do concreto, o objeto que é abstrato para si na reflexão e tornar concreto a partir de determinação de sua existência e das condições de existência e suas mediações. Aqui o movimento é o contrário, deve-se refletir o próprio desenvolvimento do objeto seguindo o seu próprio caminho histórico, a determinação de reflexão enquanto reflexo das determinações reais do objeto, para poder tornar concreto o que até então se apresentava sensivelmente como abstrato. Do ponto de vista ideal, o caminho de aprofundamento no objeto do abstrato ao concreto é o caminho da concreção das faculdades de reflexão que parte da intuição sensível para racionalidade.

A crítica necessariamente parte para ser crítica, da singularidade histórica; de sua expressão real, do resultado ultimo do desenvolvimento histórico prático, e é no tocante a esse ponto que a confusão posta pela reificação obscurece o entendimento e que faz confundir, hipostasiar a faculdade da razão como uma razão em si, e não apenas na reflexão da intelectualidade burguesa, mas também para os intelectuais comunistas e socialistas. A confusão é colocada na medida que confundem conhecimento teórico universal enquanto forma cientifica já realizado como um motor e a seiva que poderia dirigir a ação prática revolucionaria. Para este procedimento que hipostasia determinações universais científicas de Marx e outros, e o coloca a estatuto de particularidade, na qual é o único entendimento possível, o que se perde é precisamente a particularidade real última, na qual entendido na sua concretude operado criticamente, poderia fornecer a saída prática.  E a saída prático concreta, antes de ser uma elaboração conceitual hipostasiada por uma supervalorização do acúmulo quantitativo de concepções teóricas é precisamente a resolução de um problema posto à luz do dia presente da cotidianidade. Em suma, é a resolução de uma contradição. Pelo lado objetivo, a resolução do problema particular aqui e agora, hic et nunc, é a resolução de um problema universal, por ser ela resultado particular de todo um organismo total que lhe é seu fundamento, isto é, seu cerne originário; resultado particular como um motor, como um resultado histórico, ou seja, como uma expressão histórica do desenvolvimento histórico desse cerne fundamental. Do ponto de vista concreto, é este um problema particular, que sendo também fundamental, isto é, universal, possui por sua vez o estatuto de necessidade de sua superação. A reflexão que opera este mesmo desenvolvimento objetivo é a crítica, que tem como núcleo racional e seiva, a particularidade. Como diz Lenin, análise concreta da situação concreta.

O raciocínio que não toma a posição objetiva frente ao drama histórico cotidiano, as contradições reais cotidianas e etc. aprofunda a sua reflexão no arcabouço conceitual já herdado e legado por outras reflexões já realizadas de outros objetos já passados, e a esta “reflexão”, o que temos é muito mais o entendimento da situação do que necessariamente uma posição crítica. A verdadeira crítica assume uma forma totalizante e unitária, pois sendo ela a crítica de um problema concreto e último, impele a sua superação real, sua superação prática pela forma política, (que por sua vez possui a forma revolucionária por ser a resolução de um problema fundamental particular/universal) e a política é tornada uma política concreta porque é rica em conteúdo proveniente dessa particularidade determinada. Tal posição pratica cria, pois, uma cultura política.

Como veremos, é daí que julgamos abstrata essa forma política do PCB e UP por exemplo, pois ao nosso ver, estes não assumem primeiramente uma posição de determinação da particularidade e também porque assentam-se sobre uma posição universal abstrata, isto é, uma noção geral das coisas, e não relacionam tais noções gerais com o momento de sua determinação particular. Pelo lado do conhecimento científico, operado pela crítica, o que temos é o enriquecimento quantitativo dos conteúdos universais conjugado com uma mudança qualitativa de seu sentido. É apenas a luz da crítica do aqui e agora necessário, que eleva a nível de particularidade situações singulares, e esta por sua vez vem a corporificar e tornar mais concreta as noções universais até então postas, e não o movimento contrário, que, partindo já, de noções universais herdadas de outro dramas históricos particulares e contradições particulares, tenta dar resolução a situações particulares, que por sua própria natureza é quantitativo e qualitativamente diferente das noções universais que de antemão se tem.

Muito se diz a respeito de se englobar fenômenos sociais contemporâneos a luta de classes, que enquanto raciocínio hipostasiado e abstrato, se nota já por sua própria evidencia formal, mas pouco se faz o entendimento se tais formas possuem por sua própria constituição nas relações socias capitalistas o estatuto de necessidade e validade no marco das lutas de classe.

Como exemplificações que vem a tornar plástico esta questão, comparemos o processo de conscientização com o processo de consciencialização. A crítica é um eterno procedimento necessário para a realização prática do homem; como um processo de consciencialização permanente, que tem como cerne a crítica de um objeto particular e determinado, que por sua vez é seu objeto como um objeto social. Nesse sentido há um enriquecimento contínuo de suas concepções de teoria, de conceitos universais, de sua cultura política etc. Comparado ao processo de conscientização que partido de uma noção geral a priori, deve necessariamente moldar a realidade segundo o seu conceito. Tal posição não é crítica, precisamente porque não participa de sua universalização o próprio objeto histórico particular. Teoria como crítica e crítica como teoria, como disse o José Paulo Neto, dizer teoria crítica é dizer uma tautologia. A teoria é a teoria do próprio objeto, na qual a ação transformadora tem por sua vez a transformação de um objeto determinado e particular, um problema posto. Essa questão é tão simples, porém complexa devido ao estado de coisas real mediado pela reificação. Aquilo que é próprio devir do homem, seu metabolismo de sua natureza social, se esvai frente à decadência posta pelas relações sociais capitalistas, daí o esforço intelectual imenso para dizer uma coisa basicamente simples. Na verdade, foi necessário um acúmulo de alienações de qualidade cada vez mais complexa para o parir deste entendimento materialista, assim como preciso a completa mistificação do trabalho pelo capitalismo para o entendimento de sua racionalidade.

É nesse problema que agora tentamos expor as suas razões, e particularmente as razões contemporâneas deste mal entendido. Do porque desaprendemos a aprender, desaprendemos a sentir, e do porque desaprendemos a fazer política, arte, ciência; do porque certas posições políticas não possuem forma; do porque há uma interdição para a confirmação artística. Porque houve nos anos 30 no Brasil uma efervescência cultural, política e hoje, tais posições se mantêm atrelado ao que é mais nefasto e miserável da decadência cultural brasileira. A resposta está no Capital de Marx, particularmente no capítulo 1. O fundamental porque real, é a mudança de qualidade, posta pela sociedade burguesa centrada na mercadoria.

Como vimos no desenvolver de nossa análise, notamos com evidência o profundo caráter histórico do status da relação sujeito-objeto e a possibilidade do conhecimento que desde Kant se apresentava como um problema central da Filosofia, sendo Hegel o primeiro capaz de articular sistematicamente o entendimento verdadeiramente historicizado entre as faculdades da razão com a situação objetiva, muito embora no âmbito da representação filosófica. Marx que foi o único capaz, como resultado de toda essa discussão do idealismo alemão, e sobretudo por uma posição diante do drama do proletariado, a dar uma resposta concreta a este problema, isto é, em descobrir de fato, o núcleo real de um problema particular que por sua vez, põe determinações ao processo de reflexão, deixando assim dialética e materialista a relação entre sujeito-objeto. Nesse sentido, como método, é o que queremos fazer a respeito da análise de certas posições PCBistas, da sua relação enquanto forma de consciência determinada assentado por uma situação prática determinada, e o entendimento de sua relação, tanto pelo lado objetivo como também a análise de sua própria forma.

Aquele movimento primeiramente colocado por Hegel na estética (2009), de que o período do romantismo e a análise de sua própria forma e expressões estéticas revelava uma situação objetiva de que a subjetividade total do espírito não se relacionava com a objetividade de modo positivo como na relação clássica, de modo que primeiramente havia-se a necessidade de uma negação inicial e primeira por parte do sujeito para a constituição da representação, tem na exposição marxiana a revelação de um problema particularizado, que evidencia o caráter de uma determinada reflexão subjetiva. Não foi para Marx objeto de estudo as mediações concretas que possibilitavam a forma de representação romântica cristã de que fala Hegel, mas a forma particular de representação própria da sociedade burguesa, que sendo resultado de todo desenvolvimento do período que Hegel determina como romantismo, tal exposição marxiana elucida do ponto de vista concreto as razões pelas quais sustentava a representação religiosa cristã própria do romantismo segundo Hegel. O que é comum tanto para a sociedade burguesa como para o período que se seguiu após a decadência do Império Romano, é a desunidade enquanto relação pratica de objetividade e subjetividade, de modo que o estado de coisas real, as relações socias e sua qualidade não atestava mais a possibilidade de uma representação concreta a partir da imediaticidade da relação entre sujeito e objeto, mas se tornava necessário pelo fato da objetividade não ser sua objetividade (do sujeito), um recuo teórico (negação) para qualquer representação. Queremos dizer com esta pequena introdução que o caráter da representação, do reflexo da realidade, da possibilidade do conhecimento e constituição da subjetividade é um processo profundamente histórico, não havendo uma forma essencial, na qual, na sociedade moderna por exemplo, lutamos para alcançar. O entendimento do páthos, de seu caráter (da forma de representação e expressão ideológica), de sua necessidade, de sua qualidade é um entendimento das razões objetivas para isso, que na determinação crítica materialista por seu turno, é a própria forma crítica materialista não uma forma essencial, mas uma forma de representação histórica própria da necessidade pela qual é posta o estado de coisas real das relações sociais capitalistas. Como já havíamos dito, é a crítica uma forma histórica de representação humana e sua necessidade é posta pela necessidade de se conhecer o mundo, haja vista esse mundo não ser imediatamente cognoscível pelo homem, pelo fato de o mundo não ser o seu mundo. É a própria religião segundo Hegel, um tipo de representação que tem como sua necessidade um estado geral similar ao nosso, muito embora o que venha imprimir a sua forma particular sejam as próprias particularidades históricas de seu tempo. (Vide Curso de Estética e Fenomenologia do Espirito)

Dessa questão podemos tirar proveito em dois pontos, isto é, por um lado, o lado da positividade das relações sociais capitalistas e de seu caráter reificado (adentramos logo em seguida), se tem um desdobrar imediato de um tipo de reflexão própria a altura de seu mundo, como modos operandi da subjetividade subsumido a uma objetividade posta, e por outro, pelo lado da negação desse estado de coisas, a possibilidade de reflexão de um outro gênero, a crítica. Ambas possuem sua validade no marco das relações praticas objetivas historicamente determinadas, mas, no entanto, são diferentes, sendo uma produzida a partir da imediaticidade da relação do homem com o seu mundo e outra que pressupõe uma tomada de posição negativa para com este. Aqui não é à toa que levantamos a questão da liberdade, mas para ressaltar o caráter necessariamente moral da crítica.

Adentramos agora nas razões pelas quais da expressão das formas de consciência próprias da imediaticidade da relação sujeito-objeto, que para nós aqui é tido como um objeto de estudo.

É certo que o desdobrar de uma relação de reflexão que pressupõe a positividade das relações capitalistas, seu resultado só pode ser da representação de sua própria relação prática, e daí que seu caráter necessariamente assume a mesma imagem de seu mundo. A ‘’consciência infeliz” tem suas razões do caráter reificado, como diz Marx no Capital, das relações sociais capitalista, que desde a consolidação da sociedade burguesa fez mudar qualitativamente as formas de representação do homem e da constituição de sua subjetividade. O esvaziamento subjetivo e a subsunção a imediaticidade objetiva que hoje assistimos com mais evidência, tem como seu fundamento a ruptura entre subjetividade e objetividade posta pela reificação, que cria por sua vez, estranhamentos de sujeitos consigo mesmos, como por exemplos, a consciência irônica que se pretende ser crítico apenas em pensamentos; o desdobrar-se da subjetividade em si mesmo e a manipulação subjetiva da realidade. A da não identificação da constituição social de sua própria generalidade humana. Fenômenos notáveis no seio da esquerda liberal como a escolástica, a subjetivização do gênero ou a sua vinculação direta e determinante com o ser orgânico, a sensibilidade estética demasiadamente abstrata etc.

Esse movimento subjetivista por um lado resulta por outro, na subsunção desse sujeito ao estado de coisas objetivo, e isso é uma tautologia, haja vista, tal subjetivismo ser a forma imediata de subjetividade acrítica. A essas formas tem a peculiaridade de ser arroubo imediato, que muito embora tenha sua forma aparentemente crítica, o que se tem é precisamente o contrário, assim como Hegel ao hipostasiar o Estado burguês e se desenvolver nessa hipostasiação, sucumbiu ao caráter dado e empírico da sociedade civil segundo Marx. (MARX, 2013, p. 37)
A constituição acrítica do sujeito, que equivale a dizer, o sujeito sem o objeto e logo, sujeito sem sujeito, assume a mesma forma desparticularizada das relações sociais reais, e ela segue o mesmo caminho, e é produto da desparticularizada objetividade posta, como por exemplo, o trabalho concreto particular que se torna trabalho abstrato, como apenas dispêndio de força de trabalho humana durante um determinado tempo. Deve-se entender a particularidade não como conceito filosófico, mas como categoria, como determinações de existência, na qual, sendo esvaziada no próprio processo de produção e reprodução humana posto pelas mediações econômicos sociais do modo de produção capitalista, o sujeito se encontra diante do mundo como sujeito sem objetividade alguma, como sujeito indeterminado. Sublinho para ressaltar o caráter puramente prático dessa questão. Vejamos:

Abstraindo do valor de uso dos corpos-mercadorias, resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho. Mas mesmo o produto do trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstraímos de seu valor de uso, abstraímos também dos componentes [Bestandteilen] e formas corpóreas que fazem dele um valor de uso. O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer outra coisa útil. Todas as suas qualidades sensíveis foram apagadas. E também já não é mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles representados e, portanto, também as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns dos outros, sendo todos reduzidos ao trabalho humano igual, o trabalho humano abstrato. (MARX, 2017, p.116)

O fenômeno da reificação é resultado da ruptura real posta pelo acúmulo de construção de mediações socias que colocavam como nervo central e objetivo do desenvolvimento humano não mais o próprio processo de hominização (autocriação da generalidade humana) realizado pelo trabalho, mas a mercadoria para a realização do processo de troca. O desenvolver do homem agora se coloca mediado por uma relação de troca, que por sua vez é motor de sua ‘’generalidade humana’’. Mantendo-nos ainda do lado da objetividade dessa relação, antes de adentrarmos na relação de determinação de reflexão, segundo Marx, a mediação humano-social pelo valor de troca já tido como um processo consolidado socialmente, fez mudar qualitativamente todo o restante da relação necessária de produção e reprodução da humanidade enquanto um processo global. O valor de uso, isto é, a produção de objetos que medeiam o homem consigo mesmo e com a natureza, na determinação de relação de troca, tem sua qualidade submetida a necessidade da troca, o que faz com que sua forma seja produzida não mais como algo necessário ao processo de hominização, mas a fins de troca. Se do ponto de visto do desenvolvimento humano do gênero a produção do valor de uso deveria ser a necessidade que daí provém, agora a produção do trabalho assume a forma de não-necessidade no sentido de que não é necessidade para o gênero humano, mas para o capital.
Pelo lado trabalho o mesmo processo ocorre, e esse é um processo anterior ao próprio produto do trabalho. Sendo essa uma relação dialética, isto é, a produção submetida ao consumo e o consumo à produção, o caráter do trabalho que submetido às exigências de relação de troca, assume a sua qualidade de não ter qualidade humana alguma (muito embora tenha qualidade de não ter qualidade, isto é ter a qualidade relativo a troca, reificado), isto é, é posto como simples força de trabalho humano abstrato que é disposto durante um determinado tempo. Se é certo que em relação ao seu produto o valor de uso foi esvaziado de qualquer resquício de necessidade humana, é certo que é devido ao esvaziamento humano do trabalho.

Nesse sentido o trabalho não assume o seu caráter particularizado, isto é, de ser um certo tipo de trabalho, feito por um certo tipo de trabalhador, que por sua vez se constitui como o trabalhador particular devido a uma certa necessidade particular de produção e reprodução. Não podemos aqui entrar em mais detalhes, mas em suma o que queremos dizer, através da análise do capítulo 1 do Capital e à luz de nosso problema central, as formas de relação objetiva e subjetiva de sujeito-objeto, é que tal processo de reificação esvai-se do ponto de vista objetivo qualquer particularidade humana necessária à luz do próprio metabolismo de hominização do homem. A particularidade do estado de coisas da modernidade é precisamente o esvaziamento particular do homem, enquanto homem particular autodeterminado.
É apenas a partir deste entendimento posto por Marx em genérico e que deve ser particularizado historicamente e entendido o seu momento de determinação, que podemos entender as razões pelas quais certas posições ideológicas ou certos fenômenos objetivos são necessariamente fetichizados.

O processo de reificação que desparticulariza o Ser social total cria, pois, uma subjetividade desparticularizada, isto é, abstrata, assim como o trabalho abstrato produz o valor de uso abstrato, isto é, o valor de troca. Já entendida a relação unitária dialeticamente entre a objetividade e subjetividade, a subjetividade pelo seu lado ideal, o da determinação de reflexão só pode assumir o caráter de abstração de sua própria constituição objetiva reificada. Ela não se constitui como uma subjetividade determinada e concreta precisamente, pois sua situação objetiva é desparticularizada, primeiro pelo lado prático, e pelo lado da representação, só pode também ser uma subjetividade esvaziada de particularidade, pois a “reflexão” que toma como relação com o mundo, uma relação imediata, só pode refletir o esvaziamento das mediações socias da sociedade burguesa. O trabalho só assumirá a forma de trabalho concreto e é por isso que a realização desse trabalho é um processo revolucionário, quando tiver a forma de um trabalho determinado, com algum objeto a superar, uma contradição particular, uma situação posta e etc. Caso contrário, será necessariamente trabalho abstrato. A reflexão crítica nesse sentido como momento anterior, pressupõe para ser crítica a particularização, isto é, ter objeto pensado e determinado, um objeto particular, sua corporificação formal e consteudística é a sua própria constituição como reflexão que possui objeto particular a ser superado. Qualquer ação prática no mundo necessita de um objeto a superar, e isto é próprio metabolismo histórico de autocriação humana que assume no capitalismo uma centralidade. O Ser revolucionário é antes de mais nada um Ser determinado, é a totalidade do Ser, isto é, objetivo e subjetivo, em pensamentos e em sentimentos. A crítica que não tem objeto pensado e determinado é a não-crítica, o que também vale dizer pelo lado da subjetividade que não tem a objetividade como sua objetividade determinada e sentida é a não-subjetividade. É apenas no capitalismo que a crítica toma centralidade como qualidade particular de reflexão e como faculdade humano histórico social autocriado, que por sua vez é órgão objetivo, isto é, órgão enquanto sentido humano social.
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A exposição que se seguiu é resultado de um problema particular historicamente determinado e que por sua vez impeliu o autor primeiramente a fazer um balanço filosófico científico anterior, na qual o seu esclarecimento mais concreto foi proporcionado como dito, não a partir de uma leitura enciclopédica de marxismo em geral, mas precisamente pela tentativa de responder, de dar solução a esse problema particular historicamente determinado.

O problema de que falamos é no entendimento das razões profundas que levaram ao nosso juízo a trágica situação do pensamento revolucionário no Brasil. A radicalidade que primeiramente saiu das mãos de seus sujeitos radicais pelo próprio desaparecimento destes durante a vitória da ditadura; mudando assim o próprio estatuto de radicalidade, isto é, rebaixando o seu horizonte prático e ideal. Nesse sentido vemos no petismo a sua forma mais bem acabada e reduzida no período democrático e que atualmente se encontra sem um sujeito que poderia expressar pelo menos um dever-ser intuitivo crítico radical. Queremos dizer que atualmente não há sujeito, movimento e situação revolucionária. Como veremos, esse raciocínio nos levará para uma posição completamente negativa, no sentido da crítica à situação real trágica da esquerda encabeçada pelo petismo, mas sua tragédia como sendo uma tragédia da própria esquerda em geral, leva junto os partidos menores como o PCB, UP, PSOL, PSTU.
Nosso interesse principal é antes o entendimento crítico das formas políticas dos partidos, que na luz da situação contemporânea se pretendem radicais, pois é deles que ainda temos apreço devido a sua posição de princípio. Veremos ao longo da exposição as razões pelas quais muito embora tenham o radicalismo como uma posição de princípio, suas expressões particulares assume a subsunção às formas de tipos de Ser da tragédia da esquerda em geral. Daí que sua posição politica é vacilante.

Há que se lembrar que tal crítica é feita nos dias que antecedem a eleição do primeiro turno do Brasil, eleição ao nosso ver decisiva para o pensamento de esquerda. Decisiva, pois ela é ao nosso ver a expressão mais bem acabada do fim de uma forma política que insiste em manter-se de pé mesmo não tendo chão sobre ele. O fim não apenas do pensamento e forma política da esquerda que vive sua tragédia, mas o fim do caráter tradicional de política historicamente criada no processo de redemocratização e subsumida a sua fora de Estado particular. A esse processo cremos ser demasiado evidente, sobretudo após a vitória do Bolsonaro e do bolsonarismo em 2018, mas que já se apresentava inicialmente nos movimentos de julho de 2013. Vemos então uma transição da forma política do domínio burguês no Brasil, que com o bolsonarismo, se apresenta com o seu novo aspecto mais bem acabado, e que, por sua vez, diante da opinião pública (não necessariamente da racionalidade popular), processo que nasce da decadência da forma até então dominante, que pelo lado da esquerda, esta foi incapaz de construir um pensamento crítico radical no país, ou de construir uma forma política do radicalismo, ou pelo menos para construir uma forma política crítica única capaz de parar o processo de avanço do bolsonarismo no Brasil.

É permeado por esses dramas que colocamos a nossa posição aqui, uma crítica a nós mesmos enquanto produtos bem acabados de todo um processo ideológico político enraizado em nossa constituição subjetiva. A crítica ao PCB aqui tem necessariamente a razão de ser uma crítica a nós mesmos, na necessidade parir uma nova forma política. Cremos que é apenas com o entendimento e primeiramente com uma sensibilidade que quer a ruptura com as formas dominantes do pensamento de esquerda é que podemos corporificar, tornar cada dia mais concreta nossa posição, que se faz pela negação por completo de toda a ideologia liberal incrustada em nossas subjetividades, por uma crítica às formas liberais de luta, forma políticas de ação, a formas de Ser liberal e etc.

Como um pequeno adendo, em relação à derrota do bolsonarismo, cremos ser um processo que não se faz e realiza-se pelas urnas, sobretudo quando a força política em oposição, é força política em declínio, na qual é a forma política do bolsonarismo a sua expressão de superação a um novo estágio. Nesse sentido, não será pelo voto necessariamente que tal processo se realizará, pois após quatros anos de criação de uma cultura de direita, reacionária, operada por esta forma, e com o movimento contrário, isto é, de esvaziamento de bases materiais para a estruturação da forma até então dominante e também de seu reflexo na opinião pública, o único modo de barrar o avanço do bolsonarismo (que está em ascensão), é parindo uma nova forma à sua altura, isto é, a radicalidade, o pensamento crítico que por sua vez ponha o horizonte da Revolução Brasileira. A essa nova forma que ansiamos parir, tem como ato de gênese a “virada de mesa” pela qual o jogo está sendo jogado. Para tanto, é necessária concreção de sujeitos à altura de um ato inicial como este, o que significa dizer, à altura da necessidade colocado pelo processo histórico atual. A não derrota pelo voto é evidente primeiro pelo fato de que, ao nosso ver, o grupo encabeçado pelo PT perderá a eleição para Bolsonaro e segundo, como já dito, perderá por não ser a nova forma política que se constrói à altura da nova forma burguesa dominante já constituída pelo bolsonarismo. Se este vir a ganhar, será por uma questão puramente pragmática.

Nesse sentido, fazemos a crítica a partidos menores como PCB, UP, PSTU e PSOL, que não operando a ruptura com a forma dominante naquilo que é essencial, por ser este o seu limite ideológico político, se assemelham e são muito mais uma costela do pensamento e da forma política da esquerda liberal, do que uma nova forma política.

O voto nulo nesta em eleição em particular evidencia, quando tornado concreto, primeiro a necessidade de parir uma nova forma política, e é enquanto prática a existência de sujeitos sensivelmente postos nessa direção, assim como o voto crítico num possível segundo turno é a confirmação prática da identidade destes partidos menores com esse universo ideopolítico cultural da esquerda liberal. O voto nulo expressa muito mais a tentativa de criação de uma nova forma do que necessariamente a posição de voto crítico. Ao nosso ver, a proximidade e similaridade desses partidos satélites com o universo ideopolitico é evidente sobretudo nas questões de cultura, como veremos na próxima parte, e não expressam essa nova forma pela qual reivindicam. Não que pelo outro lado a forma já esteja feita e acabada, mas antes é que se coloca como necessário o parir.

Ressaltamos que, somente agora após essa exposição de principio que podemos fazer a crítica de fato aos partidos satélites.

Referências bibliográficas 
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O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista/ Gyorgy Lukács. 1º edição. São Paulo, Bitempo 2018.
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https://www.youtube.com/watch?v=iyUpIy8P4b4&ab_channel=RodaViva

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