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Waldir Rampinelli: um caminho na história

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Por IELA em 14 de janeiro de 2016

Waldir Rampinelli: um caminho na história

Foto: Rubens Lopes

No ano que passou o professor de História da UFSC, membro do IELA,  completou 35 anos de trabalho dentro da Universidade Federal de Santa Catarina. Praticamente uma vida dedicada aos estudos da América Latina, Portugal, História Política e Universidade. E para celebrar esse tempo todo consagrado ao ensino ele disputou uma vaga como professor titular, que é o cargo máximo que um educador pode ter na universidade. Para isso, apresentou um memorial desses 35 anos de trabalho, no qual pontua os passos dados por esse longo e criativo caminho que percorreu.
O memorial, mais do que uma descrição das atividades dessa vida dedicada ao ensino da História, é um testemunho da atividade intelectual do professor que pauta sua vida pela sistemática visão crítica sobre os acontecimentos locais, regionais e internacionais para, como aponta Edward Said, “desafiar e derrotar tanto um silêncio imposto quanto a quietude normalizada do poder invisível”. E assim tem sido, tanto na sala de aula quando nos diversos espaços públicos e nos meios de comunicação.
Ter escolhido a História como o espaço de reflexão da vida já foi uma decisão política. Depois, nos anos 80, quando decidiu fazer o mestrado no México, a América Latina passou a tomar conta do seu interesse. Sua dissertação discutiu justamente a política externa brasileira para os demais países latino-americanos durante a ditadura militar. Nesse trabalho descobriu Ruy Mauro Marini e sua teoria sobre o subimperialismo brasileiro e constatou que os países da América Latina mantinham um alinhamento automático com os Estados Unidos. Durante esse tempo no México, sua atenção também se voltou par a Revolução Mexicana e desde então tem sido um estudioso sistemático desse tema que tanta influência teve para a vida política latino-americana. 
Waldir também se debruçou sobre Portugal quando da “comemoração” dos 500 anos do “encontro dos dois mundos”. Incomodado com a visão ufanista do que foi, na verdade, uma invasão, ele decidiu mergulhar nesse tema, trabalho que rendeu o importante livro “Os 500 anos – uma conquista interminável”, uma visão crítica que empanou a ideia de comemoração. Com esse livro ele conseguiu levar o debate sobre a conquista para os quatro cantos do país. 
Os estudos sobre Portugal o levaram ainda para a discussão das relações diplomáticas entre Juscelino Kubitschek e o governo do ditador Salazar, mostrando todo o caráter conservador do presidente brasileiro que apoiou incondicionalmente o colonialismo lusitano. Daí se constituiu sua tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo e mais um livro. Também trabalhou o papel social de Gilberto Freyre e sua teoria do lusotropicalismo, que igualmente serviu para respaldar o colonialismo.
Como professor na UFSC marcou sua atuação pela vinculação à História Política buscando trabalhar o tema sob o ponto de vista dos que “sofreram, trabalharam e definharam sem ter a possibilidade de descrever seus sofrimentos”, como dizia Michelet. Sua tarefa tem sido então compreender as condutas políticas e sociais dos grupos dominantes que tentam ocultar a presença ativa dos grupos subalternos. Por isso, dedicou-se a entender as políticas neoliberais, a reprodução das elites na memória popular, a monumentalização da ruas e a vida das gentes na América Latina.
Ao longo desses 35 anos, Rampinelli também procurou participar de maneira ativa e crítica dos processos eleitorais dentro da universidade, desvelando as forças em luta e oportunizando a reflexão sobre a política interna, seja ela sindical ou administrativa. Organizou dois livros que hoje são referência para entender a UFSC: O Preço do Voto – os bastidores de uma eleição para reitor e Universidade: a democracia ameaçada.
Outro tema que tem ocupado a vida do professor é a função mesma da universidade brasileira, que cada dia parece perder mais e mais o seu potencial crítico e transformador. Esses estudos e reflexões levaram a mais um livro, organizado junto com Nildo Ouriques, o Crítica à razão acadêmica – reflexão sobre a universidade contemporânea, no qual desvelam um profundo diagnóstico dessa instituição, procurando apontar novos rumos. Esse trabalho vem pautando profundos debates sobre a universidade brasileira em todos os estados do país.
Segundo Rampinelli, um educador dentro da universidade não pode ficar submetido ao medo. É sua função principal atuar na política e refletir sobre ela. Isso o faz um intelectual e não apenas uma mero acadêmico. “Afinal, o que temem nossos professores? Acaso estamos diante de uma ameaça ao pensamento livre e crítico? Alguém solicitou ou recomendou como norma de comportamento intelectual e político, a prudência?  Ao contrário, é notório, diante da crise capitalista mundial, que a sociedade brasileira está solicitando um novo tipo de comportamento do professor universitário”, argumenta. 
Buscando as origens da sua posição diante da vida, Rampinelli lembra que seus primeiros contatos com a América Latina se deram via a Teologia da Libertação, que incendiou esse continente nos anos 60 e 70. Naqueles dias, a proposta era a opção pelos pobres, os caídos, as vítimas do sistema, e sua condição como estudante de filosofia o fez mergulhar nessa proposta. A partir daí, nunca mais se desviou desse caminho. A injustiça, mais do que um problema intelectual, era e é uma questão política, daí a necessidade do pensamento caminhar  junto com a ação. 
Sua passagem pelo México também fortaleceu essa posição, afinal, a vida política pulsava naquele país que havia feito a primeira revolução social da América Latina. Impossível passar incólume por toda aquela ebulição de movimentos, lutas e pensamento crítico. 
A história acadêmica e intelectual do professor Waldir Rampinelli não cabe em poucas linhas. Seu memorial  passa das cem páginas, enumerando atividades, conferências, grupos de pesquisas, projetos, livros, cursos livres. Mas, o que mantém a linha no prumo é sua coerência política: sempre na vereda da luta popular. Por isso, seu título de professor titular foi garantido com honra. Porque muito mais do que um professor, ele tem sido um educador participante da vida que pulsa na universidade e na sociedade. 
Hoje, além de dar aulas, ele coordena o Núcleo de Estudos em História da América Latina, ligado ao Instituto de Estudos Latino-Americanos, mantém grupos de pesquisa e extensão também voltados ao estudo da América Latina e cumpre sua função de intelectual analisando a realidade brasileira e latino-americana em programas de rádio e televisão. É um homem antenado no seu tempo e comprometido com o pensamento crítico. 
O garotinho de fala italianada que saiu da pequena Nova Veneza, interior de Santa Catarina, tem cumprido uma bonita missão de auscultar a vida e desvelá-la publicamente. Pois, como ele mesmo diz: “é obrigação de todo historiador responder as grandes e pequenas indagações da humanidade, sejam elas feitas pelos adultos ou pelas crianças, falando no mesmo tom aos doutos e aos estudantes”.
Agora, já professor titular, ele seguirá como sempre, trabalhando em favor dos homens e das mulheres de “abajo”, com pensamento crítico e criador. Afinal, há muita coisa ainda por fazer.                                                                                                                                                                                                

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