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O esporte brincante

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Por Elaine Tavares em 11 de novembro de 2022

O esporte brincante

Raone Agusto Pereira Ribeiro tem 20 anos. É carioca e saiu da casa dos pais há pouco tempo para estudar na UFSC. Faz Educação Física. Sempre teve o sonho de viajar por aí pelo mundo, mas nunca imaginou que seria justamente a universidade quem propiciaria essa oportunidade. “Eu estou maravilhado. Nunca pensei que seria tão bonita essa experiência que vou levar para toda minha vida”. Vinculado ao recém criado Departamento de Esportes da UFSC, coordenado pelo professor Paulo Capela, ele foi escolhido para representar a universidade no Projeto Interperiferias, com atividades marcadas para o começo de novembro no Uruguai.

Esse projeto, coordenado pelo Professor Fábio Machado Pinto, o Bagé, começou na UFSC em 2012, incorporando uma proposta de trabalhadores, pescadores e surfistas do bairro Campeche, veteranos apaixonados por futebol. A ideia era viajar, conhecer o mundo, tendo o futebol como elemento central. Mas, não o futebol competitivo, de resultado. O objetivo era buscar outros caminhos, mostrando a beleza do jogo e garantindo o intercâmbio de culturas. E assim foi. Muitas edições foram feitas, com jogos em vários países da Europa e no Uruguai.

Este ano, depois de uma interrupção por conta da pandemia, o projeto Interperiferias recomeçou, mas está sendo tocado agora desde a Universidade Federal de Pelotas, onde atualmente está o professor Fábio. O país escolhido para esta edição foi o Uruguai, onde também aconteceria o I Encontro Internacional de Esporte, Cultura e Formação: Interperiferias do Futebol, no Centro Universitário Regional do Leste – CURE, em Maldonado, de dois a seis de novembro. Pelotas seria então o primeiro destino de Raone, já que era lá que ele iria se juntar ao grupo.

Tudo estava pronto para a viagem quando explodiram os protestos anti-democráticos trancando as estradas brasileiras. Não havia ônibus para lugar nenhum. O sonho estava pronto para ir ao buraco. Mas, Raone não desistiu. Buscou outras opções e finalmente conseguiu embarcar num carro do aplicativo Blá-Blá-Car. “Eu gosto muito de futebol e não queria perder essa chance. Agarrei firme e fiz acontecer”. Com todos os atropelos ele chegou a Pelotas uma noite antes da partida e ainda teve tempo de participar de um animado churrasco. “Fiquei bem surpreendido com os gaúchos. Sempre pensei que eles fossem mais reservados. Mas é uma turma bem alegre que até faz samba”.

No dia seguinte bem cedo o grupo seguiu para o Uruguai. Raone lembra que já na estrada foi capturado pela arquitetura das casas, da paisagem, tudo muito diferente. Em Maldonado, onde aconteceu o encontro, havia gente de outros países da América Latina, o que também enriqueceu a experiência. Foi um dia importante de troca de experiência.

O primeiro jogo aconteceu na quinta-feira à tarde, no Estádio Municipal de Maldonado, outro momento estelar para o jovem estudante. Foi um momento bastante emocionante entrar no estádio que já recebeu grandes jogadores. “Desde criança que eu tinha esse sonho de jogar num estádio assim. Foi lindo entrar em campo e saber que foi a universidade que me deu essa chance”.  A proposta do Interperiferias é atuar com um futebol brincante, por isso mesmo os jogadores são na sua maioria mais velhos, com idade entre 40 e 65 anos. É um futebol que integra e alegra, por isso mesmo no time uruguaio tinha duas mulheres no grupo, o que não impediu que o jogo transcorresse normalmente, com muito respeito. “Teve um momento que a moça que arbitrava a partida cometeu alguns erros e um dos jogadores uruguaios xingou ela. Ela saiu de campo. Aí parou o jogo, foi feita uma roda com todo mundo, discutiu-se o ocorrido e tudo foi acertado. Isso foi bonito, porque mostrou que o respeito tem que prevalecer e que não pode haver discriminação”. O jogo acabou empatado em 1 a 1. O dia ainda foi de muita atividade com a visita ao estádio do Deportivo  Maldonado e palestras sobre vários temas ligados ao esporte e a inclusão.

A sexta-feira foi o dia de conhecer mais de perto a cultura uruguaia. Durante o dia os brasileiros foram visitar o Centro Universitário junto com outros estudantes do ensino médio que estavam também de visita. Aconteceram mais palestras sobre o futebol de várzea e de como a especulação imobiliária estava pondo fim a essa atividade, sobre basquete integrado e outros temas. Depois, foram conhecer o ginásio da CURE e mais uma surpresa para o Raone. Lá, o ginásio incorpora outras práticas corporais além dos tradicionais jogos. “Aquilo é o paraíso para um estudante de educação física, porque permite realmente vivenciar o esporte como algo além da competição”.

Na parte da tarde o grupo foi para Punta del Este conhecer a cidade e à noite foi a hora de conhecer uma das mais importantes manifestações culturais do Uruguai: a murga. “Pra mim foi o momento mais lindo, incrível”. Eles visitaram a sede do grupo de murga Los Fantasmas se diverten, e puderam conhecer todo o processo de preparação da murga, com os figurinos e adereços. Por fim o grupo de se apresentou num colorido e alegre espetáculo cheio de crítica social, mesclando teatro com expressão corporal. “Uma coisa magnífica, que eu jamais vi”. Depois ainda puderam curtir outro espetáculo de música, com artistas bem conhecidos no Uruguai. “Estou até agora ouvindo as músicas, bonito demais”.

No sábado visitaram a Casa Pueblo, casa e espaço de criação do artista uruguaio Carlos Páez Vilaró, que é um museu a céu aberto. “Aquela visita foi um espetáculo impressionante. Foi fantástico vivenciar aquele ambiente de arte e de beleza”.  Na parte da tarde aconteceu o segundo jogo, do qual Raone ficou de fora, pois era uma partida só de jogadores master. Os jogadores locais venceram de 4 a 2 e depois todo mundo se esbaldou num nutrido churrasco uruguaio.

Raone voltou da experiência bastante impactado. Segundo ele, depois dessa viagem ele consegue ver o mundo de outra forma e tudo o que quer é conhecer mais e mais desta américa grande. Ele conta que andou poucos quilômetros e percebeu que há um universo de diferenças que precisa ser vivenciado. “Soube, por exemplo, que lá no Uruguai não existe isso de vestibular, quem quer fazer faculdade faz e pronto. Também soube que lá não precisa ter formação universitária para trabalhar com educação física no ensino médio. Isso me preocupou, porque penso que precisa ter formação pra fazer isso. Também descobrimos que lá não tem um Conselho que rege a Educação Física e que mestrado e doutorado na área estão começando só agora. São diferenças boas e ruins, mas que é muito bom conhecer pra fazer a gente pensar mais”.

Raone espera viver mais experiências como essa ao longo do curso e conta que participar do Interperiferias – uma proposta de aprendizado para atuar nas escolas de adultos não atletas –  ajudou a consolidar o que ele pensa sobre o esporte: que precisa ser um espaço de respeito, de integração, de solidariedade e de prazer. E, finalmente, que este tipo de ação – com esporte e cultura integrados – seja definitivamente implantada através do Departamento de Esporte, Cultura e Lazer, para que mais estudantes e a comunidade do entorno possam vivenciar esse processo.

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