Lula ataca os trabalhadores
Texto: IELA
Aguarde, carregando...
Quando no ano de 1998 Hugo Chávez venceu as eleições na Venezuela poucos podiam imaginar que a América Latina iria viver uma primavera, na qual fosse possível a ascensão popular. Um tempo no qual as gentes comuns, os empobrecidos, os trabalhadores, tivessem algum poder e pudessem palmilhar um caminho para o socialismo. Pois foi o que aconteceu.
Depois de Chávez veio uma sucessão de governos – que apesar de suas especificidades – tinham como ponto comum uma visão progressista, fora do marco neoliberal que pontificara pelos anos 1980 e 1990. Equador, Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, El Salvador, Nicarágua, Haiti e até Honduras, todos se articularam na órbita bolivariana que propunha como ponto central a integração das repúblicas na construção da sonhada Pátria Grande.
Foram 14 anos de novidades, mudanças e algumas transformações bem radicais – em diferentes níveis nos diferentes países. Nenhum chegou ao socialismo, mas a palavra caminhou no coração e nas mentes das pessoas.
E foi justamente essa palavra que acendeu o ódio das classes dominantes locais e internacionais. Poder popular, democracia participativa, novidadeiras Constituições, proteção da natureza, levantes indígenas, tudo isso acendeu a luz vermelha para os que sempre dominaram as riquezas mundiais. E, enquanto muitos analistas diziam que o país mais poderoso do mundo ( Estados Unidos) havia esquecido um pouco o seu “pátio traseiro” por conta das guerras provocadas no Oriente Médio, as tramas contra a integração e a soberania latino-americana seguiam sendo urdidas. Primeiro porque, como bem aponta o mexicano John-Saxe Fernandes, a América Latina nunca foi “pátio traseiro”, ela é, sim, reserva de riquezas da qual os EUA sempre buscarão lançar mão. Logo, não houve esquecimento, e sim uma nova forma de ataque que se esboçou em 2004, quando da deposição de Jean-Bertrand Aristide.
A estratégia de dominação seguia sendo a mesma. A tática mudou. Diante de uma ofensiva armada no Oriente Médio, já não eram mais possíveis os golpes tradicionais na América Latina, de tanques nas ruas contra o povo. O processo se sofisticou e passou a utilizar as instituições ditas democráticas para dar cabo nos inimigos do capitalismo.
O primeiro intento veio em 2002, com o golpe na Venezuela, quando a mídia comercial teve um papel marcante, ainda que o exército tenha sido usado. A técnica foi do sequestro seguido de mentira: o presidente teria renunciado. Não funcionou! Chávez conseguiu passar a verdade à população, que reagiu com força e o golpe se desmanchou sob o peso da mobilização popular.
Depois foi a vez do Haiti, em 2004, com a mesma técnica de sequestro pelas forças militares estadunidenses. O presidente eleito, Jean-Bertrand Arisitide, foi tirado do país e sucumbiu. Estava dado o golpe, com o comando das tropas de “paz” da ONU, um belo disfarce para os interesses dos EUA, até hoje em vigor. O Haiti era um país estratégico do ponto de vista geopolítico, de frente para a Venezuela – o inimigo maior. E um “cristão vermelho” na direção – apesar de todos os seus equívocos – não era coisa boa.
Em 2008, durante os debates da nova Constituição na Bolívia a velha tática da cisão interna foi usada, quase com sucesso. Estados mais ricos e historicamente racistas iniciaram uma desestabilização no país, com a ideia de separação. Foi um grande embate, com mortes e muita violência. O governo atravessou a tormenta, mas o germe ficou, latente.
Em 2009 foi a vez de Honduras. Quando o presidente – um liberal declarado – decidiu orbitar a proposta bolivariana capitaneada por Hugo Chávez, perdeu todas as fichas com os Estados Unidos. Não seria permitida a um país da América Central essa aproximação com o inimigo. Logo, numa madrugada, lá estava Mel Zelaya num avião, também sequestrado e deposto, sob o argumento de que estaria indo contra a Constituição. Seu crime foi querer realizar um plebiscito para que o povo decidisse se queria uma nova Constituição. Houve grande rechaço popular ao golpe, mas a resposta foi violenta: mortes e desaparições de lideranças.
Nesse ínterim, outra tática de ataque ia sendo usada: a ação das transnacionais de extração mineral. O Equador, por exemplo, entrou na onda “desenvolvimentista”, aceitando a entrega de território para mineradoras, indo contra a própria população. Um jeito “suave” de intervenção internacional. Prática também usada na Bolívia e que contou com a aprovação de Evo Morales, como, por exemplo, o caso da estrada que atravessa terras indígenas e zonas de proteção, e a lógica privatista da mineração.
Em 2012, mais um golpe de novo modo foi dado num país do sul da América: Paraguai. Outra vez, um jeito “suave” de retirar do poder alguém – Fernando Lugo – que ameaçava não só a classe dominante local, mas também o império, uma vez que fortalecia a região do Mercosul.
Em 2015, foi a vez de Cristina Kirchner e seus aliados serem varridos da Argentina. Uma eleição “democrática”, que contou com todos os ingredientes da mentira, da desestabilização e do poder econômico.
Agora em 2016 tocou ao Brasil, com a derrocada do PT, que se encerra no afastamento da presidenta Dilma. O golpe parlamentar/judiciário/midiático bem urdido e que, apesar de surreal, seguiu seus trâmites como se fora legal.
As forças de fora e os erros dos governos
Feito o inventário dos fatos há que analisar também os erros e equívocos de cada governo. No geral, de novo respeitando as diferenças e especificidades, todos eles trabalharam dentro da lógica da humanização do capitalismo e da conciliação de classe. Uns mais, outros menos. Mas, em cada um deles, houve a aproximação do governo com a classe produtiva/comercial nacional e a conformação de acordos para garantir a governabilidade. Na Venezuela, por conta da fragilidade produtiva – o país vivia apenas do rentismo petroleiro até Chávez – o drama foi se agigantando. O governo conseguiu atacar em várias frentes, criando novas formas de atuar, incentivando o desenvolvimento interno, a industrialização, a produção de alimentos, mas seguiu bastante prisioneiro do petróleo e da classe comercial importadora, hoje responsável pela guerra econômica que coloca a população em uma situação bastante difícil no enfrentamento do desabastecimento.
No Equador, Rafael Correa também se afastou das demandas populares, preferindo o caminho fácil da exploração das riquezas naturais, que em nada poderiam mudar a situação de dependência do país. Enriquecia a classe abastada, mas provocava destruição, desalojo e miséria em milhares de famílias. Haiti, Paraguai, Nicarágua, Uruguai, Argentina e Brasil também acenderam velas para dois senhores, buscando governabilidade, e isso, todos sabem, nunca deu certo em lugar nenhum. A classe que historicamente sempre dominou esses países de baixo do Rio Bravo, aceitaram os governos ditos “progressistas” enquanto foi possível o “espetáculo do crescimento”, ou seja, quando os governos conseguiram garantir crescimento no PIB, surfando na onda de oportunidades do sistema capitalista.
Não levaram em conta que, como toda onda, ela encontra seu pico e começa a descer. Nessa hora, os que sempre ganharam não aceitam perder nada, ainda que seja mínimo. Então, imediatamente, a classe dominante de cada país começou a buscar novamente o poder, sempre ajudada pelo “bom e velho amigo do norte”, que estava a postos, esperando a chance de fortalecer seu poder. A dita crise – mais uma dentro do processo que configura o sistema capitalista de produção – acelerou o pique.
Na semana que passou, enquanto no Brasil vivíamos o drama do golpe parlamentar, a Bolívia também vivia uma hora de angústia. O conflito com os mineiros organizados em cooperativas, contra a nova lei do setor, rendeu mortos dos dois lados – trabalhadores e governo, com o vice-ministro Adolfo Illanes sendo sequestrado, torturado e morto na região de Panduro. O governo acusa forças externas de estarem financiando os movimentos, mas também há que considerar os erros governamentais no trato com as demandas dos trabalhadores de vários setores.
O Brasil teve o golpe consolidado nessa terça-feira, com a presidenta da nação sendo julgada por um grupo de pessoas cuja maioria está envolvida em corrupção. E não houve comprovação de qualquer crime contra a presidenta. Foi julgada por era “arrogante”, porque “deus” mandou, porque não vestia calças. Um show de horrores, misógino e virulento.
É fato que a crise econômica – típica do capitalismo – obrigaria a cada um desses governos ditos progressistas a atuar em consequência diante da escassez. Mas, cada um deles teria de decidir soberanamente sobre quem iriam sacrificar na hora de apertar os cintos. Inverter prioridades, decidir pela maioria, negociar sem repressão, tudo isso deveria fazer parte do processo. Mas não estava sendo assim.
O estrangulamento econômico em mais uma crise do capital, típico dos países dependentes, foi, mais uma vez aproveitado pelos governos dos países ricos – principalmente o dos EUA – para frear qualquer possibilidade de um germe de soberania, transformação ou emancipação das gentes. Daí o financiamento de movimentos e lideranças.
A sucessiva prática de golpes “suaves”, que agora chega também ao maior país do continente, tem sido mortífera arma de destruição dos avanços sociais, econômico e políticos dos países da América Latina, incluído aí o México, tão perto do império. O que vimos é a consolidação do conservadorismo e do atraso que trará consequências profundas para os trabalhadores, para os empobrecidos. Não se trata aqui de fazer a defesa do que poderia ser “menos pior”, mas se não levarmos em conta a realidade concreta da maioria da população, tampouco poderemos avançar para um processo revolucionário. Mais do que fome ou crise para gestar a revolução, tem de haver consciência de classe, e isso não acontece por mágica.
A América Latina vive sua hora noa (de angustia) e vai depender da força da luta do povo organizado para barrar o atraso, ou o já identificado Plano Condor II. Nos anos 60 e 70, com os tanques, a morte, a tortura e o desaparecimento e agora com o manto da “legalidade” das instituições.
A lei nunca foi feita para os empobrecidos, já sabemos. Nenhuma fé na justiça burguesa. É a luta na rua, a participação protagônica e a consciência de classe que iluminarão o futuro.
Texto: IELA
Texto: John Bellamy Foster
Texto: IELA
Texto: Miriam Santini de Abreu