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O mundo do “nosotros”
Por Raquel Moysés – jornalista
21.10.2010 – A cena se passa em uma comunidade zapatista de Chiapas. O professor estrangeiro e seus colegas se põem a aplicar uma prova para verificar o grau de conhecimento de um grupo de 100 zapatistas. Eles são promotores de educação em suas comunidades e participam de um curso de formação com os educadores vindos de fora para ajudar. Quando começa o exame, imediatamente todos se põem a dialogar uns com os outros para juntos resolverem as questões. Espantados com a reação, os instrutores explicam que aquilo não é possível, que é proibido agir assim durante uma prova. A resposta que ouvem os surpreende ainda mais: “Isso que vocês falam não tem lógica! 100 cabeças pensam melhor do que uma sozinha”.
Só após esse acontecimento, depois de tempos convivendo com aquelas comunidades, é que o espanhol Jorge Ruiz Cuesta pôde finalmente entender o que significa a concepção do “nosotros” (do “nós”) para os zapatistas: “Nós havíamos nos chocado com o ‘nosotros’, conceito central da cosmovisão maia-zapatista. A prova aplicada numa lógica ocidental, individualista, não podia mesmo ser compreendida pelos promotores em educação pois, na mentalidade do povo maia, o que se busca é a solução dos problemas, não importando quem os resolva nem o modo de resolvê-los.”
Jorge Cuesta já tivera contatos com povos da América Latina mas só em 1997, levado pelo desejo de estudar as escolas autônomas zapatistas, conseguiu recursos para conhecer de perto a experiência de Chiapas, estado do México em que grande parte da população descende dos maias. Foi assim que, já formado em História, deixou sua terra de Espanha para fazer o mestrado em Estudos Latino-Americanos, seguido agora do doutorado em Pedagogia, na Universidad Autonoma de México. A ele interessava conhecer a experiência pedagógica do modelo revolucionário que deu origem ao Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), e que vicejou, a partir de 1982, na Selva Lacandona. Nascido do pensamento indígena ancestral e oriundo de formas próprias de organização, o movimento se inspira no que se costuma chamar de “comunismo primitivo”, contando com a participação das diversas comunidades tzotzil, tzeltal, tojolabal, zoque e chole, que participaram ativamente da construção do EZLN.
As comunidades de Chiapas se levantam por justiça, liberdade, autonomia e direitos constitucionais que lhes assegurem a propriedade coletiva das terras indígenas. Defendem o direito de cultivar seus roçados (“milpas”), e preservar suas tradições culturais ancestrais, sua medicina, sua língua, sua religião, enfim tudo aquilo que os identifica como povos e que compõe o que o antropólogo Guillhermo Batalla define “México Profundo”. Em sua obra “El México Profundo, una civilización negada”, o antropólogo e etnólogo mexicano assinala a permanência de uma civilização que o colonialismo tentou destruir e afirma que existem simbolicamente dois Méxicos. Um, que denomina México Profundo, o qual afunda suas raízes em uma civilização milenar que deu identidade própria e coração verdadeiro ao povo. E outro, o México Imaginário, cuja existência se baseia em um projeto imaginário, inspirado em terras distantes e culturas alheias. Assim que a história recente do México, dos últimos 500 anos, é sempre a saga do enfrentamento permanente entre os que querem impor o projeto da civilização ocidental e os que resistem, arraigados a ancestrais e próprias formas de vida.
A cultura do “nós”E foi um pouco do que descobriu nesses anos de convivência com os zapatistas, que Jorge Ruiz Cuesta apresentou durante o seminário “Pobreza e Educação – experiências compartilhadas em Cuba e no movimento zapatista do México”, organizado pelo Instituto de Estudos Latino Americanos (IELA/UFSC), pelo Projeto Anuário Educativo Brasileiro/IELA e pelo Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero (Nusserge). Ao compartilhar seu aprendizado sobre a forma de entender o mundo das comunidades entranhadas no pensamento e no modo de viver maia, Jorge lembrou que a colonização dizimadora teve impacto terrível sobre esse povo ancestral, mas não conseguiu aniquilar sua cultura.
Muito menos conseguiu anular sua forma de organizar a vida e de conceber a educação, entendida como um intercâmbio de igual para igual, em que todos ensinam aprendendo e aprendem ensinando, num processo que vai do nascimento à morte. “Até os hermanitos já fazem a função de educadores nos trabalhos comunitários”, conta o estudioso. “Todas as atividades e pessoas estão imersas na vida coletiva e estabelecem um sentido comunitário para toda a vida.”
Jorge explica que as línguas maias são fundamentais para entender a experiência zapatista, pois nelas não existe a palavra “eu”, mas apenas “nosotros” (nós, o coletivo), e isso muda completamente o modo de entender a vida e o mundo. As línguas maias também não admitem a relação sujeito/objeto, pois a concepção, nesses idiomas, é de que tudo o que existe é sujeito e está interrelacionado num sentido de igualdade, complementariedade e colaboração. Para os maias, a linguagem é realidade, e a realidade é linguagem. É por isso que, por exemplo, antes de arrancar uma planta, lhe perguntam se é apropriado e necessário arrancá-la. E tal gesto não é algo metafórico, pois não há separação entre a língua formal e a realidade.
O edifício da educação maia está assentado na ideia da “nosotrificação”. Nas comunidades zapatistas todos se empenham em educar o “nosotros”, e isso acontece desde o nascimento e a infância, pois as crianças passam de mão em mão, são cuidadas e criadas como se fossem os filhos de todos. Isso permite entender porque a noção de escola, segundo os moldes impostos pela visão colonial, atenta contra a “nosotridade” da cosmovisão maia, que não separa a pessoa do restante da comunidade, pois é a própria comunidade que se entende como sujeito.
Ao procurar compreender “O paradoxo e o pedagógico no movimento zapatista- O despertar sonhando: um movimento em espiral”, tema de sua pesquisa de doutorado, Jorge Ruiz Cuesta aborda o movimento como luta sócio-política pertencente à cultura do “nosotros”. Para realizar este trabalho, busca inspiração nos estudos do filósofo linguista Carlos Lenkersdorf que, em seus trabalhos sociolinguísticos, considera que a intersubjetividade, a inexistência de objetos, a comunicação em um plano de igualdade e a repetição do “tik” ( que significa “nosotros” en tzeltal y tojolabal, línguas maias), são princípios organizativos não apenas das línguas, mas também de todas as ordens do viver maia. Primeiro, na família expandida, depois na comunidade, na educação e em todos os sistemas de organização coletividade. Assim, o “nosotros” prevalece não apenas no falar, mas também na ação, na vida, na maneira de ser do povo.
Em “El mundo del nosotros: entrevista con Carlos Carlos Lenkersdorf”, Ana Esther Ceceña transcreve o exemplo precioso que o linguista oferece para esclarecer esse conceito. Lenkersdorf apresenta uma situação hipotética, que lhe foi trazida por um educador maia, e na qual dois camponeses maias se encontram e se cumprimentam. Ao se cruzarem no meio de um caminho, um pergunta ao outro: – Como está “nuestra milpa”?
No fato de perguntar pela “nossa milpa” e não por “tua milpa” está a explicação profunda dessa concepção de mundo. Porque a “milpa”, que é uma roça de milho, não é entendida como a lavoura de uma pessoa em particular, uma propriedade privada, mas sim como uma roça que pertence a todos, porque serve para nutrir a vida. Os trabalhos de cultivo são feitos por grupos de vizinhos ou pela família ampliada, e todos se ajudam mutuamente. Mas nenhum dos que trabalham a terra considera que ela seja propriedade sua, sobre a qual teria o caráter de “patrão”. Entre os maias, ninguém pode vender nem comprar as terras comunais.
Assim, como explica Lenkersdorf, a extensão do “nosotros” abarca toda a terra. E é esse modo de entender a relação com a Madre Tierra que explica a oposição dos camponeses zapatistas à privatização das terras. Porque, para o “nosotros”, a terra é o eixo articulador básico de toda a comunidade, e não apenas objeto comercial ou referência poética desligada da realidade cotidiana, como é vista pela sociedade dominante.
É também por isso que a educação, assim como toda a organização da vida, se dá dentro da perspectiva da “nosotrificação”, de práticas de socialização como as assembleias, os trabalhos comunitários e todas as formas de interação que podem acontecer com os sujeitos (animados ou inanimados). Isso porque, na cultura maia, tudo que vive tem ´altzil’ (ou coração) e não há a contraposição “sujeito/objeto”. Nesse sentido, Jorge explica que o substrato linguístico do “nosotros”, estendido a tudo o que vive, e o esforço constante de ‘nosotrificação’, e de reincorporação, mediante uma justiça restitutiva, têm um efeito normatizador, exemplificador, que é vivenciado por todos, durante toda a vida.
A justiça do “nosotros”Diferentemente do sistema judiciário da sociedade dominante, a justiça do “nosotros” não é punitiva nem vingativa, mas restitutiva. Por isso, não trancafia os delinquentes na prisão nem os condena à morte, mas lhes mostra o caminho da recuperação, oferecendo-lhes solidariedade e amparo para que isso aconteça. E não se trata de uma justiça idealizada ou utópica, pois representa relações sociais muito exigentes, baseadas na corresponsabilidade, enfatiza Carlos Lenkersdorf na entrevista a Ana Esther Ceceña.
Para explicar como atua a justiça da comunidade, Lenkersdorf narra uma história ocorrida entre comunidades vizinhas. O problema surge quando dois jovens, que vivem nas terras comunais (ejido) de Sakalja’, tentam roubar uma vaca do “ejido” de Niwan Witz, são surpreendidos em flagrante e levados ao cárcere (estabelecido pela Cédula Real desde 1549, mas que não existia por costumes indígenas anteriores à chegada dos conquistadores ao México). A decisão que os “comuneros” lesados tomam, em assembleia, é de que os ladrões só sejam libertados se pagarem uma multa de cinco mil pesos.
Enquanto isso, a comunidade dos que cometeram o delito, depois de muita discussão, decide juntar, com a cooperação de cada família, a soma de dinheiro exigida, e vai, em comissão, pedir desculpa aos vizinhos, pagar a multa e trazer de volta os ladrões. Diante da assembleia de seu povo, os jovens se tornam então devedores da coletividade, e assumem que devem pagar a dívida através de uma série de trabalhos para o bem da comunidade, que os vigiará para estar certa da mudança de atitude dos rapazes.
Na perspectiva da justiça “nosótrica”, como explica Lekensdorf, a prisão não resolveria nada, pois não permitiria aos “malfeitores” a reintegração, muito menos que pagassem sua dívida ou continuassem mantendo seus familiares. A justiça do “nosotros” é restitutiva, não enfoca os delinquentes de maneira isolada, mas dentro do contexto social em que vivem com sua gente.
E aqui, outra vez, a concepção lingüística é vital para entender o modo de agir zapatista. Porque, em tojolabal, por exemplo, não há palavras que correspondam a juiz ou jurado. As autoridades comunitárias apenas cumprem o que define, por decisão consensual, a assembleia, que cumpre o papel de juiz, jurado e do litigante que sofreu o dano.
E quem sofre o prejuízo, aceita a decisão consensuada, porque entende que o desequilíbrio social criado com a delinquência tem mais peso do que o roubo material sofrido. Assim, o procedimento jurídico é consequência da vida em comum. Se um sofre, todos sofrem também. Daí o interesse primordial em manter o equilíbrio social do grupo, pois a comunidade livre não impede a liberdade de cada uno de seus membros individuais, mas a garante, explica Lenkersdorf.
O princípio da vida Os maias-zapatistas pensam, sentem e escutam desde o coração, (´altzil=alma ou princípio de vida), que Lenkersdorf assim explica : “(…) o ´altzil tem um conceito companheiro que é o ‘k´ujol’. Ambas as palabras se traduzem como “coração”. (…) Às vezes ambas as expressões são idênticas (…). Em outras ocasiões, k´ujol representa os sentimentos, desejos e intenções”. Isso quer dizer que o saber do coração não distingue fronteiras entre dizer, pensar, sentir ou fazer e, junto à intersubjetividade e o “nosotros” linguístico e social, articula os modos de pensar e atuar.
Outro exemplo lingüístico serve para explicar a vida social maia, que se alicerça no saber afetivo, conforme enfatizado por Jorge Cuesta ao seguir a senda de Lenkersdorf . O verbo tojolabal “na´a” (que se traduz como saber, aprender e recordar), trascende o humano e alcança o cósmico através do coração, que tudo percebe (pensa e sente) como vivo, não unidirecional a sujeito e objeto, mas como encontro intersubjetivo onde se dá o conhecimento mútuo que possibilita o conhecer, que é relacional. Pois se sabe/aprende/recorda em relação a algo ou alguém e, definitivamente, a fonte do saber/aprender não é o “eu”, mas o “nós”. E, como diz Jorge, não é o sujeito individual (a autoridade, o professor) que sabe mais ou melhor, nem o conhecimento é resultado de um possível autodidatismo, mas tudo surge do encontro do saber /aprender/recordar no “nós”, que desempenha um papel de modelo exemplar em uma espécie de “continuum didático”.
É por isso que, na visão maia-zapatista, não existe um professor. É o nós, a “comunidade nosótrica” que representa o meio de socialização e subjetivação, mas também a fonte de toda atividade produtiva, religiosa, política de todos os mandatos e saberes comunitários. E é essa intersubjetividade que estrutura o pensamento, as línguas e as práticas maias, permitindo a qualquer encontro se realizar somente a partir da interação.
Para que se gere o “acontecimento” da língua, são necessários aquele que fala e aquele que escuta. Para o “acontecimento” mítico da criação, é necessário o encontro da palavra dos deuses. Assim como o “acontecimento” político apenas se dá por meio de assembleias em que os participantes buscam o consenso, que também se alcança por meio do papel das autoridades que “mandam obedecendo”.
Perguntando eles caminhamO “mandar obedecendo”, no âmbito do poder, bem como o “ensinar aprendendo” e o “caminhar perguntando”, no âmbito do saber, bem exemplificam a idiossincrasia cultural no contexto dos zapatistas, que entendem também os paradoxos a partir de “outra lógica”. Jorge Cuesta diz que o próprio fato de terem precisado “dar-se como mortos”, para reviver com novos brios”, e que tenham se apresentado ao mundo com o rosto coberto por seu simbólico “pasamontañas”, exemplifica o paradoxo que, de algum modo, define e aclara o modo de ser zapatista. “Porque essas mortes e essas máscaras se revelaram como sua maior e mais clara visibilidade. É através desse duplo paradoxo que eles desmascaram o regime de exploração, exclusão e extermínio de que padecem.”
John Holloway escreve, no seu livro “Cambiar el mundo sin tomar el poder” : “Então, como mudamos o mundo sem tomar o poder? Ao final do livro, como no começo, não o sabemos. Nosso não saber é, em parte, o não saber daqueles que compreendem que não saber faz parte do processo revolucionário. Perdemos toda a certeza, dizem os zapatistas, mas a abertura da incerteza é central para a revolução. ‘Perguntando caminhamos’, dizem os zapatistas, não só porque não conhecemos o caminho, mas também porque perguntar pelo caminho é parte do processo revolucionário.“
É, portanto, do reconhecimento de não saber que nasce a necessidade de aprender conjuntamente, caminhar perguntando e ensinar aprendendo. E é do se juntar para buscar uma resposta comum que nasce o poder do “mandar obedecendo”. Tudo isso, segundo Jorge, ajuda a entender porque o zapatismo não é aquilo que certa vanguarda intelectual e política pensa que o movimento é.
Ele lembra que a fundação do movimento se deu em três momentos. O primeiro foi o do 1º Congresso de San Cristóbal de las Casas, em 1974, que significou o encontro dos quatro povos lingüísticos que compõem o zapatismo e a tomada de posição conjunta sobre os problemas e objetivos do movimento. Naquele período, teve forte influência a diocese de San Cristóbal, com os postulados da Teologia da Libertação e suas comunidades eclesiais de base, o que mais tarde eclodiria na preparação do levantamento zapatista.
O segundo momento fundacional aconteceu dez anos mais tarde, quando um grupo de revolucionários, abraçando a teoria do “foco guevariano”, chegou à Selva Lacandona com a missão de formar a guerrilha. O reduzido grupo, entre os quais se encontrava o subcomandante Marcos, logo aprende que, para envolver as comunidades na luta de libertação, teria que seguir sua metodologia e seu modo de “mandar obedecendo”.
O terceiro momento marcante foi o da criação dos “Caracoles” em agosto de 2003, que surgiram da necessidade de reorganizar os municípios autônomos à luz dos problemas enfrentados na relação com a sociedade mexicana e internacional. Os municípios autônomos articularam-se politicamente por duas formas sucessivas de autogestão político-administrativa: primeiramente pelo modelo das “Aguascalientes” e, em seguida, pelo sistema dos “Caracoles” e suas “Juntas del Buen Gobierno”, que entraram em vigor a partir de 2003. É basicamente uma nova forma de regionalização político-administrativa, em que os 27 munícipios autônomos são organizados em cinco Caracoles, nome escolhido devido ao espírito coletivista que os antepassados maias conferiam à figura do caracol.
Jorge enfatiza que que o zapatismo se funda em um espaço de saber em que as comunidades ensinam seu “modo” de ser, em vez de aprender modos alheios, e então, dando e recebendo, geram uma espécie de espiral de refundação contínua, muito conveniente para a resistência. Essa forma de aprendizado mútuo parte da premissa do “não saber”. É o reconhecimento de que ninguém sabe mais que ninguém, apenas que todos aprendemos de todos, como diz Paulo Freire. E isso não é algo paralisante, explica Jorge, “mas é a base da experiência espiral, que anima a busca ‘nosótrica’ do conhecimento, da dignidade e do equilíbrio social.”
Há ainda outras noções que dão ao movimento o alicerce pedagógico que o carateriza. Uma delas é o de os zapatistas se colocarem juntos na comunidade, mas iguais e parelhos, e, como tais, chegarem a um acordo sobre as decisões. “Igualar-se aos que não sabem, para aceder ao saber (“nosótrico”, de todos), e controlar os que mandam obedecendo, são requisitos para entender os dispositivos lingüísticos e sociais do consenso zapatista.”
Ao converter o mandar em uma forma de obedecer e o ensinar em uma forma de aprender, o poder/saber “nosótrico” dilui fronteiras e abre as condições para que haja o pensamento crítico. E é essa prática crítica ao poder e ao saber que permite aos zapatistas estabelecer uma estratégia para exercer esse poder/saber a seu modo, em um território autônomo.
Para aclarar o que significa o “caminhar perguntando” zapatista, Jorge se vale do que escreve o subcomandante Marcos em “Chiapas, la treceava estela. Primera parte. Un caracol”: “Dicen que dicen que decían que el caracol representa el entrarse al corazón, que así le decían los más primeros al conocimiento. Y dicen que dicen que decían que el caracol también representa el salir del corazón para andar el mundo, que así llamaron los primeros a la vida. Y no sólo, dicen que dicen que decían que con el caracol se llamaba al colectivo para que la palabra fuera de uno a otro y naciera el acuerdo. Y también dicen que dicen que decían que el caracol era ayuda para que el oído escuchara incluso la palabra más lejana”.
Assim que, o perguntar, para chegar a um acordo é, para os zapatistas, como constata Jorge, “ uma forma de caminhar juntos, iguais, cordenados, complementários no saber (do coração) e no poder (de mandar obedecendo), que é lento porque está pleno de consultas, e espiral, porque dialoga com outros saberes, tecendo uma rede cósmica que comunica tudo que é vivo.”
A palavra da revolução A palavra é o motor central da revolução zapatista. A palavra que, ao igualar-se com outras palavras, na assembleia, no caminhar perguntando, no ensinar aprendendo e no mandar obedecendo, gera, na vida cotidiana, os pilares que sustentam não somente o discurso, mas todas as práticas “nosótricas” de organização das comunidades, entre elas a edução.
A experiência pedagógica e política se expressa no desenho dos projetos e programas educativos dos zapatistas. De modo que as 12 demandas, que são emblemas políticos do movimento, se converteram em matérias transversais e no eixo articulador de todo o arcabouço político-pedagógico das escolas autônomas.Essas demandas, combinadas com as quatro matérias escolares (História, Língua, Matemática e Vida e Meio), dão a base dos planos de estudo para uma educação em que, por exemplo, as línguas maternas possam dialogar com a língua espanhola, vista como outra estratégia para a luta e a resistência.
A Matemática serve para resolver os problemas da comunidade e não significa um simples saber especializado para passar de grau em grau. É também o estudo da vida e do meio que contribui para dar base aos aspectos organizativos, produtivos, econômicos, sempre em respeito à “Madre Tierra” e, através dela, às profundas raízes culturais maia-zapatistas. É isso tudo que permite a existência, na interpretação de Jorge, desse movimento contínuo e em espiral de pedagogia política e política pedagógica, não só para dentro, mas também para fora, até o restante do México e do mundo, e não só para falar, mas também para escutar.
A espiral pedagógica é o que permite aos zapatistas, desde a base do nós, conceber as fronteiras como lugar de encontro, onde se comunica a infinita rede de relações entre tudo que vive, em um movimento parelho, conjunto, de ensinar aprendendo e mandar obececendo. E, como diz Carlos Cuesta, é esse modo maia- zapatista que, “exercendo suas formas críticas e pedagógicas de poder e saber, consegue se desenvolver, se expressar, interagir, crescer e, definitivamente, sonhar, ensinando-nos seu modo espiral de despertar sonhando.”
E nada expressa com mais claridade o modo de viver maia-zapatista do que a palavra do próprio povo, expressa nos versos de um poeta tojolabal, que, como acontece no mundo “nosótrico”, não reivindica a autoria de sua criação. Entre os maias, os poetas não assinam seus versos, mas oferecem sua palavra para manifestar a voz da sua gente e de todos os humanos seres.
en este mundo digo,
iguales son los cuerpos,
hermanos somos todos
de una humanidad.
Hay blancos y morenos
bambaras, chinos, indios,
hermanos somos todos
de una humanidad.
Por ello ya nosotros
debemos aprender
la lengua que es de ellos
que nos respeten ya.
También les toca a ellos
el mismo aprender
la lengua que es de nosotros,
hermanos, pues, seremos.
Texto: IELA
Texto: Elaine Tavares
Texto: IELA
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