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A contra-revolução latino-americana em marcha

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Por IELA em 13 de outubro de 2009

A contra-revolução latino-americana em marcha
Por Rodrigo Castelo Branco –  Pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas José Ricardo Tauile (LEMA), do Instituto de Economia da UFRJ. Doutorando da Escola de Serviço Social da UFRJ. Professor do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA).
“O golpe se deu em Honduras, mas afeta a toda a América Latina e o Caribe, porque nos está indicando que esse passado omnioso não ficou bem sepultado e que a ousadia de nos declarar-nos independentes e soberanos não é perdoada. Não se pode tirar outra conclusão dos acontecimentos hondurenhos, onde o golpe militar foi a resposta ao propósito de fazer desse país uma nação mais justa, onde os setores populares tivessem voz”. Frida Modak, jornalista e ex-secretária de imprensa
do presidente Salvador Allende
13.10.2009 – Desde o final dos anos 1990, a América Latina experimenta avanços democráticos em algumas nações da região, todos eles conquistados por ampla mobilização popular. Diversos sujeitos históricos (res)surgiram na cena política e demandaram novas institucionalidades que atendessem seus interesses econômicos, políticos e culturais. Venezuela, Bolívia e Equador são os exemplos mais significativos do recente avanço das lutas populares na Nuestra America.
Já em outros países, como Brasil, Chile, Argentina e Uruguai, assistimos a transição das ditaduras para regimes democráticos, nos quais setores da antiga resistência às autocracias assumiram o poder mas não foram capazes em avançar no desmonte das estruturas oligárquicas montadas há tempos imemoriais. Nestas nações prevaleceram governos de feição social-democrata com práticas efetivas de antigos dirigentes de direita, uma mescla sui generis que resulta no social-liberalismo, um liberalismo com uma suposta agenda social.
Apesar das significativas diferenças existentes entre os dois blocos de países supra-citados – uns trilhando o caminho do socialismo do século XXI, outros o novo-desenvolvimentismo –, podemos perceber um avanço da democracia no continente latino-americano, marcado constantemente por golpes executados pelas elites locais sob o patrocínio do imperialismo estadunidense.
Tudo parecia caminhar para uma polarização relativamente pacífica e democrática entre o novo-desenvolvimentismo e o socialismo do século XXI. O avanço democrático experimentado nos últimos anos na América Latina, entretanto, com todos os seus percalços, limites e possibilidades, soou um aviso de incêndio nas elites locais. Na cabeça das classes dominantes, era preciso acionar o freio e parar o avanço das forças populares, que tiveram a ousadia então inimaginável de recolocar o socialismo como palavra de ordem e programa político.
A autocracia burguesa latino-americana, tão bem descrita na obra de Florestan Fernandes, ensaia novas experiências diante da guinada à esquerda da região. A contra-revolução autocrática começou a ser orquestrada e operacionalizada no centro da democratização latino-americana. O golpe que Chávez sofreu em 2002 alçou no poder, com o apoio dos EUA e do FMI, um típico representante das elites venezuelanas. Em menos de uma semana, um milhão de venezuelanos tomaram as ruas de Caracas e exigiram, com a Constituição do país nas mãos, a volta do presidente eleito. Assim foi feito, e Chávez retornou às suas funções presidenciais. Isto, contudo, não significou o fim da contra-revolução autocrática na América Latina. Era apenas o primeiro round de uma intensa batalha que perdura até hoje e não nos dará trégua tão cedo, pelo menos enquanto durar o nosso objetivo de superação da dependência e do subdesenvolvimento capitalistas.
O segundo round aconteceria na Bolívia. Após sucessivas derrotas eleitorais e políticas, as elites dos departamentos mais ricos do país iniciaram um processo de separatismo e de criminalização dos movimentos sociais indígenas. Lideranças e militantes foram mortos e uma conspiração elitista passou a ser tramada no país. Após uma onda perturbadora de incidentes e crimes contra as organizações populares, o movimento separatista perdeu força e não parece ter forças de impedir a reeleição de Evo Morales, que saiu fortalecido de todo este processo.
O terceiro round foi orquestrado no norte do continente. Em julho de 2008, após mais de 50 anos extinta, a Quarta Frota da marinha estadunidense foi reativa. Esta foi uma demonstração velada, e ao mesmo tempo, contundente, do profundo desconforto nutrido pelos Estados Unidos com os rumos políticos de países ao sul do Rio Grande. Nenhum grande destacamento naval foi dirigido para a região, mas o governo estadunidense sinaliza que pode fazê-lo caso a situação política saia do seu controle imperial.
O quarto round constitui-se em mais uma ingerência estadunidense na América do Sul. Na Colômbia, o presidente Uribe deferiu o pedido da Grande Águia do Norte de instalação de sete bases militares no seu país. A alegação oficial é o combate ao narcotráfico, a mesma desculpa usada no passado pelo Plano Colômbia, que nada mais foi do que um plano de combate às guerrilhas regionais.
De acordo com os fatos elencados, podemos dizer que os conflitos políticos estão cada vez mais se deslocando para o plano militar. A democracia latino-americana, impulsionada por governos revolucionários e antiimperialistas, são crescentemente ameaçada pelo poder das armas e do grande capital. Estamos, assim, diante de uma militarização da “questão social” latino-americana. Com isto, o investimento em armamentos na região tem crescido nos últimos anos, e valiosos recursos, que deveriam estar sendo aplicados em saúde, educação, habitação, saneamento, transportes etc., estão sendo desviados para combater a contra-revolução em marcha, ameaçando o aprofundamento do combate às expressões mais agudas da “questão social”.
A resposta popular foi, surpreendentemente, não o recuo, mas o avanço político das reformas propostas. Não se deu um passo para atrás, mas marchou-se dois para frente. Ou seja, diante da militarização da “questão social”, tivemos a radicalização das demandas populares. Frente a esta radicalização, temos uma outra, liderada pelas oligarquias regionais. A resposta das classes dominantes não foi no estilo panis et circenses, mas sim o estilo do bocal do fuzil. Honduras surge neste clima de necessidade de saídas golpistas, de decretação de estados de sítio para a contenção dos avanços populares, alguns deles caminhando para a revolução socialista.
O que está se desenhando na América Latina não é um circo cômico, conforme apontam certas análises da grande mídia brasileira. A luta política disputada entre socialistas, novo-desenvolvimentistas, social-liberais e contra-revolucionários não é um jogo de amadores, nem muito menos de palhaços. Estamos diante de uma contra-revolução cada vez mais forte e armada. Honduras é, até o momento, a experiência autocrática mais bem-sucedida, embora demonstre sinais de esgotamento ou, pelo menos, de arrefecimento. Lá está em jogo o futuro da democracia e dos avanços sociais conquistados a duras penas nos últimos anos na América Latina.

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