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O Brasil devastado

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Por Elaine Tavares em 24 de julho de 2025

O Brasil devastado

Foto: Mayke Toscano/Secom-MT

No mesmo dia em que se comemorava o Dia de Proteção as Florestas o Congresso Nacional votou e aprovou o chamado PL da Devastação, um projeto de lei que permite a empresas consideradas de baixo e médio risco obter licenças ambientais apenas com um documento de auto declaração alegando que as obras que por ventura venham a empreender não causarão prejuízo ao meio ambiente. Com um único formulário o empresário fica dispensado de estudos de impactos ambientais e de medidas compensatórias. Ora, se hoje, com órgãos ambientais especializados já acontecem aberrações na liberação de licenças imaginem confiar na palavra de um empresário que quer, obviamente, lucrar? Segundo a lei aprovada, apenas os negócios de “alto risco” é que precisarão de acompanhamento. Bueno, mas quem julga o risco? Não se sabe.

A lei também define que se uma obra for declarada estratégica pelo governo de plantão, ela terá uma licença especial, igualmente livre de estudos de impactos. Há isenção para 13 tipos de empreendimentos de risco, principalmente se for para “melhorar” obras de infraestrutura que vão desde estradas até grandes hidrelétricas.

Também ficam de fora de proteção as áreas indígenas, quilombolas e ribeirinhas ainda não regularizadas, o que significa que muitos desses espaços – ainda em processo de luta – poderão ser eliminados sem qualquer defesa caso algum empresário ou governo queira usar a área para obras estratégicas.

Os maiores beneficiados por esta lei são obviamente os fazendeiros e mineradores, sempre em busca de expansão para suas plantações ou espaços de exploração mineral. Mas, as cidades também podem ser muito afetadas visto que uma lei federal suplanta as leis municipais como os planos diretores. Isso significa que, em nome do tal do desenvolvimento, os predadores poderão aumentar a área de desmatamento e inclusive fazer com que áreas de proteção ambientais sejam simplesmente devastadas. Ou seja, ao fim e ao cabo, não haverá limite para a destruição.

Na votação do Senado, foram 54 votos contra 13 e na Câmara de Deputados, na qual a votação aconteceu de madrugada, foram 217 a favor e 116 contra. Os números mostram o tamanho do poder dessa gente, a maioria é esmagadora, sem qualquer chance de reversão. Além disso, a reação a este PL acabou sendo bastante pífia, sem o engajamento de sindicatos, centrais sindicais ou partidos de esquerda. Os atos que aconteceram, e foram muitos por todo o país, foram organizados no mais das vezes por entidades ambientais e movimentos de proteção da natureza. Não foi possível alcançar uma organização massiva nacional e tampouco foram organizados protestos junto ao Congresso Nacional. Como tem sido praxe, os protestos foram mais virtuais que presenciais e, sem o bafo da multidão no cangote, os senadores e deputados ficaram livres para votar sem qualquer medo.

Agora, as correntes virtuais iniciaram um movimento de “Veta, Lula”, o que é outra ilusão. O governo não sinalizou em nenhum momento ser contra o PL e ainda que o partido do presidente tenha votado contra, é mais do que sabido o interesse governamental na exploração do petróleo na região amazônica, coisa que poderá ser feita agora sem os “entraves” das instituições ambientais. Por isso é muito pouco provável que Lula vete o projeto. Pode haver veto a um ou outro artigo da lei, mas a sua essência permanecerá. Isso abre um imenso ponto de interrogação sobre o que pode acontecer a partir de agora no país. Quem poderá deter os já conhecidos predadores do ambiente?

Sem o anteparo de instituições ambientais a luta contra a destruição terá de ser travada no corpo-a-corpo. Cada comunidade atacada, cada cidade dominada, precisará encontrar caminhos de enfrentamento e luta, o que torna a situação ainda mais grave, porque será uma espécie de “cada um por si” sem uma articulação capaz de totalizar o descontentamento. Isso torna o PL da devastação um instrumento de terra arrasada, não apenas no campo do meio ambiente, mas também no movimento popular que vai acabar travando as lutas de maneira fragmentada, com chances muito apertadas de vitória.

Provavelmente a única maneira de pressionar o presidente Lula seria a realização de grandes atos em Brasília, ou onde quer que ele fosse, com muita gente jogando bafo no seu cangote. Mas, quem, hoje, nas condições que estamos teria cacife para organizar algo assim? Ainda mais num momento em que todos os olhares estão para a “briga” entre Brasil e EUA no caso das tarifas. Na mídia só se fala disso. O PL da Devastação já é passado. O que resta é a campanha virtual, nas bolhas. E, seguindo assim, é pouco provável que aconteçam mudanças significativas.

Tudo o que temos e que teremos é a gente mesmo. A sorte é que as gentes em luta sempre encontram caminhos… Haveremos de encontrar… Precisamos encontrar…

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