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A violência e a paz dos mortos

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Por IELA em 05 de abril de 2007

05/04/2007
Por Juan Manuel Otalora e Fernando Augusto de Assis – pesquisadores no IELA
Os problemas da violência nas populações periféricas das cidades metropolitanas da América Latina têm demandado atenção como conseqüência do incremento das ações de grupos organizados de diferentes índoles, alguns com um caráter político definido, outros com uma maior influência do narcotráfico, e controle territorial dos mercados. Estão transcendendo com força as fronteiras das favelas e regiões da periferia para os centros das cidades e influenciando para interromper as “tranqüilas” relações do capital.
Hoje em dia as classes dominantes e setores mais reacionários da sociedade analisam a violência como se ela acontecesse por geração espontânea, e através da mídia geram uma série de estratégias para manter a população acreditando que as pessoas que moram nestas regiões são “violentas por natureza”. Neste sentido, as ações dos órgãos do Estado respondem de dois jeitos diferentes. Em nível interno, dentro das regiões periféricas, “favelas, comunas, vilas”, primeiro trabalham uma etapa de repressão massiva, com fortalecimento das forças armadas e eliminação seletiva – dentro do possível – dos “cabeças” e integrantes dos grupos. Isso geralmente é acompanhado de ações de tipo cívico-militar e com o apoio de ingresso de ONGs e igrejas que cumprem o papel de apaziguadores das massas populares, fazendo ações de tipo corporativo, o qual facilita o controle do Estado sobre a população.
Em nível externo, a estratégia se estrutura basicamente na geração de um ambiente de apoio massivo às diferentes medidas e em ações de tipo fascista, no âmbito legislativo, com uso do orçamento para construção de cadeias, centros juvenis e centros de convivência; e, em alguns casos, investimento em infra-estrutura (escolas, ruas, teleféricos), com dois objetivos básicos: melhoramento e qualificação da mão de obra e melhoramento da mobilidade da mesma, apontando o controle territorial nas favelas, sem solucionar os problemas básicos das mesmas.
A cidade de Medellín, na Colômbia, é talvez um dos melhores exemplos deste tipo de estratégia. Localizada no centro-oeste da cordilheira central, esta cidade, com mais de quatro milhões de pessoas, tem sido o cenário dos conflitos mais fortes na Colômbia, passando pela guerra entre os cartéis de drogas, na década de oitenta, e a guerra contra a insurgência e milícias populares dos grupos de esquerda, durante as últimas décadas.
Esta guerra é desenvolvida pelas forças regulares e irregulares das classes dominantes que dirigem o Estado, cujo exército, polícia, e grupos de paramilitares, têm executado cabalmente. Durante os últimos 10 anos, os grupos paramilitares, em conjunto com forças do Estado, deslocaram os grupos de esquerda em Medellin através de assassinatos massivos e seletivos de diferentes líderes comunitários em oposição ao governo, exercendo o controle total de diferentes atividades econômicas, implantado a paz dos mortos, uma paz que não elimina o problema do narcotráfico, mas que simplesmente faz com que mude de dono. Além disso, controla as lutas populares, chamadas de “vandalismo e/ou terrorismo” e impõe a lei do medo e da morte nas regiões periféricas.
Hoje em dia, o problema da violência no Rio de Janeiro se expressa de um jeito muito parecido com o da Colômbia. O governador do Estado, Sergio Cabral, durante a visita que fez à cidade de Medellín – juntamente com Aécio Neves, de Minas Gerais e José Roberto Arruda, do Distrito Federal – disse à mídia que ficou impressionado com o modelo de desenvolvimento das comunidades carentes de Medellín.
O que realmente é curioso é que – independentemente da boa impressão do governador carioca sobre a tecnologia de transporte via “metrocable” e a construção de escolas nas regiões de Medellín – foi o fato de Banco Interamericano de Desenvolvimento, dirigido atualmente pelo colombiano Luis Alberto Moreno, se oferecer para enviar uma equipe de especialistas para o Rio de Janeiro, com o objetivo de avaliar a adaptação e aplicação dos programas de “segurança cidadã” consagrados na Colômbia. O objetivo, segundo Moreno, é levantar, com as autoridades do Rio de Janeiro, a possibilidade de projetos que poderão ser financiados pelo banco.
Não satisfeitos com a visita, os governadores brasileiros ainda conheceram um dos prefeitos mais questionados por corrupção na Colômbia, de nome Enrique Peñaloza, que se caracterizou pelo modelo urbanístico já bastante conhecido de ocultar a pobreza e a miséria na capital, Bogotá. Talvez qualquer semelhança com as estratégias do tucanato para “resolver” o problema da “cracolandia” em São Paulo, não seja mera coincidência, mas sim as claras evidências da ideologia comungada por lideranças de metrópoles comprometidas com o reformismo fascista.
A visita dos governadores se deu ainda em meio a escândalos no Governo de Álvaro Uribe, pois vários dos congressistas e políticos mais chegados ao governo estão em processo judicial por vínculos e financiamento a grupos paramilitares, grupos de bárbaros assassinos na Colômbia. Para finalizar, seria bem interessante que o governador Arruda conhecesse o “teleférico” da cidade de Caracas, na Venezuela, que conta com um modelo de desenvolvimento tecnológico para melhorar as condições de vida da gente historicamente esquecida e, quem sabe, pudesse observar como as diferentes missões desenvolvidas pelo governo revolucionário na Venezuela, têm levado saúde, educação, trabalho em geral – como direito e não como esmola – onde as cifras da violência reagem de acordo o empoderamento e liberdade das comunidades com poder popular.
Nossas lideranças precisam ser pressionadas a reconhecer de maneira definitiva, que as reivindicações históricas, conscientes e inconscientes dos trabalhadores e das classes marginalizadas se referem à democratização radical do poder econômico e decisório, bem como da revisão total do significado do gasto público, ou será que estamos equivocados, e o governador Arruda gosta mais da paz dos mortos? As gentes do Brasil precisam fazer-se essa pergunta.

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