Os fragmentos da esquerda
Texto: Michel Goulart da Silva
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Foto: ONU
A resolução deste impasse histórico em que nos encontramos não será de curto prazo, nem sairemos ilesos. É uma crise histórica dentro de outra crise civilizacional, mais ampla, complexa e contraditória.
A Assembleia Geral da ONU, que ocorreu nos últimos dias, é um espelho do mundo em que vivemos. Mostra, por um lado, que o período que se abriu após a Segunda Guerra Mundial, da qual ela própria é resultado, acabou. O próprio Secretário-Geral António Guterres deixou claro em seu discurso: a ONU foi criada para tentar evitar a enorme destruição e morte causadas pela conflagração global, e era um reflexo do equilíbrio de poder que havia sido alcançado. Mesmo os menos informados percebem hoje que esse equilíbrio de poder está em um claro processo de mudança que não encontra expressão no órgão máximo da organização, o Conselho de Segurança.
Apesar disso, os Estados Unidos continuam sendo a potência dominante mundial. O são econômica e militarmente, e sua posição preponderante ficou clara na própria organização com um ato simbólico: o presidente americano Donald Trump, sem pedir, arrogou-se quase uma hora de discurso, quando cada um dos oradores, incluindo ele próprio, havia recebido 15 minutos. Obviamente — dada a posição dominante dos Estados Unidos, que normaliza o abuso, e a própria personalidade do atual presidente — Donald Trump não se desculpou.
Mas o descontentamento em torno do presidente americano também era evidente, igualmente simbolicamente: a escada rolante que ele deveria usar com a esposa para o salão de sessões onde faria seu discurso parou exatamente no momento em que ambos subiram. Então, o teleprompter que ele deveria usar para ler parou de funcionar corretamente. E, finalmente, o sistema de som do grande salão parou de funcionar, deixando apenas aqueles com fones de ouvido conseguindo ouvir. Coincidência? Duvidamos; não aconteceu com mais ninguém.
Guterres listou algumas das questões e problemas que considera prioritários neste momento crucial para a humanidade. A principal, a de maior duração, a que verdadeiramente coloca uma espada de Dâmocles sobre a cabeça da espécie humana, é a mudança climática, que, segundo Guterres e a comunidade científica internacional, tem um prazo de resolução peremptório que está se esgotando. Trump nega a mudança climática e baseia seu modelo para tornar a “América grande novamente” não apenas na superexploração dos recursos energéticos existentes à base de petróleo, mas também na reversão de políticas apoiadas pela ONU em sua Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Estamos testemunhando um momento crítico. Diante da crise da ordem mundial existente, esses lunáticos tipo Trump estão emergindo, exacerbando-a e aumentando o risco de catástrofes com consequências incalculáveis. Estamos, portanto, diante de uma era extremamente arriscada, que pode levar a uma mudança radical não apenas na civilização, mas na própria espécie humana. Nunca antes na história da humanidade enfrentamos um risco dessa magnitude.
Alternativas a esse curso descontrolado estão surgindo lentamente e sem poder suficiente para detê-lo. Associações de países grandes e poderosos, mas de segundo escalão, buscam estabelecer relações que promovam uma ordem mais equitativa, mas essas são tentativas tímidas, baseadas em necessidades prevalecentes, que exigem decisões decisivas e firmes.
A América Latina é o campo de caça da potência dominante. Aqueles que se comportam de acordo com suas necessidades recebem bajulação e apoio. Aqueles que contradizem e se orientam em uma direção que não gostam recebem um porrete. Esses são os casos paradigmáticos da Argentina e da Venezuela.
A resolução deste impasse histórico em que nos encontramos não será de curto prazo, nem sairemos ilesos. É uma crise histórica dentro de outra crise civilizacional mais ampla, complexa e contraditória. As duas se alimentam mutuamente e tornam a perspectiva mais difícil. O produto da confusão, do medo e da raiva que ambos provocam, combinados entre si, é o tipo de espécime político que chega ao poder e contribui ainda mais para aprofundá-lo. Seria preciso muita equanimidade, cabeça fria, serenidade, compreensão da situação em que nos encontramos e pragmatismo político para avançar. É isso que mais falta.
Texto: Michel Goulart da Silva
Texto: IELA
Texto: Maria Eduarda Furlanetto - estagiária de Jornalismo
Texto: Rafael Cuevas Molina - Presidente AUNA-Costa Rica