Bolívia se prepara para a eleição presidencial
Texto: Elaine Tavares
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Candidato Andrónico Rodríguez – Crédito: Jorge Bernal / AFP
Quando Hugo Chávez surgiu como uma novidade na política latino-americana em 1998 ele tinha um horizonte bastante claro: o socialismo. Estava determinado a realizar na Venezuela as mudanças estruturais que o país necessitava. Daí ter aparecido como um furacão, aprovando uma nova Constituição e inovando no protagonismo do mando. Na Venezuela bolivariana o poder popular passou a ser o mais importante. A partir daí nacionalizou a PDVSA e o dinheiro do petróleo começou a financiar as mudanças. Não foi sem razão que sofreu um golpe em 2002 e, mesmo tendo debelado a trama, passou a sofrer ataques sistemáticos por parte dos Estados Unidos, o que começou a atrasar os câmbios. Ainda assim, sua força política e sua liderança abriu uma estrada larga para novas propostas na América Latina e em vários países assomou o que depois foi cunhado como progressismo, ou seja, governos com propostas mais à esquerda.
Por aí vieram Lula, Evo Morales, Nestor Kirchner, Tabaré Vásquez, Mel Zelaya, Pepe Mujica, Fernando Lugo, Pedro Castillo e outros. Desafortunadamente os caminhos escolhidos não chegaram nem perto da radicalidade proposta por Chávez. A lógica era a da conciliação de classe e mudanças cosméticas, sem alcançar a estrutura. Depois de 2013, quando Chávez morre, o que já era fraco vai se deteriorando ainda mais. O progressismo, sem dar respostas concretas aos trabalhadores, a maioria da população, abre caminho para o fortalecimento da ultra direita e a América Latina vai sendo retomada pela velha classe dominante, com um agravante: as práticas dos governos, calcadas nas pautas morais, no conservadorismo e na religião, fazem florescer o que há de pior nas gentes. Por aí chegamos a um Jair Bolsonaro, no Brasil, um Naiyb Bukele, em El Salvador, um Milei, na Argentina. Pouco a pouco a proposta progressista vai caindo como um castelo de cartas.
Para este ano poderemos ver a direita crescer também na Bolívia, país que viveu mudanças extraordinárias a partir das grandes revoltas populares que levaram à eleição de Evo Morales em 2005. A população enfrentou um golpe de estado em 2019 e respondeu com a eleição do candidato do MAS, Luis Arce, então aliado de Evo. Mas, atualmente, a situação no país não está nada boa e o que era um monólito vai se desfazendo com as disputas internas entre Evo e Arce, o atual presidente. Essa contenda pode levar ao fim do ciclo progressista que resistiu 20 anos e que, ainda que tenha realizado mudanças, não chegou a transformar as estruturas do estado.
As últimas pesquisas divulgadas na mídia boliviana apontam como pouco provável que a esquerda chegue ao segundo turno das eleições que serão realizadas no próximo mês de agosto. Os números indicam que os candidatos da direita, o empresário do cimento Samuel Doria Medina e ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, são os que têm mais chance de disputar a presidência num provável segundo turno, cada um com mais de 20% das intenções, enquanto o MAS – que dirigiu a chamada revolução cultural – pontua apenas cerca de 2%. Evo Morales, que pleiteava disputar a eleição por outro partido, colocando-se mais à esquerda que o MAS, está fora da disputa. O candidato mais próximo de representar a esquerda – ou o progressismo – é Andrónico Rodríguez, que vai precisar da força do voto silencioso – que não se expressa – para ultrapassar os 14% que apresenta. Neste cenário existem aí perto de 30% de votos que pendem entre o nulo e a indecisão. Nesse reduto Andrónico pode crescer.
O analista Carlos Figueroa Ibarra, escrevendo para o sítio “Con Nuestra América”, coloca a crise econômica como o primeiro fator para uma possível derrota do projeto plurinacional iniciado pelo MAS. “No meu trajeto desde El Alto a La Paz, depois de ter aterrissado vindo de Santa Cruz, o taxista que me leva diz que a inflação alta, a desvalorização do dinheiro e a falta de combustível têm gerado grande descontentamento no povo. A causa disso tudo é a drástica queda das exportações (cerca de 60%) e o preço do gás que caiu 50%. Durante muitos anos o gás representou entre 40 e 50% das exportações. Hoje não chega a 25%”, aponta.
O povo boliviano é afeito a rebeliões, como já bem assinalou o teórico que Rene Zavaleta e não é segredo para ninguém que quando as coisas não caminham bem, as revoltas assomam. Foi assim na famosa “guerra da água”, que impediu a privatização do sistema de abastecimento do serviço em Cochabamba ou na “guerra do gás” que resultou na expulsão do presidente Sánchez de Lozada. E agora, ainda que as cicatrizes do golpe de 2019 sigam visíveis, pode ser bem possível que os eleitores votem na direita “para mudar o rumo das coisas”.
De qualquer forma há que se ver com cautela os números das pesquisas, pois, como se sabe, elas nada mais são do que prognósticos destinados a apontar caminhos para os votos e muitas vezes não conseguem alcançar a opinião dos indígenas ou dos camponeses. A briga entre Arce e Evo causou muito estrago, mas, o candidato da chamada esquerda, Andrónico, que é jovem e tem um bom trabalho como senador, pode surpreender se os eleitores conseguirem fazer uma boa leitura do futuro que os espera com uma provável vitória da direita. É fato que as reservas de gás estão se esgotando e isso é um grande problema para a economia boliviana, mas está em expansão a extração do lítio, uma espécie de ouro branco dos tempos atuais já que as novas tecnologias dependem desse mineral. E a Bolívia tem a maior reserva de lítio do mund0, com capacidade de 23 milhões de toneladas. Um presidente de direita não só pode garantir a exploração a qualquer custo, causando conflitos com as comunidades camponesas e indígenas, como pode entregar as reservas para os Estados Unidos, coisa bastante comum na história da Bolívia.
Então, observando a redução de danos, o nome de Andrónico Rodríguez ainda pode ser a melhor opção visto que pode unir as forças de esquerda que hoje estão esfaceladas. Não será mais do que o progressismo decadente, mas pode oferecer maior campo de manobra para o movimento popular.
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