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Brasil: a volta do satélite privilegiado e o velho pan-americanismo?

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Por IELA em 19 de novembro de 2018

Brasil: a volta do satélite privilegiado e o velho pan-americanismo?

General Golbery chegando ao congresso nacional para promover a idolatria fetichista da “democracia do possível”, a “democracia do viável”. Arquivo O GLOBO 01/03/1981.

No livro A Crise do Poder no Brasil (1961), Alberto Guerreiro Ramos descreve como o entreguismo é uma ciência que tem seus doutores, pontífices e insígnias universitárias. O anúncio do embaixador Ernesto Fraga Araújo como futuro chanceler do Brasil vem acompanhado da oportunidade em reafirmar o que deveria ser um lugar comum, mas pela surpresa e repercussão gerada na mídia e redes sociais, parece que não: os quadros técnicos da burguesia brasileira, seja o Banco Central, Ministério da Fazenda ou Itamaraty, são, em sua essência, destinados a vender o país no mercado internacional. 
A despeito de certo romantismo universitário, o Itamaraty é uma das mais entreguistas instituições que contribui objetivamente com seu trabalho para o êxito de empreendimentos lesivos aos interesses nacionais, bastaria citar Roberto Campos, Otávio Gouveia de Bulhões e José Guilherme Merquior — reverenciados pela instituição —, personagens que nunca acreditaram no Brasil e que estiveram sempre na defesa da entrada de capitais estrangeiros no país e de “ajuda” externa.
Neste artigo vamos resgatar a obra de Paulo R. Schilling e sua denúncia  (1981) à geopolítica do General Golbery e à Diplomacia do Itamaraty, que, em nossa hipótese, volta a ordem do dia com as nomeações de Sérgio Etchegoyen e José Serra ainda em 2016 e que certamente irá se aprofundar nos próximos anos, na medida em que o Brasil protagoniza o papel de “delegado”do Departamento de Estado, do Pentágono, e de Wall Street na América do Sul. 
O obscuro 12 de maio 2016 
Em 28 de outubro de 2018, os brasileiros votaram para a escolha do presidente da república, já de entrada, destacamos que não pretendemos fazer uma análise do processo eleitoral, haja vista que nosso objetivo é lançar luz sobre personagens que emergiram no bloco histórico ainda no afastamento (governo) de Dilma Rousseff, na ocasião de 180 dias, até ser golpeada definitivamente no Senado Federal.
É durante o governo interino de Michel Temer que a alta cúpula das Forças Armadas se apresenta no palco político na nova república, com a nomeação (no dia 12 de maio) do general Sérgio Etchegoyena para o cargo de Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Concidentemente, é a mesmíssima data em que um dos personagens mais obscuros da história do Brasil assume o ministério de Relações Exteriores, isto é, o – como diria Ruy Mauro Marini – ufanista de burguesia José Serra Chirico, marcando algo que também deveria ser senso comum, que é a correspondência entre diplomacia e defesa.
Seria impossível esgotar tão extenso assunto neste escrito, todavia é importante salientar que até 1831 o Brasil – do ponto de vista militar – era constituído por forças militar estrangeiras. Batalhões mercenários (com corretagem Inglesa) funcionais ao esmagamento de motins internos e conflitos com países vizinhos (guerra contra Rosas, por exemplo). 
Da fase Nacional
Segundo o nosso General Nelson Werneck Sodré (2010), uma organização militar acompanha de perto a montagem do aparelho de Estado, e, no caso brasileiro, “a Independência não foi uma revolução, no sentido de que não alterou a relação entre classes”. À medida em que as Forças Armadas vão se consolidando, com recrutamento de alto a baixo na população brasileira,  no seu núcleo vão se inserindo indivíduos oriundo de classes médias, em especial com a fundação do Exército após a guerra com o Paraguai — até então só existia a Marinha com a sua nítida posição de classe anti-povo —, se constituirá uma categoria com certo grau de autonomia, um corpo organizado, que, apesar de tudo, permitirá às Forças Armadas ser instrumento de movimentos de vanguarda, incluso em alguns pontos sendo enclave para a classe latifundiária.
Nunca se deve esquecer que o nosso general marxista discordava da interpretação de que o movimento pela República foi acidental, “circunstâncias de gabinete”, com o “povo assistindo a tudo bestializado”. Para Sodré (2010), a narrativa que ridiculariza a República e seu conteúdo popular cumpre o papel (muito conveniente para determinada oligarquia) de tornar invisível que a concepção republicana correspondia os anseios políticos das classes e camadas sociais no Brasil desde os fins do século 18.
No governo Deodoro da Fonseca (1889 – 1891), mais acentuadamente no bonapartismo de Floriano Peixoto (1891 – 1894), princípios progressistas e industrialistas que colocavam o Latifúndio contra o Exército, uma vez que era necessário conter uma possível radicalização republicana, regressando ao regime de farsas eleitorais, passaram a ser percebidos. 
O florianismo estava vivo ainda na Coluna prestes e no Tenentismo. O cineasta anti-imperialista-varguista Glauber Rocha, dispara, em 1974, para escândalo da esquerda cebrapeana frases como “Sou militarista terceiro-mundista e comprei capa verde numa boutique de Saint Germain. Sou sobretudo florianista e acho que o Exército é o legítimo representante do povo”. 
Ainda em 1974, ele diz que na “história do Brasil, da Proclamação da Independência até hoje, […] o Exército desempenhou em várias fases decisivas um papel progressista, como na abolição da escravatura, na Proclamação da República e na Revolução de 30” que, segundo ele, ainda estava em curso, não tendo se encerrado.
O Satélite Privilegiado
A cooptação dos militares brasileiros ocorre de forma concreta, na segunda guerra mundial, seja pela ocupação ianque no Nordeste, ou como força subordinada na Itália. 
Após a guerra, vários são os militares que recebem bolsa de estudo e/ou prebendas para ir ao Estados Unidos, precedendo uma tática que será usada com Sociólogos e Sindicalistas na década de 70 e com Juízes mais contemporaneamente. 
Um evento essencial para a “pentagonização” do Exército Brasileiro foi, sem dúvida, o racha entre “nacionalistas” e “entreguistas” em volta da questão do petróleo. O primeiro grupo, composto por Nelson Werneck Sodré, o grande Estillac Leal e Horta Barbosa, os quais saíram vitoriosos, empreenderam um duro golpe no interesse dos monopólios internacionais, isso já em um contexto de guerra fria. A reação foi ferros! Se montou uma grande conspiração:  1952 é um ano chave,  é quando o general Golbery do Couto e Silva lança o seu famoso livro Geopolítica do Brasil, nele constando a política de “satélite privilegiado”, horizonte oficial (a ser buscado) por Itamaraty e FF.AA brasileiras. 
De forma prática, se monta uma organização intitulada “Cruzada Democrática”, destinada a afastar o Clube Militar das influências tidas por esses de totalitárias anti-Estados Unidos. Advogavam por um “nacionalismo sadio”. Tal movimento contou com repercussão de jornais como New York Times (SODRÉ, 2010, p. 400).
O clima de chantagem e violência contra os nacionalistas contou com apoio principalmente da elite empresarial, a queda e perda de prestigio de Estillac Leal são o prenúncio do golpe de 1954. Assim, emerge ao público o general Alcides Etchogoyen, que instrumentaliza politicamente as Forças Armadas, talvez o último suspiro de nacionalismo no Exército antes do golpe civil-militar empresarial de 1964, foi protagonizado pelo III Exército e o general José Machado Lopes, na Campanha da Legalidade em 1961.
De acordo com nosso general Nélson Werneck (2001), o golpe de estado idealizado pela FIESP e executado em 1964 acarretou três consequências: 1) Autofagia militar, uma vez que os militares deram um golpe contra si mesmos. 2) Teve início o processo de desestatização da sociedade brasileira. 3) Engendrou um abismo entre civis e militares.Geopolítica Band-Golbery
O general pró-Monroe Doctrine e anti-Perón teoriza o tal satélite privilegiado (ou sócio menor, ou, ainda, as fronteiras ideológicas). Tudo cientificamente elaborado pela Escola Superior de Guerra, sendo isso a racionalização da práxis bandeirante, isto é, o movimento de conjugar interesses internos ao do imperialismo.
O espírito bandeirante foi parça Português, Inglês e da Standard Oil Company para suicidar Getúlio Vargas. 
A dualidade que caracterizou a ação dos bandeirantes prevaleceu ao longo da história brasileira. A conjunção dos interesses particulares e aqueles da pilhagem colonial – posteriormente do imperialismo – determinaram a política do Brasil independente.  
A norte-americanização do Brasil foi a pari passu da hegemonia cultural bandeirante – TV Bandeirante, Record, Silvio Santos, Funk ostentação e MBL.
Para Paulo Schilling (1981), a incapacidade em ocupar e povoar o hinterland brasileiro – civilização de caranguejos – pois ficou limitada às franjas litorâneas, deu margem a um fenômeno geopolítico interessante: quem expandiu em profundidade o império português na América, quem efetivamente conquistou e incorporou à coroa lusa um território de vários milhões de quilômetros quadrados, não foram os conquistadores europeus, mas sim seus descendentes nascidos no Brasil, mestiços ou puros, os bandeirantes. 
Os bandeirantes não foram instrumentos conscientes do colonialismo português. Tinham propósitos e interesses próprios. Quando conquistavam a Amazônia, ou destruíam as missões jesuíticas ao sul, não pensavam em “aumentar a glória e a riqueza da coroa de Portugal”, nem mesmo em “propagar a fé cristã”. O objetivo consistia em descobrir ouro, prata, pedras preciosas, capturar e escravizar índios.
Contudo, as ações dos paulistas terminavam por servir aos interesses do colonialismo luso. 
Sem embargo, contrárias aos bandeirantes, as classes dominantes brasileiras atuais e seus representantes técnicos atuam conscientemente – o que Guerreiro Ramos classificava como entreguismo por interesse. 
Desse modo, a estratégia continental brasileira, com raros momentos de exceção, foi estabelecida em função da composição dos interesses nacionais e metropolitanos. 
O golpe militar de 1º de abril de 1964 e o processo de Industrialização Recolonizadora estão relacionados à satelitização nacional e regional vinculada às inversões diretas de capital estrangeiro (sindicalizado no complexo Fiesp-Ciesp) visando o processo de produção industrial obsoleta. Por conseqüência, a eliminação das forças nacionalistas populares e as teses da Escola Superior de Guerra passaram a constituir a estratégia do Itamaraty e dos militares brasileiros para a América Latina.
Castelo Branco – exaltado pelo general Mourão, vice-presidente eleito – condenava o culto à soberania e nomeou dois diplomatas de carreira (Campos e Bulhões) para intermediarem a “modernização” do Brasil via empresas multinacionais.
Para Castelo Branco e seus ilustres assessores diplomatas, o Brasil devia raciocinar a partir dos marcos de uma soberania relativa. “As fronteiras físicas entre países americanos são antiquadas: a hora exige o sacrifício de uma parte da soberania nacional; a interdependência deverá substituir a independência”.
De volta ao Pan-Americanismo?
The Monroe Doctrinen está desde sempre nas relações exteriores brasileiras, não à toa o diplomata Oliveira Lima escreve um livro sobre pan-americanismo e dedica ao Barão do Rio Branco. 
A doutrina Monroe (1823) “América para os americanos”, que tanto encantou o Barão do Rio Branco, assim como as conferências pan-americanas, e que segue fascinando os tecnocratas do Itamaraty, não é muito bem uma doutrina, é uma declaração unilateral, uma política de Estado que consiste não só em negar, como também impedir a Pátria Grande, sonhada por San Martin, Bolivar, Artigas, Ugarte.
O pan-americanismo requentado por José Serra (sonhador da Alca), Aloysio Nunes e que terá prosseguimento com Ernesto Fraga não objetiva a pátria Grande, mas apenas a colônia Grande, a colônia integrada.
Independência ou Monroe
Fazendo uma análise dos discursos dos generais da Nova República, é como se 13 anos de um suposto período progressista de um governo de esquerda não houvessem existido, Golbery está na boca dos generais: “o esquema estratégico-militar para a manutenção do status e paz imperial no continente intimamente vinculado ao Brother Sam”. Nada mudou com José Alencar, Waldir Pires, Nelson Jobim, Celso Amorim, Jaques Wagner e Aldo Rebelo à frente do Ministério da Defesa. O anticomunismo primário, grosseiro e histérico apenas tinha saído para dar uma volta, umas férias no Haiti.Haiti este, que segundo Mike Davis em Planeta Favela (2006), cumpriu o papel de transformar o Exército brasileiro em uma máquina de repressão interna, uma gigantesca polícia política – com a complacência do partido do ABC – tanto com relação ao armamento que recebe dos Estados Unidos (especialmente equipamento antimotim), como com referência ao treinamento administrado pelos militares frow United States Army. Em síntese, nessas férias o Exército brasileiro foi preparado para lutar contra seu próprio povo, capitão de favela, enquanto a segunda nacional fica por conta da U.S. Fourth Fleet.
Não devemos esquecer que é muito conveniente para o imperialismo desmoralizar as Forças Armadas, nenhum golpeado em 1964 mantinha repulsa por milico. Darcy Ribeiro foi trabalhar com Juan Velasco Alvarado no Perú e Moniz Bandeira morreu – assim como Glauber Rocha – tentando manter diálogo com as Forças Armadas. Vilipendiar o Exército é papo de quem prefere Mujica à Chávez. O fim do socialismo via aparato burguês, é Pinochet no poder. 
Não há nada de novo sob a terra do sol
Regressamos ao velho arranjo, quando a paz e interesses são atacados pelo surgimento de forças que ameaçam nossos senhores, exemplos históricos são nossa atuação nas guerras contra a ditadura de Rosas (Argentina), ou quando a ditadura de Solano Lopez (Paraguai) é liquidada em defesa dos interesses britânicos. O Brasil irá à guerra contra a ditadura na Venezuela? Isso – como bons cipayos – não sabemos, mas é certo que os benefícios tirados nesses casos precedentes foram mínimos.
Assim sendo, contrariando aqueles que acham que a história do Brasil começou com as greves no ABC, seguimos nossa normalidade. Roberto Campos costumava dizer “somos um país normal”. O Brasil – Colônia de Banqueiros – como escreveu o cearense Barroso em 1934. 
Nelson Werneck Sodré nos chama atenção para o fato de que 1964 foi militar na aparência, a ditadura em essência não foi derrubada, prossegue na “democracia do possível” sob controle dos economistas monetários. Roberto Campos Neto é indicado para comandar o Banco Central. Na sessão solene em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal, estavam todos lá: os Etchegoyen, o latifúndio, José Sarney, juízes, Igrejas, Itamaratizão, banqueiros e multinações. Uma pena que o sistema bipartidário idealizado por Golbery do Couto e Silva não pode estar presente, esses foram sacrificados em nome do Império da lei e da ordem, aos menos fica a lição concreta, de como o Brasil não veio ao mundo na década de 70.
 

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