Trump ameaça Panamá
Texto: Elaine Tavares
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Ação conjunta, comunidade e Casan
Andando pelas ruas do bairro Campeche, no sul da ilha de Santa Catarina, Brasil, pode-se ter uma dolorosa sensação. Tudo mudou. Os grandes condomínios vicejam pelos mais recônditos cantos. As passagens de areia vão se fechando, os caminhos das gentes somem em meio ao cimento, os prédios apontam na beira da praia. A comunidade incha, a paisagem é especulada e a estrutura permanece igual. Abrigando mais de 45 mil habitantes, as vias são poucas, a mobilidade é ruim e a falta de cuidado de alguns moradores, aliada ao descaso da municipalidade, está pondo em risco a praia, uma das maravilhas do lugar. No último verão o resultado desse crescimento exacerbado já apareceu: cursos de água poluídos, esgoto na areia, qualidade de vida comprometida.
Assim, na aparência, parece mesmo que tudo mudou de verdade. E para pior. Mas, se houver a delicadeza de olhar com cuidado, para além do que aparece, já se pode ver assomar como um gigante, uma essência “imorrível”: a comunidade. E o que é isso? É aquele corpo musculoso, formado por gente que ama o lugar e que se move por ele. Comunidade é gente em luta, categoria Dussel. E isso é o que mais tem no Campeche.
O famoso bairro do sul da ilha não é famoso pelas belas praias, as quais existem de fato, de mar grosso e água gelada. Não. Ele é conhecido pela qualidade de luta de seus moradores. Desde o início dos anos 80 do século passado que um grupo de pessoas, preocupado com o destino da comunidade, iniciou uma dura batalha pela construção de um plano diretor. Não apenas para o bairro, mas para toda a cidade, porque já se entendia que a batalha tem de ser pela totalidade. Foi a primeira comunidade a esboçar em diretrizes, proposta e mapas o modelo de lugar que queria para viver. Um bairro-jardim, no dizer da guerreira Janice Tirelli (no movimento desde o começo), um espaço onde se pode morar com qualidade, tendo espaços, bichos e quintais.
Desde aí o movimento pelo bairro e por uma cidade boa de viver não parou mais. Foram se agregando pessoas, novas e velhas, daqui e de fora, gente que vive no Campeche e que ama o Campeche. E, hoje, mesmo tendo perdido algumas batalhas no que diz respeito ao crescimento sem planejamento, a comunidade resiste. O plano diretor da cidade ainda não vingou, mas existe no papel e no desejo das gentes. Nas noites frias do inverno ilhéu, nas escaldantes tardes de verão, sempre que é preciso, esse grupo que se faz comunidade assoma e luta. Basta que alguma ameaça apareça. Ali, todos têm olhos de coruja – animal ainda abundante no lugar – e perscrutam o bairro dia e noite.
O esgoto na praia
Assim foi em 2016 quando começaram a aparecer os primeiros sinais de esgoto na praia. Os olhos atentos da comunidade detectaram o problema e o boca-boca começou. Em pouco tempo já se expressava um movimento “Abrace o Campeche”, com informações aos turistas, com abaixo-assinados para as autoridades, com denúncias e mobilização. Foi uma grande articulação realizada em todo o verão. Ficou patente que havia gente jogando esgoto na rede pluvial, e, com isso, não apenas poluindo os cursos de água, como também a praia. O poder público foi notificado e a comunidade esperou.
Os dias passaram e nada de a municipalidade agir. Mas, se os governantes não faziam nada, a comunidade sim. E aconteceram cursos de formação, debates e encontros sistemáticos. Até que chegou o verão de 2017.
Desta vez o problema extrapolava todo o bom senso, com a formação de enormes lagoas, cheias de água de esgoto. Nelas, os turistas desavisados deixavam que brincassem as crianças. A comunidade não suportou.
Assim, em janeiro, enquanto boa parte das gentes se estendia ao sol, na modorra do verão, o grupo-comunidade começou a se mexer. Primeiro, com ações de protesto na beira do mar, informando aos turistas dos riscos à saúde. Depois com o fechamento das saídas de esgoto nos cursos de água com sacos de areia e ramos de árvores.
Um jeito bem Campeche de enfrentar os “maus-vizinhos”, aqueles que, sem cuidado pelo lugar, estavam jogando esgoto nos rios. Então, a cada domingo, lá ia a comunidade por dentro dos cursos de água, buscando as saídas de esgoto. Reuniam-se na Rádio Campeche durante a semana para planejar as ações e no final de semana agiam em consequência. Além disso, traçavam mapas e exigiam do poder público uma ação. Foram meses de trabalho sistemático descobrindo cada saída de esgoto irregular, bem como realizando reuniões com os órgãos do governo.
Nessa terça-feira, dia 18, finalmente veio a fiscalização da Casan, a companhia de água e saneamento do estado. Quando chegaram os fiscais lá estava a comunidade – com suas camisetas azuis – esperando com o mapa de cada uma das saídas, tudo marcado detalhadamente. Foi só chegar e lacrar. Ninguém pode jogar esgoto na rede pluvial. Não existe rede de tratamento ainda no Campeche. Cada família ou condomínio precisa tratar seu esgoto. E todo aquele que criou “gatos” nos canos da rede de água da chuva teve seu cano fechado e recebeu uma multa.
O dia foi de muito trabalho e ainda faltam muitos canos para lacrar. Mas, tudo será feito. Outras ações, de outras instituições públicas podem acontecer a qualquer momento. Pode demorar, mas vem. Porque no bairro existe uma comunidade viva, gente atenta e cuidadosa que não mede esforços para manter o seu bairro-jardim.
A mobilização dos moradores do Campeche já deu os primeiros resultados. Outros devem vir. Ninguém vai destruir impunemente a natureza tão pródiga desse lindo bairro do sul. A praia é um dos poucos, senão o único, espaço de convivência da comunidade. E não será deixada ao léu, muito menos nas mãos de gente irresponsável que não cuida de sua própria casa.
Agora, o inverno se aproxima, mas o Movimento SOS Campeche Praia Limpa seguirá firme, vigilante e atuante. Sob o calor das fogueiras seguirá traçando seus mapas, não apenas dos pontos de esgoto irregular, mas também mapas para festas, comunitárias e amorosas. Porque a comunidade do Campeche é assim: falante, alegre, festeira, e lutadora. Muito lutadora. Aqueles que chegaram agora que prestem atenção. Esse não só um lugar para morar ou especular. O Campeche é um lugar de viver.
Texto: Elaine Tavares
Texto: Nildo Domingos Ouriques