Chorando por Fidel
Texto: Maicon Claudio da Silva
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Há poucos dias estive em Cuba pela primeira vez, visitando meu amigo Davi Antunes, que morou em Havana pelos últimos seis meses, cursando seu Doutorado sanduíche. O amor pela América Latina e o sonho de uma Pátria Grande livre e soberana se misturavam em mim com certa ansiedade. Qualquer pessoa mais informada sabe do momento difícil que Cuba tem vivido nos últimos anos. O bloqueio criminoso imposto pelos Estados Unidos contra Cuba há décadas foi agravado desde o primeiro mandato de Donald Trump. Além de medidas como a proibição por seis meses da entrada nos Estados Unidos de navios de qualquer país do mundo que tenham atracado em Cuba, Trump reativou o Título III da Lei Helms-Burton, permitindo que cidadãos estadunidenses processem empresas estrangeiras que usem propriedades confiscadas pela Revolução Cubana em 1959. Na prática, essa medida gera uma insegurança jurídica enorme para qualquer empresa, mesmo que de fora dos EUA, que mantenha negócios com Cuba. Soma-se a esse reforço do asfixiamento cubano por meio do Bloqueio, as várias sanções tomadas pelos EUA contra a Venezuela, que desde a Revolução Bolivariana de 1999 tem sido um dos principais parceiros de Cuba, e que diante disso também tem tido menos possibilidades de ajudar o povo cubano.
Nesse cenário, as dificuldades econômicas de Cuba têm crescido, o que gerou, dentre outras consequências, uma grande crise energética. A geração de energia em Cuba ocorre basicamente por meio de termelétricas, que precisam, portanto, de combustíveis importados para seu funcionamento. Racionamentos e apagões têm sido frequentes, como forma de evitar o sobrecarregamento do sistema elétrico. Ainda assim, a ajuda externa se fez necessária, e no porto de Havana já há algum tempo está atracado um navio-usina elétrica da Turquia, alimentando a rede energética do país.
No casco do navio se pode ler em caixa alta: Power of Friendship. Poder da amizade, em inglês.
Tudo isso explica a origem da minha ansiedade. Sabendo que o momento atual de Cuba talvez seja um dos mais difíceis desde a queda da União Soviética, tinha receio de me decepcionar com a experiência socialista cubana, de sentir um rechaço dos cubanos à Revolução. Talvez por isso que o momento mais especial da minha viagem não tenha sido em um ponto turístico famoso, fumando um charuto ou bebendo um mojito, mas sim visitando o Centro Fidel Castro.
Fidel, um dos comandantes da Revolução de 1959, não se sentia confortável com o culto à sua personalidade. Nesse sentido, antes de seu falecimento, já havia expressado a vontade de que não houvessem ruas, cidades, parques com seu nome, muito menos estátuas com sua imagem espalhadas pelo país. Com a morte de Fidel em 25 de Novembro de 2016 (diga-se de passagem, dia do meu aniversário), o governo cubano promulgou uma legislação específica sobre o tema, garantindo que a vontade de Fidel fosse respeitada. Apenas uma exceção foi permitida, o caso de instituições que, conforme a lei, visem o estudo e a difusão do pensamento e da obra do ex-presidente cubano. Essa é exatamente a situação do Centro Fidel Castro, onde se encontra, além de toda uma área expositiva sobre a vida de Fidel, o único busto de Fidel Castro existente em toda Ilha, que foi um presente da República Popular da China antes do falecimento de Fidel.
Quando eu e Davi chegamos ao Centro Fidel Castro, um grupo de estrangeiros já estava na primeira sala acompanhando uma visita guiada em inglês. O recepcionista nos perguntou se queríamos nos juntar àquele grupo ou se preferíamos aguardar a chegada de mais pessoas para que pudéssemos realizar uma visita em espanhol. Preferimos aguardar, uma vez que tínhamos consciência de que uma visita em espanhol teria muito mais profundidade e nuances do que uma visita em inglês, feita para gringos. E foi a melhor decisão que podíamos tomar. Logo em seguida chegou um grupo de trabalhadores uniformizados, de uma fábrica de Matanzas, no interior do país. A visita começou. Primeiro a explicação sobre a lei que diz respeito ao uso do nome e imagens de Fidel Castro, depois o percurso por várias salas que, entre o acervo histórico de itens que haviam pertencido a Fidel, e tecnologias modernas, que mostravam imagens e vídeos do comandante, recontavam a história da vida de Fidel Castro, que se mistura com a história da Revolução Cubana e, portanto, com a história de Cuba. Ali, junto com o grupo de cubanos, eu estava atento ao que podiam falar e comentar. Numa das salas, em que se podiam escolher e ouvir os discursos mais importantes de Fidel, cada um deles sugeria de memória um discurso para que a guia exibisse na tela: “aquele na ONU”, “o discurso na Argentina”, e assim seguiam de memória pedindo discursos que consideravam marcantes e “desafiando” o Centro Fidel Castro, para saber se realmente tinham ali, entre os principais discursos, o que consideravam particularmente mais emblemático.
Mas, o momento mais marcante da visita para mim, e também de toda a viagem a Cuba, aconteceu na última sala que visitamos. Ali, foram exibidos alguns vídeos. E o último deles mostrava o caminho percorrido pelo corpo de Fidel por todo o país, de Havana até Santiago de Cuba, onde Fidel desejava que seus restos repousassem. O povo todo nas ruas, chorando por Fidel. Ali, naquela sala, percebi que os cubanos também começaram a chorar. Naquele momento, todo meu receio e ansiedade com o que os cubanos podiam sentir em relação à Revolução foi embora. Comecei a chorar com eles. Chorar por um povo que, diante de tantas dificuldades impostas pelo imperialismo estadunidense há décadas, segue lutando por construir um homem novo. Chorar por um povo que sabe que o momento atual não é fácil, mas que tem consciência das grandes conquistas que a Revolução proporcionou: a reforma agrária, a campanha nacional de alfabetização, o acesso livre às universidades, o desenvolvimento em biotecnologia, etc.
Uma senhora cubana, percebendo que eu também chorava, acariciou meu braço, como que me consolando, e choramos mais, juntos. Choramos por Fidel, choramos por Cuba, choramos por um novo mundo, que ainda não nasceu completamente, mas que haverá de nascer.
Texto: Maicon Claudio da Silva
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