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Comentários sobre o livro Crítica à Razão Acadêmica

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Por IELA em 06 de janeiro de 2012

Comentários sobre o livro Crítica à Razão Acadêmica
Por  Roberto Romano – Unicamp
06.01.2012 – De fato, desde o título da coletânea – Crítica à Razão Acadêmica –, temos uma tese indicada e que traz suas provas. O importante na Crítica da Razão Pura, de I. Kant, dizem os comentadores, reside no genitivo. A crítica é da razão pura pela razão pura. Ou seja, o procedimento é de plena autonomia, sendo o sujeito passível de se encontrar consigo mesmo, num movimento livre. A razão deixa de ser criticada pela religião ou pela jurisprudência (o célebre enunciado do Prefácio) e arranca de si mesma a critica de si mesma. A razão, na atual universidade (mas já no tempo de Kant, basta ler O Conflito das Faculdades) não é livre: ela é cativa ou alienada. Não seria possível, pois, escrever uma crítica da razão acadêmica. Apenas, como vocês bem definiram, uma crítica à razão acadêmica.
Parabéns pela iniciativa! Desde que recebi a coletânea – Crítica à Razão Acadêmica: reflexão sobre a universidade contemporânea, Editora Insular, Florianópolis, 2011 –, a leio com vagar. Gostei muito do que segui com os olhos e a mente. Fiquei muito impressionado com a similaridade do processo de puro descarte da educação pública nos Estados Unidos e no Brasil (Frank Donoghue). Entre nós, as universidades que visam o lucro conseguem seu alvo, com pleno apoio oficial. É espantoso notar como “universidades” compram outras, ampliando seus dividendos e levando estudantes pobres ou de classe média ao endividamento, no mesmo passo em que recebem polpudos recursos governamentais. Nada temos nas agências de “fomento à pesquisa” contra o esbulho. Pelo contrário, temos o pleno apoio ao saque das verbas públicas. E o Conselho Nacional de Educação? Silêncio tenebroso…e cumplicidade também silente.
É preocupante notar o quanto as oligarquias regionais (as responsáveis pelo esquema de dominação) subjugam as estruturas “acadêmicas”. Tudo o que vocês indicam ao longo do Crítica à Razão Acadêmica, eu vi diretamente em minhas andanças pelo Brasil. Um amesquinhamento das eleições universitárias, como se cada reitoria fosse cópia degradada de prefeituras dominadas com mão de ferro por prepostos das oligarquias regionais. Certa feita, em uma universidade, fui ministrar, como convidado, um curso de pós-graduação. Não consegui fazê-lo devido ao barulho dos cabos eleitorais, dos comícios, etc. Como o que vocês descrevem para a universidade de Santa Catarina.
Mas o que julgo mais grave mesmo, em todo o processo, não é o instante das eleições, lamentáveis que sejam. O pior é o modo de funcionamento dos Conselhos Universitários. Basta olhar a pauta dos referidos Conselhos. Imensas, com indefinido número de processos que implicam em convênios com a “iniciativa privada, firmas estatais”, etc. Normalmente a pauta é distribuída aos conselheiros com pouco tempo para análise. Na reunião, o reitor pede que os presentes apresentem destaques. Eles são debatidos e, grande parte, talvez a maioria dos itens são aprovados sem discussão ou exame prudente. É por tal ralo que passam, quase sempre, os convênios marotos, os tratos espúrios, as fundações esponja, etc.
Propus que existisse, ao lado do Conselho oficial, um Conselho ampliado que incluísse professores, alunos, funcionários, que debateriam e examinariam a pauta em canal oficial da universidade. Cada setor relevante da universidade (química, biologia, engenharia, economia, ciências humanas) teria uma equipe de análise dos processos mais complicados de sua área. Depois, as análises todas circulariam pelo canal oficial da universidade, sendo acessíveis a todos os integrantes da comunidade, sobretudo aos conselheiros. Estes não teriam a desculpa muito comum: “aprovei, mas não pude ler todos os projetos”. Como sempre, a proposta foi rechaçada na base.
Bem, gostei do que li no Crítica à Razão Acadêmica – reflexão sobre a universidade contemporânea. Tenho certeza de que o trabalho será útil para os (poucos) pensantes que ainda restam na universidade. Gostei também de vocês terem incluído o texto de Mauricio Tragtenberg, um dos cérebros mais brilhantes e injustiçados dos campi. E por falar em Mauricio, senti falta de uma atualização, no livro, das análises feitas por Max Weber sobre os “donos da universidade”, os “patrões” da pesquisa, tal como desenvolvidas em A Ciência como Vocação. Mas quem sabe, um dia, será possível fazer um seminário sobre Mauricio e Weber, dando particular relevo à burocratização capitalista na universidade!

      Prof. Dr. Roberto Romano
      Professor de Ética e Filosofia Política
      Na Unicamp – São Paulo
 

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