Mais violência para o Haiti
Texto: Elaine Tavares
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Foto: CIMI -CC
O mesmo STF que é incensado por conta da condenação ao ex-presidente Jair Bolsonaro é o que manteve aberta a porteira da violência contra as comunidades indígenas no Brasil ao reabrir a discussão sobre a questão do Marco Temporal que já tinha sido reconhecido como inconstitucional pelo próprio Supremo. Ao decidir por criar uma câmara de conciliação – que não deu em nada – o STF deu asas ao agronegócio às mineradoras que seguem de olho nas terras indígenas. Uma decisão que reavivou os ataques e os crimes contra os indígenas que lutam para garantir a demarcação de suas terras.
Justamente por isso, o ano de 2024, ano em que a Lei do Marco Temporal entra em vigor, foi bastante violento, conforme os dados divulgados pelo Relatório construído pelo Conselho Indigenista Missionário, que expõe a violência contra as populações indígenas. Havia a esperança de que o governo federal atuasse em consequência e que a lei fosse logo derrubada, mas o governo lavou as mãos e o STF decidiu fazer ouvidos moucos.
Assim, quando o ano começou os ataques contra os indígenas se mostraram bem mais ousados, visto que os agressores se sentiram amparados pela lei. Já em janeiro, fazendeiros armados atacaram uma retomada Pataxó Hã-Hã-Hãe na Bahia, deixando vários feridos e uma mulher indígena morta. Foram ao todo 154 conflitos registrados por conta de direitos territoriais, 230 casos de invasão às terras indígenas com exploração ilegal e danos ao patrimônio e 857 casos de omissão e morosidade na demarcação das terras. Números bastante altos a considerar que este é o primeiro governo que tem um Ministério dedicado aos Povos Indígenas. Importante notar que 61% dos casos de violência foram registrados em terras já homologadas, mostrando a ousadia daqueles que sonham em se apoderar das terras indígenas, e muitos deles sem consequências para os criminosos. Está absolutamente claro que os fazendeiros e mineradores não medirão esforços para reverter homologações já realizadas.
A nova lei do marco temporal, que admite reconhecer comunidades ocupando território a partir de 1988, tem barrado e limitado os processos de demarcação e até o final do ano eram 857 terras indígenas com pendências administrativas, sem regularização. Apenas cinco homologações foram feitas pelo presidente Lula. Segundo o relatório, em Mato Grosso, a TI Sararé, do povo Nambikwara, registrou um aumento sem precedentes na devastação causada pelo garimpo ilegal. A presença de garimpeiros na área já vinha sendo registrada desde 2017, mas em 2024 explodiu. No Maranhão, as comunidades, mesmo as demarcadas, também foram sistematicamente acossadas pelos representantes do agronegócio, de madeireiros e de grileiros.
A tese do marco temporal é bastante importante para os que querem se apoderar dos territórios, pois se só forem consideradas legais as comunidades que existiam em um território até 1988, grande parte das retomadas ficam de fora. Ora, é sabido que as populações indígenas foram expulsas de seus espaços originários, sistematicamente, desde a invasão. E que a lógica de “integração” ao mundo não-indígena foi perversa e desagregou dezenas de povos ao longo dos anos. Sem contar as ações de terror que foram levadas a cabo durante a ditadura militar. Assim, estabelecer um marco no ano de 1988 é mais uma violência contra as populações que, depois da nova Constituição, conseguiram se reunir e reocupar seus territórios.
O reaquecimento dos ataques aos povos originários também tiveram consequências no quesito violência contra a pessoa. Em 2024 foram registrados 424 casos, com um número muito expressivo de assassinatos, 211 no total, cujos estados com maior índice foram Roraima (57), Amazonas (45) Mato Grosso do Sul (33), e Bahia (23). Os assassinatos de Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, em janeiro, e de Neri Ramos da Silva, morto durante uma operação policial contra uma retomada Guarani e Kaiowá na TI Ñande Ru Marangatu, destacam-se pela brutalidade e pela participação da Polícia Militar.
O relatório do CIMI destaca ainda, além do terror, as ameaças e os ferimentos por agressões e tiros nos diversos ataques que atingiram comunidades como as das TIs Tekoha Guasu Guavirá, no Paraná, e Panambi – Lagoa Rica, em Mato Grosso do Sul. Em resumo, mais de 30 ataques foram efetuados contra comunidades indígenas, deixando um rastro de destruição e gente ferida. Pelo menos dez pessoas ficaram com projéteis alojados em seus corpos: nove Avá-Guarani e um Guarani Kaiowá, que ficou com uma bala alojada em sua cabeça.
O documento também se preocupou em destacar a omissão do poder público, o que igualmente é uma violência tremenda, já que as comunidades historicamente carecem de saúde, saneamento e educação de qualidade. Segundo os dados, 208 casos de suicídio de indígenas foram registrados, com – mais uma vez – os estados do Amazonas (75), Mato Grosso do Sul (42) e Roraima (26) liderando os números. No geral jovens e homens adultos até 37 anos. No que diz respeito às crianças o registro é de 922 mortes de crianças de 0 a 4 anos de idade, também com Amazonas (274 óbitos), Roraima (139) e Mato Grosso (127) liderando. A maioria dos óbitos por causas evitáveis, tais como gastroenterite e desnutrição. Isso dá um panorama claro de como o estado trata o povo indígena que, sem qualquer assistência, fica a mercê dos venenos liberados e espalhados pelo agro e pela mineração. Ao observar os estados onde a violência grassa, pode-se ver claramente a presença do agro e da mineração que insistem em ampliar suas fronteiras.
Os números de 2024 evidenciam que a decisão do Congresso em colocar um marco temporal para as demarcações exacerbou ainda mais a violência contra as comunidades. De um lado, os indígenas seguem a luta na defesa de suas terras, agora ainda mais desprotegidos, e do outro, as forças do agronegócio e da mineração avançam sem parada, muitas vezes sob as vistas das polícias estaduais quando não com seu apoio direto. O Ministério dos Povos Indígenas, do qual se esperava mais protagonismo, se limita a repudiar a violência e a exigir – de maneira formal – a investigação e a punição, sem que isso reverbere em proteção real aos povos indígenas. Ou seja, não há novidade debaixo do sol desde a chegada das caravelas…
O CIMI produz o relatório da violência desde o ano 1996, mas foi só a partir de 2003 que passou a ser divulgado anualmente. Todos os informes podem ser consultados na página do Conselho.
Texto: Elaine Tavares
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Texto: Maria Eduarda Furlanetto - estagiária de Jornalismo