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Crise desvela o óbvio: não há capitalismo sem Estado

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Por IELA em 15 de janeiro de 2015

Crise desvela o óbvio: não há capitalismo sem Estado

Crise desvela o óbvio: não há capitalismo sem Estado
 
Por Míriam Santini de Abreu – Florianópolis
 
Que ninguém se engane: estamos metidos num furacão que apenas está começando a provocar destruição. Ao contrário das declarações do governo brasileiro – que até já estão mudando de tom – a crise econômica tende a se alastrar. E ela era prevista. O que impediu economistas e jornalistas de percebê-la foi um misto de dupla moral com debilidade de formação crítica. Assim o professor de Economia Nildo Ouriques, presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da UFSC, abriu a conversa com os profissionais de comunicação que participaram do primeiro encontro dos “Diálogos do Conhecimento”, promoção conjunta do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina (SJSC) e da Assembléia Legislativa realizado no dia 20 de outubro na Sala de Imprensa da Alesc.
 
A crise começou a borbulhar no mercado imobiliário dos Estados Unidos. Com dinheiro em caixa, os bancos passaram a oferecer crédito para quem desejava comprar imóveis, mas tinha histórico de mau pagador. Os altos juros cobrados por garantia levaram corretoras a entrar no polpudo filão das hipotecas. Esses papéis foram negociados no mercado. Bancos de investimentos de Wall Street, ao vender esses papéis, semearam o risco no mercado internacional. Quando o juro começou a subir nos Estados Unidos, os mutuários passaram a ter dificuldades de pagar a hipoteca. Toda a cadeia começou então a balançar.  “O drama das hipotecas era subterrâneo e agora veio à tona”, disse Nildo. “O fato é que a crise será intensa e grandes empresas já estão discutindo se irão sair com vida dela”.
 
Nunca sem o Estado
Ao longo da conversa, que reuniu cerca de 20 profissionais da mídia, o professor da UFSC acrescentou que a crise não está derrubando apenas os defensores do sistema que gerou esse estado de coisas. Também estão caindo os críticos liberais que o têm como alvo de seus discursos, principalmente nos grandes meios de comunicação, que propagandeiam esse mesmo sistema. Nildo destacou que é no mínimo escandaloso se imaginar que o capitalismo pode funcionar sem o Estado: “Ora, historicamente primeiro nasce o Estado, depois o capitalismo”. E nesse rastro é que aparecem as empresas, justamente para impulsionar a acumulação de capital. Então é o Estado que organiza o capitalismo, e acreditar que este funciona sem aquele deriva de um discurso a-histórico.
 
Tirando o invólucro
Num período como o atual é fundamental que se faça uma análise fria dos fatos, destacou Nildo, extraindo a abordagem da crise do seu invólucro moral. Ele afirmou que descarta a idéia – bastante difundida atualmente – de uma volta ao keynesianismo. Em primeiro lugar, destacou o professor, não há pensadores com a estatura do economista inglês John Maynard Keynes. “Ele não era pago para pensar, o ´pensador a soldo´, como dizem os espanhóis”. Ao contrário de hoje, em que os defensores do sistema capitalista não o fazem por convicção, mas porque são pagos para isso.
 
Os economistas, constatou Nildo, perderam a vertente keynesiana, hoje a corrente predominante é a neoclássica: “Keynes mandaria os capitalistas para o inferno para salvar o sistema. Agora, porém, é a empresa que paira acima de tudo”. Nesse sentido é que o inglês seria um radical no tempo em que vivemos.
Keynes, lembrou Nildo, viveu a crise de 1929, mais profunda do que a atual, e com uma conjuntura diversa. Naquele período os antagonismos eram fortes, os trabalhadores estavam organizados, e a via socialista era considerada possível. Hoje não há Keynes, cujas lições foram esquecidas, nem organização dos trabalhadores capazes de lutar por um projeto socialista.
 
Formação deficiente
No Diálogo, Nildo também falou sobre a formação dos economistas e dos jornalistas. A crise que se avizinha levou a um renovado interesse por Karl Marx que, no Brasil, só foi traduzido em 1968, e sobre o qual, por aqui, ainda falta uma análise crítica mais aprofundada.álise crítica.a conversa, disse que nv O atraso faz com que levas de economistas estejam saindo das universidades sem essa formação de grande amplitude. Numa alusão pertinente aos jornalistas, o professor observou que se cultiva o esquecimento, meticulosamente programado, e a mentira. Mentem todos, de forma orquestrada, para que a mentira se enraize profundamente e poucos cavem para desnudá-la. E nesse contexto é que aparecem os “oráculos”, tanto na economia quanto no jornalismo, a dar predições que encenam conhecimento profundo sobre a crise e as formas de sair dela, mas se atém a já fatigados esquemas de explicação.
 
O que Nildo deixou claro é que o Estado sob controle dos capitalistas significa o capitalismo sem controle. E os gurus que sustentam esse descontrole se pautam pelo princípio do curto prazo, baseado em cálculos financeiros auto-destrutivos, em que temas fundamentais, como a dívida pública, são cuidadosamente omitidos. E tais gurus não aprendem com as crises; diante da dificuldade de abandonar hábitos mentais e convicções, ficam a reproduzir crenças que estão sendo levadas ao chão pela realidade. Questionado sobre a possibilidade de moratória da dívida, Nildo respondeu que ela se impõe, simplesmente porque não há outro caminho. A questão é como vai se dar, se será soberana em relação aos interesses do país, com discussão dos contratos, que exigem pagamentos já feitos várias vezes por causa do mecanismo de juros. “A questão da dívida pública deve ser pauta em todos os jornais de sindicatos”, disse o professor.
 
Ele enfatizou que as mais profundas experiências a desafiar os consensos estão na América Latina, como é o caso da Venezuela, Bolívia e Equador. No Brasil, porém, tais experiências já de algum tempo, como o controle das riquezas naturais, o fomento ao mercado interrno, o fim da autonomia dos bancos centrais, o incentivo ao Banco do Sul, são olhadas com preconceito e até desprezo.
 
Sem espírito de rebelião
A expansão da crise, apontou Nildo ao final da conversa, irá aumentar o desemprego. A situação também ficará difícil para o funcionalismo público, com arrocho salarial, contratações a conta-gotas e reajustes contingenciados para permitir ao governo economizar. E isso num contexto em que, na avaliação do professor, há um profundo despreparo intelectual no meio sindical: “O sindicalistas têm que se preparar, ler os clássicos. O preparo intelectual será fundamental no conflito político”. Para Nildo, essa revitalização intelectual é necessária porque esse sistema não oferece alternativas, então não cabem ilusões no sentido de reparos que contornariam a crise. O caminho é esse, mas Nildo, ao encerrar a conversa, disse que não vê espírito de rebelião no sindicalismo. Segundo ele, hoje, em praticamente todo o mundo, os ricos perderam o medo dos pobres e os pobres perderam a capacidade de odiar o sistema que os faz assim. Por isso, as transformações tardam. “É preciso retomar esse ódio ao sistema. Sem ele, os trabalhadores não avançam”.

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