História e Pensamento Militar
Texto: IELA
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Da sexta-feira “negra” à sexta-feira “vermelha”
Por Valdenésio Aduci Mendes 1 – Venezuela
18.01.2010 – Na sexta feira, dia 08.01.2010, foram anunciadas pelo Presidente Chávez e sua equipe de governo, as novas medidas econômicas que passam a reger a economia da República Bolivariana. Coincidência ou não, o anuncio de tais medidas feitas naquela sexta tocou o imaginário político venezuelano, já que, numa sexta feira do ano de 1983 Herrera Campíns, mandatário na época, anunciava medidas para evitar o estancamento do ritmo da atividade econômica venezuelana.
Esta data é conhecida na Venezuela como o “viernes negro”.
A oposição ao governo Chávez e muitos analistas estão aproveitando a coincidência das datas para dizer que as medidas tomadas na sexta feira passada se equivaleriam àquelas do “viernes negro”, e por isso a definem como o “viernes rojo”. Sem dúvida que as medidas tomadas em ambos os períodos são medidas diante de uma crise econômica, mas resta perguntarmo-nos se ambas se equivaleriam em dimensão e profundidade? Me parece que não, porque as medidas tomadas em 1983 foram medidas de corte neoliberal, sobretudo a vontade de não aumentar a burocracia, aumentar o preço da gasolina e reduzir os gastos do funcionamento do Estado. Todos os pacotes econômicos anunciados e colocados em prática desde 1983 trouxeram como consequência o Caracazo, fenômeno que revelou a face dura e cruel de uma longa crise econômica e política, acumulada durante décadas.
De qualquer forma, o que está em questão tanto em 1983 como na atualidade é a desvalorização cambiária como forma de buscar equilíbrios necessários para a saúde da economia do país que continua sustentada na renda petroleira. Naquela época, tanto o governo de Herrera Campín como o governo de Jaime Lusinchi argumentavam que era necessário reduzir as importações como forma de incrementar os ingressos do país.
Na sexta feira passada, o Governo Bolivariano elevou a taxa cambiária oficial de 2.15 a 2.60 Bsf., e o dólar petroleiro em 4.30 Bsf. por dólar, sendo que o dólar a 2.60Bsf. cobrirá os setores de alimentos (importações), saúde, ciência e tecnologia, maquinarias e equipamentos, remessas familiares, estudantes venezuelanos no exterior, etc. Ao passo que o dólar petroleiro fixado em 4.30Bsf. cobrirá os setores automotriz, comercio, informática, plástico, telecomunicações, químico, metalúrgico, têxtil, serviços, construções, eletrônico, tabaco, bebidas, etc. Nas palavras do Ministro Popular para a Planificação “todas estas medidas são para reativar a economia e para manter o emprego, sobretudo na pequena e mediana industria”. E segundo as palavras do mandatário Hugo Chávez “tudo isso tem vários objetivos: o re-impulso da economia produtiva (…) frear as importações não necessárias e ao mesmo tempo estimular a política exportadora, substituir importações e imPulsar e estimular a produção para a exportação (…) há que sair do modelo rentista petroleiro”. “Temos que romper com esse modelo e temos tido distintos avances na matéria, mas custa porque é um modelo que nos impuseram há mais de de 100 anos”.
Tão logo se fez o anúncio das medidas econômicas, tal como um termômetro, a vida cotidiana já revelava sua face dura: em uma ponta as pessoas correndo em busca de insumos alimentícios e gêneros elétricos, abrindo dessa forma uma clareira para a outra ponta (neste caso os comerciantes) aproveitar-se do momento para duplicar, e até mesmo triplicar o preço das mercadorias, muitas delas já escassas nesta nação. Em outra ponta, ainda, está o governo central tentando apagar o fogo da voracidade dos ganhos fáceis e ilícitos e o fogo da corrupção, por isso apelou a todos os cidadãos e cidadãs, INDEPAVIS (órgão regulador de preços) e Guarda nacional para que realizem um força tarefa no sentido de denunciarem os especuladores, e como resultado destas ações várias lojas, supermercados, etc., estão fechadas por 24 horas. O próprio Presidente tem manifestado que essa é uma medida paliativa e que não obterá os resultados esperados, por isso tem falado de expropriação dos negócios que possam incorrer em atos delituosos contra o povo.
Essa seria uma das pontas do Iceberg no cenário da crise de início de 2010, a outra ponta é o grave problema energético que o país está atravessando. Já há racionamento de energia em todo o país, afetando, inclusive, a zona industrial do sul da Venezuela, uma das mais importantes depois de Maracaibo. Segundo o governo central, a causa desse grave problema está associada a secas em todo o território promovidas pelo fenômeno climático “El niño”, e se não chove dentro de dois meses, a economia se verá drasticamente afetada. Esse é o cenário, a partir de aqui algumas outras reflexões para tentarmos finalizar.
O fato é que o “processo revolucionário” venezuelano não tem dado o devido valor e tampouco realizou uma leitura adequada e à altura do que ocorria com a crise financeira mundial. O próprio Presidente Chávez parecia sofrer de uma miopia quando fazia o discurso da “blindagem” da economia rentista petroleira. Baixando ou não o preço do petróleo se estaria protegido na Venezuela contra a crise financeira mundial. Como se pode afirmar que não temos nada que ver com isso? O presidente Lula também manteve essa postura durante muito tempo no Brasil. Ora, uma coisa é o dever-ser (gostaria que tal coisa fosse assim ou assado) e outra coisa é a realidade efetiva das próprias coisas, e isso já nos ensinou Maquiavel na Alta Idade Média.
Só depois de uma década de “governo revolucionário” se começa a escutar sobre medidas econômicas que devem substituir o modelo rentista e dependente. E por onde começar essa enorme tarefa de Sísifo, se também se descobre depois de uma década que há uma crise energética no país; que não há soberania alimentar e que o Estado é débil e frágil, pois não conta com políticas públicas consistentes e duradouras; que há corrupção generalizada, inclusive no seio dos Conselhos Comunais. Há que deixar claro que na Venezuela saudita também há racionamento de água em muitas partes do país e que em algumas comunidades ela simplesmente não chega, e por incrível que possa parecer, Venezuela está cortada e banhada por importantes rios. Ou seja, o problema não é de falta de água e sim de política de distribuição. De igual maneira há energia solar e eólica em abundancia, mas o “processo revolucionário” só vem falando disso agora quando a água está próxima do pescoço.
Portanto, a crise energética não é apenas um problema associada ao clima, ela também tem que ver com a incompetência do atual governo que não há dado a atenção devida ao problema, incapacitado, muitas vezes, para impedir o roubo de energia e água por parte dos grandes empresários do país. A máfia de empresários que cresce a cada dia com a especulação e acaparamento de alimentos existe desde a década de 80, e no entanto continua intacta, segue sua trajetória como a “mão invisível” do mercado. No final das contas, os grandes beneficiários de todo esse processo ainda continua sendo a burguesia venezuelana: bem na IV República e muito melhor durante o “processo revolucionário”. Desvalorizar moeda como forma de buscar equilíbrio na economia é uma medida macroeconômica que dificilmente terá sucesso se não vem acompanhada de significativas e profundas mudanças na micro-economia. Uma delas, segundo afirma a equipe econômica do Governo Bolivariano é procurar substituir o modelo rentista, dando o apoio e incentivo à produção nacional para diversificá-la, coisa que o “processo revolucionário” deveria ter presente desde o início de seu mandato.
Para termos uma ideia do problema, Venezuela importa mais de 60% de seus produtos e é exportadora de matéria prima petroleira. Ou seja há pouco valor agregado a esta matéria, assunto já longamente debatido pelos teóricos da escola da dependência e do desenvolvimento latino-americano, mas me parece que por aqui os “revolucionários” não sabem disso, e ter controle absoluto sobre este aspecto seria um passo gigantesco para o Estado. Mesmo assim, isto tampouco seria suficiente para reverter o triste quadro da economia venezuelana, já que a mais árdua tarefa ainda não há começado, que é a de acabar com a ideia difundida em amplos setores da sociedade de que se deve “democratizar a corrupção”.
Após o anúncio das medidas houveram rumores de que o povo dos morros de Caracas estavam muio descontentes e que poderia se repetir um novo Caracazo, mas tão logo foi anunciado pelo governo central o aumento de 25% sobre o salário mínimo, o qual será pago em duas vezes, uma parte em março e a outra em setembro, mês de eleição para o Congresso Nacional.
Diante da crise de 1983 quando foram anunciadas as medidas econômicas do “viernes negro”, um jornalista teria dito que “a festa se acabou”. As medidas anunciadas no “viernes rojo” seria também um anuncio de final de festa ou seria um aviso de que não há processo revolucionário sem auto-crítica? Os resultados das eleições de setembro para o Congresso nacional poderão dizer se continua a festa ou não, há que esperar.
1 Doutorando em Sociologia Política, investigando os Conselhos Comunais e a democracia participativa na Venezuela desde maio de 2009 pela UFSC-Brasil.
Texto: IELA
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