Início|Sem categoria|Diálogo do OLA com um homem sujeito coletivo

Diálogo do OLA com um homem sujeito coletivo

-

Por IELA em 18 de janeiro de 2006

Diálogo do OLA com um homem sujeito coletivo
18/01/2006
Por Bruno Miranda e Pedro Corona
Publicamos a seguir entrevista com o engenheiro Angel Cadelli realizada no dia 20 de agosto de 2005, no Hotel Bica D´Água, em Florianópolis (Estado de Santa Catarina, Brasil), durante as Jornadas Bolivarianas II, realizadas pelo Observatório Latino-Americano (OLA), na UFSC, para debater o tema O mapa da crise: A reinvenção das Ciências Sociais na América Latina.
Foram entrevistadores Bruno Miranda, bolsista CNPQ/UFSC e Pedro Corona, professor-doutorando da UAM (Universidad Autónoma Metropolitana), do México.
Angel Cadelli acaba de ser designado vice-presidente do Astillero Rio-Santiago ARS ( Estaleiro Rio-Santiago), localizado em Ensenada, Argentina. A escolha do engenheiro para ocupar o cargo foi recebida com entusiasmo por todos os setores que lutam por transporte integrado nacional e por uma indústria naval que esteja a serviço dos interesses da nação argentina. Um comunicado do Foro Argentino Del Transporte destaca que poucas vezes uma nomeação em um cargo público foi tão merecida e recebeu tanto respaldo. O nome de Angel Cadelli tem a aprovação dos 2500 trabalhadores do ARS, de seu presidente, Julio Urien, do prefeito de Ensenada e do sindicato de base (ATE –Ensenada). A expectativa é de que o Astillero Rio-Santiago volte de ter um papel estratégico para a construção de um projeto popular nacional e latino-americano, e possa abrigar novamente nove mil trabalhadores.
Segue a entrevista:
Bruno: De que se trata a ATE(Asociación Trabajadores del Estado) na Argentina. Como está estruturada e organizada?
Angel: A ATE tem 200 mil filiados, deve haver aproximadamente 15 mil delegados, que estão em contato direto com os empregados, trabalham todos os dias e não têm liberação sindical. Acima dos filiados estão os delegados, e acima dos delegados estão as seccionais, que devem ser aproximadamente 150. Acima das seccionais, que digamos, são representações territoriais, estão os Conselhos Diretivos Provinciais, num total de 24. E, acima deles, está o Conselho Diretivo Nacional, ao qual pertenço, e é um só para todo país. São 105 membros. Esta é a representação que possui em todo o país para os trabalhadores estatais, municipais, provinciais ou federais.
Mas há outras organizações sindicais, como as judiciais, de professores, do setor de energia elétrica, e todos juntos constituem a CTA, Central de Trabajadores Argentinos, com mais de 1 milhão de filiados.
Bruno: É a maior central da Argentina?
Angel: Não, a maior é a CGT(Confederación General de Trabajadores). A CTA é a mais nova. Nasce fundamentalmente de sindicatos que já estavam cansados da CGT e que lutaram contra a privatização.
Bruno: Qual a diferença de orientação política entre a CGT e a CTA?
Angel: A CGT é fundamentalmente a direita do peronismo. É uma central de enorme maioria peronista. A CTA está constituída pela esquerda do peronismo e sindicatos que não respondem ao peronismo, como por exemplo o dos professores, que é pluralista. O centralismo da direita peronista dentro da CTA não existe.
Outra diferença é que para ser dirigente de sindicato dentro da CGT é preciso um montão de tempo. Na indústria metalúrgica, por exemplo, são necessários 2 anos de filiação para ser delegado. Para ser dirigente de uma seccional, tem de ter sido delegado e para fazer parte da diretiva nacional tem de ter sido dirigente seccional. São oito anos pelo menos de antiguidade para chegar à condução nacional de um sindicato. Para fazer parte da condução nacional da CGT ainda é preciso ter sido dirigente nacional de um sindicato. Portanto, são mais de 8 anos e, além disso, não há voto direto para a condução da CGT.
Dentro da CTA, basta filiar-se hoje para que amanhã possa ser eleito para o sindicato, condução de uma seccional, nacional, do que seja. A possibilidade de ser eleito ao nível máximo é instantânea. Nós os fazemos filiados de direitos plenos. Não há que ter anos de filiação e nem antiguidade nenhuma. Entendemos que quem tem de se eleger é o filiado. Daí quem tem de avaliar a ocupação dos cargos diretivos somos nós mesmos. Não há aparato que freie a ascensão do companheiro.
Bruno: Podemos então dizer que há um distanciamento maior entre bases e cúpulas sindicais na CGT do que na CTA? Porque este é um dos problemas do sindicalismo brasileiro…
Angel: Muitíssimo maior. Nós temos, nas eleições dos sindicatos da CTA, 40% do padrão sindical. No caso do estaleiro Rio Santiago, onde trabalho, votam de 85 a 90% dos filiados, o que supera a participação nas eleições presidenciais do país. Nos sindicatos da CGT o normal não é 40, mas 8% de participação em média, e em lista única, ou seja, uma única chapa que se apresenta nas eleições. Na CTA quase sempre há duas chapas, ou às vezes três. Nos casos de lista única, são criados trâmites burocráticos para impedir a candidatura de outras listas. Na CTA são tão poucos os requisitos para apresentar-se em lista que praticamente todos cumprem. Se há algum problema, este aparece durante as eleições.
São então 4 anos de mandato para a condução nacional da CTA, 4 anos para a condução nacional dos sindicatos, 4 anos para a seccional e 4 anos para os delegados.
Bruno: Quanto à organização das bases, são comissões por fábrica, se organizam por fábrica?
Angel: Sim. Temos procurado manter todas as organizações sindicais o mais parecido possível com sua origem. A ATE é a segunda associação mais antiga da Argentina. Nasceu em 15 de janeiro de 1925. Nasce num estaleiro em La Boca, bairro de Buenos Aires. A seccional do estaleiro Rio Santiago é a segunda, nascida em 1927. É mais velho o sindicato do que o estaleiro. O estaleiro nasce em 1953. Assim, é mais antiga a tradição do sindicato que a tradição da fábrica. Tem 80 anos de história e foi fundada por companheiros anarquistas, socialistas, comunistas, da União Cívica Radical, etc. Então a tradição de pluralismo, de participação na ATE, é a maior da Argentina. Não foi criada por nenhum partido hegemônico, foi criada pela classe trabalhadora com um pluralismo de idéias, de ideologias, de correntes políticas que caracteriza a massa dos trabalhadores. Então, esta política de classe que o estaleiro tem desde as bases, e que tem produzido tantos êxitos, é uma tradição muito antiga.
Bruno: Você mencionou, durante a palestra nas Jornadas, que existe uma tradição também rebelde nos estaleiros. Quais foram os momentos históricos de maior rebeldia e quais foram as ações tomadas?
Angel: A primeira rebeldia forte, de peso, ocorre em 1955, dois anos depois da fundação do estaleiro. Em setembro de 1955 há um golpe de Estado que derruba o governo de Juan Domingo Perón. Este foi o período que ficou conhecido como a “resistência peronista”. Vai durar até o ano de 1973, quando Perón volta à Argentina. Desde o ano de 1955 produzem-se assembléias, mobilizações, diversas formas de luta sindical. E a direita Argentina começa a perseguir os trabalhadores do estaleiro em armas. As reuniões eram realizadas em clubes e se pediam a todos os companheiros que usassem muito brevemente as palavras e passássemos a votar rapidamente as moções porque em pouco tempo as Forças Armadas do governo estariam nos perseguindo e impedindo nossa organização a baioneta calada. Na década de 60, isto voltou a recrudescer fundamentalmente a partir da criação das 62 organizações peronistas, que eram organizações político-sindicais que apontavam o regresso de Perón. E aí então começa uma luta armada bastante forte. Na década de 70 alcança certa proeminência a organização Montoneros, que termina seqüestrando um dos generais da ditadura de 1955 e o executa. Isto precipita os acontecimentos no país e no ano 1973 volta Perón, conseguindo 68% dos votos. É eleito pela terceira vez presidente do país. Governa até 1974, ano de sua morte. Em 1976, sobrevém outro golpe de Estado. Segue-se então um período em que se contam 30 mil desaparecidos. Mais da metade desses desaparecidos eram delegados de base, eram a renovação sindical de todo o movimento operário argentino com as políticas de classe que desenvolvemos atualmente no estaleiro Rio Santiago. Eram permanentemente exitosas suas reivindicações, pois em todo o país conseguiam emprego e uma enorme participação na fabricação de automóveis, navios, aviões, as empresas resplandeciam e recebiam diversos investimentos. Com isso, a Argentina se modernizava. Então, vêm estes assassinos, e matam 30 mil companheiros. Setenta dos desaparecidos eram parte do estaleiro Rio Santiago, na cidade de Ensenada. Dois mil dos desaparecidos são da cidade de La Plata, rompendo toda a unidade do movimento operário e estudantil, que tinha componentes revolucionários porque eram muitos jovens todos. Tínhamos quadros com uma lucidez política que só agora, com 54 anos, eu tenho. Só que tinham 30 anos menos. Então, o que produziu toda essa matança foi um retrocesso muito grande de 30 anos na história, porque assassinaram uma geração de dirigentes completa. Não é certo que a matança tenha sido feita contra a guerrilha. A guerrilha nunca mobilizou mais de 5 mil companheiros. Este era o quadro dos Montoneros, incluindo sua logística, superfície, etc. Tinham mil combatentes e 4 mil que os acompanhavam. Esse era o máximo da estrutura. Os quadros sindicais de base foram também executados, porque tinham muitíssima força política nas comunidades de bairros.
Bruno: Até a década de 70, a rebeldia foi então fundamental para o movimento dos trabalhadores?
Angel: Sim. E segue sendo. Porque nós não consideramos que os piqueteiros sejam outra coisa que não trabalhadores desocupados. A CTA reconhece como filiados, com direitos plenos, todo o movimento piqueteiro argentino. Todo companheiro que não em trabalha é reconhecido pela CTA como trabalhador desempregado
Bruno: Isso não faz a CGT?
Angel: Não, a CGT não faz isso. Somente reconhece os contratados. Fazemos para todos, desde os que têm contrato permanente até os temporários ou desempregados. Todos são trabalhadores. Consideramos que todos que têm que trabalhar para ganhar a vida são dos nossos. A única forma de não ser aceito na CTA é não trabalhar, ser ladrão, etc.
Se trabalha, é dos nossos. Então, quando o companheiro está desempregado, para cumprir com as obrigações sindicais, tem de pagar 4 dólares por ano. Pode ser eleito para qualquer cargo, assim como os outros filiados mais antigos. Não há requisito de antigüidade nenhum.
Bruno: Eu gostaria de abrir um parêntesis para que você fizesse um breve histórico do movimento piqueteiro e do que se trata.
Angel: O movimento piqueteiro é particularmente simpático aos trabalhadores do estaleiro porque quando a Argentina não tinha a quantidade de trabalhadores desempregados que tem agora, nós, trabalhadores do estaleiro, bloqueávamos estradas, queimávamos pneus, tomávamos edifícios públicos, tomávamos as fábricas. Estou falando dos anos 90. Tudo isso começa nos anos 90. E estávamos sozinhos. Ninguém fazia piquetes. Porque todo o resto estava em outras coisas. Então, quando vieram as privatizações na Argentina, os piqueteiros começavam a se reunir em rebeliões sociais contra os aparatos políticos. O peronismo estava basicamente corrompendo a liberdade dos desempregados, entregando-lhes ajuda social em troca de votos. Então houve incipientes rebeliões que foram organizando-se apesar de sua humilde condição econômica e desesperadora situação social. Não queriam continuar votando em um partido político que os colocava nessa situação a partir de sua política. Então começaram a se rebelar, fundamentalmente agrupados muito generosamente por militantes de esquerda, que aglutinaram todos os setores. Trabalhadores desocupados se constituíram em piquetes, tomavam identidade própria a partir de tomadas de pontes, de estradas, de algum lugar público ou de pedágios, por exemplo. Tomavam os pedágios e tornavam gratuitas as passagens a todos os motoristas.
Bruno: E quanto à repressão?
Angel: A repressão, tinham que agüentar. As primeiras repressões foram exitosas contra os companheiros. Depois os companheiros começaram a se defender cada vez melhor e a resistência foi crescendo. E hoje não digo que o movimento piqueteiro está em condições de revidar golpe a golpe o que recebem da força repressora, mas sim, posso dizer com toda segurança, que não haverá impunidade. Qualquer um que vá reprimir um piquete na República da Argentina hoje provavelmente não receberá uma derrota, mas certamente uma resposta.
Pedro: Tem havido mortes de companheiros?
Angel: Claro. Muitos mortos. Não tenho a conta precisa, mas passa dos cem mortos. Começa com Victor Choque no sul, com Teresita Rodrigues. Depois dois que são bastante conhecidos, principalmente durante o governo de Duhalde, que foram Cortez e Santillán. Há muitíssimos companheiros caídos em todo território do país. Não há uma província Argentina que não tenha um companheiro caído na luta.
Bruno: Que militantes de esquerda aglutinaram os piqueteiros?
Angel: Formaram-se frações dentro do movimento piqueteiro. Há piqueteiros de fração comunista, socialista, trotskista, etc. É a massa de trabalho. A massa tem todas as ideologias. Tem de haver uma política pluralista que atenda a todos. Se há um grupo que oriente o movimento piqueteiro e que tenha alguma orientação política, isso não significa que todos o movimento tenha também a mesma ideologia! Porque o piqueteiro basicamente é um líder social. Um líder orgânico das massas. Não é um partido político. É uma estrutura orgânica da massa trabalhadora.
Bruno: Mas os piquetes não se fazem em nome de partidos?
Angel: Não. Nenhum piquete tem nome de partido político.
Bruno: O movimento operário argentino do início do século XX também teve influência rebelde anarquista, não?
Angel: Anarquista, comunista, socialista, radical, peronista, trotskista. Se encontram disseminados na massa dos trabalhadores e afirmam-se enquanto tal.
Pedro: Estou desenvolvendo uma pesquisa acerca dos governos d e nova direita, a princípio no México, Argentina e Brasil. No caso argentino, quais são os grupos econômicos mais importantes que conformam esta nova direita?
Angel: Não há mais grupos econômicos na Argentina independentes da política central. Em todo caso, quando se desregula o mercado interno de um país, o que se produz é a livre circulação de capital. Isto destrói tudo o que seria a burguesia nacional. Todo o pensamento nacional de direita desaparece e o que fica é um pensamento burguês multinacional. A concentração de capital não enxerga fronteiras nem nações para ver livre a circulação financeira.
Pedro: Mas em todo caso a oligarquia latifundiária na Argentina continua forte.
Angel: Não. Os grandes possuidores de terra na Argentina não são argentinos. Um dos exemplos é a CNN. Há uma enorme transferência da importância de capital, que não se apóia somente na possessão de terra, mas há que ter as sementes transgênicas, os fertilizantes, os silos, o transporte integrados verticalmente. As “Cinco Irmãs dos Grãos”, a saber: ADM, Dreyfuss, Continental, Cargill, Monsanto e Cultivor e outras mais, são multinacionais. Não são holandesas, nem argentinas, nem brasileiras, nem nada. São multinacionais. As burguesias nacionais já não existem mais. É um pensamento velho.
Há novas nações. O mundo está cheio de novas nações. As novas nações são as corporações econômico-financeiras do planeta Terra, que têm políticas de Estado dentro de si mesmas. Esta é a visão que nós temos da economia atual. Os trabalhadores argentinos têm se dado conta de que quando trabalhamos para o Estado nacional, trabalhamos para nossa pátria e para nosso povo. Mas quando trabalhamos para multinacionais, trabalhamos para a ambição imperial. Empresas às vezes têm volume maior que alguns países. A General Motors é maior que Honduras, a Exxon é maior que Guatemala, a Siemens é maior que El Salvador. Então, estas empresas criadas, que não dependem da vontade popular para nada, que têm seus mecanismos de renovação de autoridades, de legitimação de políticas, de legalização de atividades que não respondem à esfera pública de direito, masaà esferas privadas, são verdadeiras nações em si mesmas e detêm suas políticas de Estado também. Não existe mais aquele panorama nacional da década de 70, provavelmente a última em que vimos algo assim.
Na década de 80 e 90, a economia se transnacionalizou pelas políticas neoliberais. As políticas de Estado dentro das multinacionais são muito mais fortes que as do Estado-nação, porque resultam na compra de um deputado, um senador, ou de algum outro cargo executivo para que se torne um operador em favor de seus interesses. Isto transforma o sistema democrático-representativo num sistema no qual o capitalismo resolve politicamente suas diferenças e seus antagonismos. As contradições, as crises do sistema, nos países, se resolvem na Câmara dos Deputados, no Senado, no âmbito do Poder Executivo. Por isso se faz necessária uma mudança a partir do sistema democrático-representativo a um sistema democrático-participativo.
A única forma de conseguir que os objetivos populares se cumprem é através da participação das gentes. As multinacionais atuam no sentido de formar uma opinião pública que em nada corrompe o Poder Executivo. Pelo contrário, tratam de manter o aparato estatal para que se esqueçam os interesses das maiorias.
Bruno: Eu gostaria de voltar à questão da administração das fábricas do estaleiro Rio Santiago. Durante sua palestra nas Jornadas, você mencionou a co-gestão. Pois bem, que parte da administração cabe ao Estado executar? Isto não afeta a autonomia dos trabalhadores?
Angel: O que temos feito no estaleiro é avançar sobre a condução da empresa. Eu exerço uma gerência em nome dos trabalhadores e obtenho um montão de informação que levo diretamente às bases. A nossa política neste sentido é contundente. Não é possível que nós, os trabalhadores, exerçamos o poder através de um representante. Só através da massas. Portanto, eu sou um quadro do poder executivo da empresa com todas as qualidades que tem um quadro executivo qualquer. Nós nos fazemos fortes se todas as informações que eu processo, se toda minha gerência trabalha para a classe trabalhadora. A gerência de qualidade do estaleiro Rio Santiago emite periodicamente informações, estatísticas, estudos técnico-econômicos, emite avaliações do andamento da fábrica, dos abastecimentos, da qualidade dos trabalhos. Tudo isto é completamente acessível a qualquer um dos 2.400 companheiros da fábrica e, neste caso, trata-se em grande parte das tarefas profissionais.
Mas, além disso, todos os dias eu entro na fábrica às 6h30, que abre às 7h, e desde a manhã estou disponível para o pessoal. E quando o pessoal começa a entrar na fábrica, eu caminho de dentro da fábrica até fora, para que os companheiros me vejam. Não há intermediários para que me façam a pergunta que quiserem, ouvir conselhos, pedir algo de que necessitam, para dizer e corrigir-me em algo em que me equivoco. Também temos uma Comissão Operária Fiscalizadora, também nomeada por Assembléia, que tem acesso irrestrito a toda informação da fábrica. Deste modo, a massa está permanentemente informada. Ninguém pode dizer que não sabia, que não foi avisada, etc.
Pedro: E fico imaginando, como é a relação da empresa com você?
Angel?: (risadas…) É tão incômoda para eles quanto é incômoda para mim… Sou um gerente muito diferente. Um gerente que tem voz e voto e o exerce permanentemente, que é membro do Conselho Diretivo Nacional da ATE, e que para isso recebe entre 85 e 90 mil votos em todo país, e que nas últimas três gerências dentro da fábrica é eleito em assembléia por 2.400 votos a zero. Fica difícil negar-me as prerrogativas que estão estabelecidas a favor dos gerentes.
Pedro: E quanto às reformas trabalhistas? Como são tocadas e…
Angel: Em termos de justiça trabalhista, nós mesmos temos resolvido. O que temos feito na verdade é atualizá-la. Para que vocês se dêem conta da importância de uma organização sindical, nós temos um convênio coletivo de trabalho desde o ano de 1975 com vigência desde então, apesar das ditaduras. Assim, os interesses da classe estão melhor custodiados nos sindicatos do que em qualquer agrupação política. Muito melhor. É uma estrutura orgânica dos trabalhadores que permanece com o tempo.
Pedro: De que maneira vocês organizam o trabalho político?
Angel: O primeiro que se faz é detectar o problema. Como temos uma diversidade política muito grande, organizada em agrupaciones como a Celeste, do peronismo das bases; a Bordô, do comunismo revolucionário; a 30 de Outubro dos radicais; a Violeta, do Partido Operário dos trotskistas; a Azul e Branca, do peronismo ortodoxo de direita; a Laranja, de outra vertente trotskista; a Verde,que é pluralista;a Marrom, também trotskista, etc., cada uma delas tem sua própria imprensa, tem circulares a respeito de tal tema. Isto torna o debate nas assembléias riquíssimo, pois permite que um mesmo tema seja abordado por meio de perspectivas diferentes. O debate não se produz nas Assembléias Gerais, se produz abaixo. São muito agressivos todos. Insultam-se para que subam a falar. Aplaudem os amigos e insultam os inimigos.
Consideramos que qualquer um que assuma o microfone esteja contribuindo a nos esclarecer e nos fazemos respeitosos para com esta pessoa até que termine. Como a fábrica é muito grande fisicamente, a verdadeira organização é feita nas bases, por setores, onde há 20 ou 30 trabalhadores que compartilham às vezes a mesma tarefa. Neste caso, nas reuniões por setores participam todos, até o mais tímido. E aí se elege um orador para o conselho de delegados, cerca de 50 em toda a fábrica. Os delegados tratam de entrar num consenso para extrair daí um única moção. Mas é raro que isto aconteça. Geralmente são levadas várias moções para a Assembléia Geral. Além disso, caso haja um companheiro, individualmente, que apresente uma moção dentre os 2.400 companheiros na Assembléia Geral e tenha apoio de algum trabalhador, também se leva em conta esta moção apresentada.
E então é lançada a votação. São tiradas normalmente duas ou três moções votadas majoritariamente, o que permite que estas se apresentem novamente para novas votações. Por outro lado, se se vê que houve uma moção plenamente votada, se opta por ela.
A partir do momento em que a opção foi tomada, trata-se de cumprir com extrema disciplina a moção votada. A partir daí somos um corpo único e saímos em luta em unidade. A disciplina sindical se faz necessária. A democracia também exige disciplina.
Resumidamente, este processo permite à classe trabalhadora muitas opções de luta. A coisa é muito dinâmica. Às vezes a ação sindical está tão avançada que faltar um dia ou dois significa ficar para trás. Aí é preciso correr para atualizar-se. Nossa diversidade ideológica nos torna muito criativos. Estamos permanentemente em luta e com o corpo quente para ir adiante. Por isso estamos avançando e triunfamos várias vezes, porque respeitamos um ao outro.
 
 
 

Últimas Notícias