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Dignidade trabalhista: Colômbia dá o exemplo

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Por Juan J. Paz-y-Miño Cepeda em 07 de maio de 2025

Dignidade trabalhista: Colômbia dá o exemplo

Foto: Bolivar Parra

O presidente colombiano Gustavo Petro promove uma consulta popular com 12 perguntas, destinada a realizar uma profunda reforma trabalhista no país.

A América Latina não é apenas a região mais desigual do mundo, mas também aquela onde empresários e milionários não querem pagar impostos e, principalmente, resistem aos direitos trabalhistas. Consideram que esses direitos aumentam os “custos de produção” (embora, na verdade, o que se afeta é a taxa de lucro) e normalmente são incapazes de perceber que graças aos direitos sociais e trabalhistas sempre houve uma melhora nas condições de vida das classes trabalhadoras.

Historicamente, os direitos trabalhistas foram implantados com o avanço do capitalismo, não apenas pelas lutas operárias e pela ação de intelectuais engajados nessas causas, mas também por meio de governos que souberam compreender a necessidade de reconhecê-los, a fim de evitar que o descontentamento social resultasse em revoluções capazes de derrubar o sistema econômico de livre mercado. Durante o século XIX, conquistaram-se contratos individuais, jornadas máximas, salários mínimos e o reconhecimento de sindicatos e greves. No século XX, houve uma ampliação constante desses direitos: descansos obrigatórios pagos, horas extras com adicionais, licenças médicas e maternidade, seguridade social. Após a Segunda Guerra Mundial, na Europa foram implantados Estados de bem-estar, com amplas garantias para os trabalhadores.

Conquistar direitos trabalhistas na América Latina sempre foi um drama no século XIX, devido à predominância de países pré-capitalistas com regimes oligárquicos. No entanto, a Revolução Mexicana (1910) marcou a reação contra essas heranças e a Constituição de 1917 foi pioneira ao proclamar os principais direitos dos trabalhadores. Com o avanço do século XX, os países latino-americanos aprovaram constituições e códigos do trabalho que reconheceram direitos semelhantes. No Equador, os princípios centrais foram incluídos na Constituição de 1929.

A partir da década de 1980, esses direitos históricos começaram a ser flexibilizados em quase todos os países da América Latina, com a imposição da ideologia neoliberal. Desde a década seguinte, os direitos trabalhistas passaram a ser desconsiderados, em nome da “competitividade” dos empresários privados. E a pressão constante do empresariado para subordinar as relações de trabalho exclusivamente aos seus interesses continua até hoje, apesar da interrupção provocada por governos progressistas nas primeiras décadas do século XXI.

Com esse histórico, é possível entender que o presidente colombiano Gustavo Petro esteja propondo uma consulta popular com 12 perguntas, com o objetivo de promover uma profunda reforma trabalhista (https://t.ly/FGGuz ; https://t.ly/5Vj7S). Por um lado, busca-se restaurar direitos que já existiam e que foram suspensos ou eliminados por diversos governos neoliberais do passado (e violados ou burlados por empresários exploradores), como: a jornada máxima de 8 horas diurnas (entre 6h e 18h, para garantir adicionais pelo trabalho noturno), conquista universal oriunda do movimento operário de Chicago em 1º de maio de 1886; adicional de 100% para trabalho aos domingos e feriados; licenças para tratamentos médicos e períodos menstruais incapacitantes; estabilidade no emprego mediante contratos por tempo indeterminado. Por outro lado, são propostos novos direitos: que as empresas contratem ao menos 2 pessoas com deficiência a cada 100 trabalhadores; que jovens aprendizes do SENA e de instituições similares tenham contratos de trabalho; que trabalhadores de aplicativos de entrega possam negociar seu tipo de contrato e tenham assegurada a seguridade social; a criação de um regime trabalhista especial para trabalhadores rurais, com garantia de seus direitos e salário justo; formalização dos trabalhadores informais (empregadas domésticas, mães comunitárias, jornalistas, esportistas, artistas, motoristas, entre outros), com acesso à seguridade social; criação de um fundo especial para um bônus previdenciário destinado a camponeses. Propõe-se ainda eliminar a terceirização e a intermediação trabalhista; e garantir para as pequenas e médias empresas taxas preferenciais e incentivos. É a saudação da Colômbia ao 1º de Maio, Dia do Trabalho.

Esse conjunto de direitos já existe em vários países da América Latina. No Equador, a jornada de 40 horas semanais foi estabelecida em 1979; o adicional por horas extras de 50% de segunda a sexta e 100% aos sábados, domingos e feriados foi fixado no primeiro Código do Trabalho, de 1938; a seguridade social começou em 1928; é obrigação das empresas afiliar os trabalhadores e é crime não fazê-lo; existe seguro social para o campo; também é obrigatório contratar um número mínimo de pessoas com deficiência; há indenizações por demissão, entre outros direitos; a Constituição de 2008 proíbe o trabalho por hora e a terceirização. Existem outros direitos: aposentadoria patronal, participação nos lucros, sindicalização, greve, contrato coletivo, direitos por maternidade, jornadas especiais, etc. Mas todos esses direitos vêm sofrendo flexibilizações desde os anos 1980, impulsionadas pelo empresariado, que tem propostas “criativas”: cumprir as 40 horas em 3,5 ou 6 dias; contratos eventuais ou por projeto; ampliar o período de contrato de experiência; introduzir o conceito de “trabalhador multifuncional”; não pagar indenizações nem adicionais, entre outras medidas que visam apenas reduzir as responsabilidades patronais. Com os governos empresariais que se sucederam desde 2017, as flexibilizações avançaram e atualmente estão sendo discutidos o aumento da idade para aposentadoria, a redução das pensões e até dos salários, sob o argumento de que o país tem o terceiro maior salário da América Latina.

Nenhum dos direitos trabalhistas impediu o desenvolvimento da América Latina nem afastou os investimentos empresariais. É claro que esses direitos dificultam a intenção de manter trabalhadores semelhantes a escravos ou peões das antigas fazendas latino-americanas, onde as relações de trabalho se subordinavam à vontade dos patrões. Garantias dos Estados de bem-estar, como nos países nórdicos europeus, também não impediram o progresso, mas melhoraram a qualidade de vida geral. O bem-estar alcançado nos Estados Unidos com o New Deal de Franklin D. Roosevelt (1933–1945) foi desmantelado a partir do governo de Ronald Reagan (1981–1989), sob a perversa ideia de “liberdade econômica”, que também se espalhou pela América Latina. O recente relatório da OIT sobre “Trabalho, emprego, proteção trabalhista e social na América Latina e Caribe, 1994–2024” (https://t.ly/Dn4Z7) mostra alguns avanços institucionais, mas não em todos os países, de modo que os desafios para melhorar a qualidade do trabalho ainda persistem.

Por outro lado, enquanto o México avança com políticas sociais, na Argentina a qualidade de vida dos trabalhadores retrocede com a ideologia libertária, e o Equador segue pelo mesmo caminho. Assim, a reforma trabalhista na Colômbia responde ao nível de deterioração dos direitos trabalhistas em toda a região e a um clamor social reprimido por reverter essa situação, restaurar conquistas históricas e avançar em novos direitos que garantam o bem-estar coletivo, promovam a redistribuição da riqueza e impeçam a exploração humana — aspirações que ainda não se consolidaram, de forma definitiva e duradoura, na América Latina.

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publicado originalmente em Con Nuetra América

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