Operação Águia – Aliança para o Progresso (E 10)
Texto: Camila Feix Vidal - IELA
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Por Bruno Felipe Miranda – El Salvador
25/03/2009 – A intenção desse artigo é transmitir aos que acompanham o trabalho do IELA em Florianópolis a percepção de um brasileiro convidado a participar como observador internacional nas eleições presidenciais de El Salvador no último 15 de março, assim como alguns dos seus momentos anteriores e posteriores. Dada a falta de informação e conhecimento por parte do meio universitário e militante brasileiro sobre a história dos países centro-americanos, creio que qualquer outra visão nos ajudaria a aproximar e compreender um pouco mais a experiência de luta dessa região.
Trata-se de um país cujos personagens históricos têm as dimensões políticas de um Farabundo Martí, líder da rebelião camponesa-indígena de 1932 e referência para a guerrilha dos anos 80; e de um Monsenhor Romero, arcebispo de San Salvador e denunciante dos abusos e torturas cometidas pelas Forças Armadas durante os anos de guerrilha, assassinado quando rezava missa em março de 1980. De outro lado, as dimensões nefastas de figuras como o Coronel Monterossa, responsável pelo esquadrão Atlacatl, que durante a guerra dos anos 80 bombardeou e massacrou mais de 1000 homens, mulheres, crianças e idosos de Mozote, na região guerrilheira farabundista de Morazán.
A força da história recente desse país aliada ao convite feito pelo Comité para el Cambio de El Salvador de México, feito no calor da disputa eleitoral e da então possibilidade de triunfo por parte da Frente Farabundo Martí de Liberação Nacional (FMLN), serviu de oxigênio para o grupo de estudantes latino-americanistas da UNAM, todos com o mesmo afã de aproximar-se um pouco mais dessa região central que historicamente tem sofrido seguidas intervenções contra-insurgentes diretamente do imperialismo ianque.
Nas vésperas das eleições, fomos capacitados pela FUNDASPAD, Fundación Salvadoreña Para el Desarrollo Local y la Democracia, ONG que nos enviou para Centros de Votação em Ciudad Delgado, na região metropolitana de San Salvador, composta por outras 13 cidades e com uma população que passa de 1 milhão e meio de habitantes. El Salvador, com 14 estados (departamentos) e 262 municípios, possui uma população de cerca de 6 milhões de habitantes, sendo que outros mais de 2 milhões vivem nos Estados Unidos.
Sua capital San Salvador, onde já não governa a FMLN, à primeira vista choca pela quantidade de shopping centers – que legitimam o discurso de modernização do país no pós-guerra – e pelo abandono dos centros culturais e bibliotecas. A cidade contribui com quase 30% dos votos em termos nacionais. Nas eleições de janeiro de 2009 para deputados e prefeitos, a FMLN conseguiu 35 deputados, de um total de 84 e 75 prefeituras, ou conselhos municipais, de um total de 262. A Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), partido que congrega a direita anti-comunista salvadorenha, adversária direta da Frente, conseguiu eleger 32 deputados e 121 conselhos municipais.
A aliança feita durante a campanha presidencial entre ARENA, cujo candidato era Rodrigo Ávila, ex-diretor da Polícia Civil Nacional, PCN (Partido de Conciliação Nacional) e PDC (Partido Democrata Cristão), a princípio criou um clima de disputa mais acirrado e acabou por polarizar os salvadorenhos radicalmente. O histórico de fraudes confirmadas em 1972 e 1977 – motivo que entre outros serviu de estopim à guerrilha desatada nos anos 80 – dava o tom da disputa.
Adotada com freqüência nas eleições do país, a fraude se evidencia em mecanismos como o “voto acarreado”, pelo qual se convocam nicaragüenses, hondurenhos e guatemaltecos para que cruzem as fronteiras centro-americanas e votem em El Salvador, com cédulas de eleitor falsificadas.
Em El Salvador não existe o voto residencial, isto é, o voto local, por bairro ou colônia, que impediria em primeira instância os votos de pessoas alheias à localidade – ainda que nas eleições de 18 de janeiro tenha havido experiências isoladas. Também não têm possibilidade de exercer o voto os que vivem fora do país, cerca de 25% de toda população salvadorenha.
Além disso, o TSE salvadorenho, composto por 5 magistrados, 3 dos quais representam o partido no governo, mantém o controle do Registro Eleitoral, sem que possa ser auditado e vigiado pelos demais partidos políticos. Tornou-se pública a denúncia, por parte da FMLN, da existência do registro de mais de 100 mil falecidos que ainda mantêm cédula eleitoral ativa. Durante a observação do dia 15 de março, essa denúncia ganhou vida: um senhor de cerca de 40 anos de idade se aproximou e nos apontou, na lista de votantes, a fotografia e o registro de seu pai, que havia morrido um ano antes, exigindo que não deixássemos outro alguém votar em seu lugar.
Antes disso, às 5h da manhã, estávamos, os observadores, às portas dos respectivos Centros de Votação, para acompanhar a instalação das urnas e toda movimentação posterior. O clima de guerra eleitoral pairava no ar: militantes de ambos partidos davam mostra da polarização social vivida no país. Nas mesas de votação, dois membros de cada partido eram acompanhados por outros dois vigilantes também de cada partido, estes últimos identificados com uniformes e cores da FMLN e ARENA. A vigilância entre todos os componentes era constante. Nós observadores acompanhávamos as eventuais anormalidades e servíamos de voto de desempate em caso de impasses na mesa de votação.
A sensação era muito parecida a de uma partida de futebol. Os votantes também traziam suas camisetas, bonés, pulseiras e fantasiavam seus animais de estimação. Tínhamos a recomendação de não vestir vermelho nem branco ou azul, para que não nos vissem identificados com FMLN ou ARENA. Foram colocadas à disposição dos votantes um total de 9.534 JRV´s, cada uma com 450 votos.
Depois da abertura dos portões, às 7h, e durante a votação, alguns casos típicos de fraude: cédulas eleitorais falsificadas e fotocopiadas, cidadãos tentando votar mais de uma vez e propaganda política nas portas dos locais de voto abertamente. Às 17h, já com os portões fechados, tem início a contagem dos votos. Em cada Centro de Votação, a vitória da Frente vai ganhando corpo, acompanhada sempre de perto pelos votos arenistas.
Resultado final: 51,32% FMLN contra 48,68% ARENA, com uma diferença real de pouco mais de 69 mil votos. Num país onde o voto não é obrigatório, 61% dos 4,2 milhões de votantes compareceram, quantidade considerada a maior de todo o período recente do país.
Para surpresa da delegação de observadores e dos próprios salvadorenhos, poucas horas depois de encerrada a votação, já se sabia o nome do novo Presidente da República. Além disso, nos surpreendeu a relativa tranqüilidade e eficiência na contagem dos votos. Poucos esperavam que a ARENA fosse reconhecer a derrota tão facilmente em pronunciamentos oficiais.
Quando os resultados já garantiam a vitória da Frente, em sua primeira declaração como presidente eleito, Maurício Funes insistiu na necessidade do pacto social, num chamado à unidade e à conciliação nacional, convocando tanto o empresariado quanto a própria direita salvadorenha expressa na ARENA ao diálogo. O candidato opositor por parte da ARENA, Rodrigo Ávila, ofereceu ao recém empossado uma oposição construtiva e vigiadora. A Associação Nacional da Empresa Privada(ANEP), por sua vez, convidou o governo de Funes a um diálogo fraterno e sincero e ao mesmo tempo tratou de tranqüilizar os empresários para que mantenham seus investimentos no país.
Ao contrario da história recente de países como Bolívia e Equador, onde movimentos sociais organizados serviram de base e respaldo social para eleição de seus governos atuais, em El Salvador, o que se nota é um fenômeno político parecido, guardadas as especificidades, ao caso do PT brasileiro. Apesar do passado guerrilheiro que diferencia radicalmente as duas experiências, passada a guerra, a Frente passou a sofrer uma transformação gradual e se adequar ao jogo eleitoral, simultaneamente amenizando o discurso duro para poder ganhar a simpatia de setores conservadores e evitar a fuga de investimento externo do país. De fato, a morte do líder histórico da FMLN e do PC salvadorenho, Schafik Hándal, candidato nas eleições passadas e que mantinha uma política mais fiel à história da Frente, contraditoriamente contribuiu para a vitória presente, comentam os companheiros salvadorenhos do Comitê.
No entanto, é preciso contextualizar o que significa o sucesso efemenelista. Trata-se de um fato histórico primeiramente porque depois de 20 anos de governo arenista de sucessivas fraudes comprovadas, a ARENA é lançada fora da cadeira presidencial. Com isso, a oligarquia salvadorenha passa à oposição e deixa postos centrais nos ministérios de governo e demais instituições públicas. Segundo e mais expressivo é a memória dos mais de 75 mil mortos em 12 anos de guerra entre organizações guerrilheiras farabundistas e Forças Armadas, entre 1980 e 1982.
Isso ajuda a entender a comoção vivida e sentida nas avenidas da capital San Salvador na noite de 15 de março, quando milhares de farabundistas, vestidos de vermelho, expressavam suas angústias e celebravam entre lágrimas e desabafos “Sí se pudo!”. Em entrevista ao periódico Co Latino, o analista Dagoberto Gutiérrez declara que “es una victoria donde resuena el llanto, la sangre, el dolor, la lágrima, el miedo de todos los desaparecidos y asesinados por los escuadrones de la muerte. Es una victoria donde recorre una lágrima inmensa que se llama Monseñor Romero”.
Agora, passadas as eleições, é hora de sentar a poeira e enfrentar os desafios que se colocam pela frente. No caso salvadorenho não impacta somente a crise financeira mundial. Como se fosse pouco, o país tem quase 20% de seu PIB nas remessas familiares enviadas dos Estados Unidos. Mesmo com a queda nas remessas, Funes afirmou que seu governo de imediato vai propor 50 dólares como quota para aliviar as necessidades primárias das famílias que vivem em extrema pobreza, dando especial atenção aos aposentados e às mulheres. Na outra ponta, os indocumentados nos Estados Unidos demandam uma reforma migratória que facilite sua legalização. No campo, a produção agrícola salvadorenha (café, algodão) depende em grande parte das altas e baixas das produções de outros países da região, Brasil incluído. Além desses fatores, a prefeitura da capital voltou para o controle da ARENA e seu peso político nacional é muito representativo.
O presidente salvadorenho ganhou apoio da associação civil Amigos de Maurício, composta por cidadãos não vinculados à FMLN, empresários e pelo banqueiro Carlos Cáceres. Funes também já afirmou que não pretende inscrever-se no projeto da ALBA e que vai manter os acordos comerciais do TLC com os Estados Unidos. De um lado, em mensagem publicada em periódicos salvadorenhos, o governo chavista afirma que o triunfo da Frente “consolida la nueva corriente histórica que en esta primera década del siglo XXI se ha levantado en toda América Latina y en el Caribe”. “Los hijos de Bolívar tendemos nuestra mano solidaria al presidente Mauricio Funes”, complementa. De outro lado, a visita do Subsecretario de Estado dos EUA, Thomas Shannon, a El Salvador, poucos dias depois da eleição de Funes, confirma as intenções e as preocupações do governo de Barack Obama com o TLC centro-americano.
Casado com a brasileira Vanda Pignato, representante petista no país, Maurício Funes deixou claro desde o início de sua campanha que, entre os “governos progressistas” da América Latina, seu governo se espelharia no governo de Lula. O curioso é que isso foi levado ao pé da letra: sua campanha eleitoral contou com membros da mesma equipe de marketing político de Lula em 2002. O slogan “A esperança vence o medo” também serviu de instrumento, na campanha de Funes, para tranqüilizar a classe média e o empresariado salvadorenho e estadunidense presente no país, com relação a uma suposta parceria e identidade com o governo de Chávez.
Antes Lula que Chávez, essa foi uma das estratégias políticas para a eleição de Funes, num país em que a grande mídia televisiva e escrita ainda mantêm uma linha abertamente anti-comunista, como se o Muro de Berlim ainda não tivesse caído. A impressão é de que, em El Salvador, a Guerra Fria continua. Funes declarou que tem observado com atenção o processo brasileiro, que garante segurança macroeconômica e governabilidade democrática e que tirou da pobreza mais de 23 milhões de brasileiros. Além de estratégia política para afastar as críticas da ARENA, a figura de Funes aliada aos comunistas que se mantiveram na FMLN juntos estão dando todos os sinais de mais um governo “morno” na região.
Algumas das decisões políticas podem também estar condicionadas ao que os demais governos centro-americanos sinalizarem. Como na América do Sul, se forma na América Central um “corredor de governos progressistas”, de diferentes matizes, constituído por Daniel Ortega em Nicarágua, Alvaro Colom em Guatemala e Manuel Zelaya em Honduras. Vale a pena acompanhar o desenrolar político em El Salvador.
Texto: Camila Feix Vidal - IELA
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