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Entrevista de Nildo Ouriques ao Jornal dos Economista do Corecon/ Rio

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Por IELA em 18 de outubro de 2010

Entrevista de Nildo Ouriques ao Jornal dos Economista do Corecon/ Rio
1 – Qual a atualidade dos conceitos de soberania e de independência nacional?
O mundo é das nações, ainda que a ideologia dominante divulgue todos os dias que as fronteiras nacionais terminaram. Sabemos, desde Marx, que o capital possui uma vocação universal e, portanto, não possui pátria. Mesmo assim, é importante observar que os países centrais defendem completamente suas multinacionais, como ficou explícito na crise mundial que vivemos. Barak Obama injetou bilhões de dólares para salvar os bancos e as montadoras estadunidenses e segue aprofundando o déficit público para salvar as grandes corporações nos Estados Unidos. A situação dos países periféricos é distinta. Nossa soberania – especialmente o caso brasileiro – foi produto de um acordo entre a elite local e império português. O povo não participou do processo. Independência política e dependência econômica. O subdesenvolvimento se aprofundou e matou no nervo qualquer possibilidade de uma completa independência nacional. Ademais, as classes dominantes locais jamais estiveram interessadas em conquistar uma genuína independência; ao contrário, tinham no país a principal mercadoria para negociar nos mercados mundiais.
2  – O século XXI será fortemente marcado por disputas em torno de fontes de energia, inovações o padrão tecnológico de produção, controle de armas de destruição em massa, entre outros pontos de tensão. A existência de um grupo de países detentor de arsenais nucleares afasta o temor de uma guerra total e facilita processos negociais, de entendimento diplomático entre potencias globais?
Os países centrais são países imperialistas. É no mínimo uma perigosa ingenuidade esquecer a natureza imperialista dos países centrais. E os países imperialistas – com Estados Unidos a cabeça – não estão interessados em negociar absolutamente nada. O mundo é um cenário conflituoso em que o mais forte impõe os termos da paz e o terreno da guerra. A invasão do Iraque revelou ao mundo que o controle da energia atômica – e da bomba – é a única garantia para não sofrer uma agressão bárbara como a que observamos também no Afeganistão. Contudo, entre as potencias, pode existir conflito pelo controle mundial dois recursos estratégicos e elas admitem guerras regionais onde cada uma apóia forças diferentes, em disputa, no interior do estado nacional periférico. Há muitos exemplos na atualidade. Mas não esqueça o decisivo: nenhuma aceita a rebelião de qualquer país periférico.
3 – Como você avalia a situação do Brasil…. 
O Brasil é um gigante com os pés de barro. Aqui se processa a clássica fórmula de André Gunder Frank: um caso típico de “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. A burguesia brasileira não esta interessada em afirmar a grandeza do país, superar o subdesenvolvimento, inaugurar uma “revolução democrática” capaz de mobilizar as energias nacionais e populares em favor de uma grande transformação no país. Por isso seguiremos tendo grande “êxito”na exportação de produtos agrícolas e minerais com enorme dependência tecnológica. De fato, estamos cada dia mais longe do dinamismo da revolução científico-técnica que ocorre nos países centrais. A caricatura do fenômeno são nossas universidades: o avanço científico esta dado pelo numero de artigos publicados em revistas dos países centrais – que aqui denominam orewlianamente de “internacionais” – e não registramos patentes. Portanto, por mais perversa que seja a “liberalização financeira”, a verdade é que o domínio das altas finanças interessa a todas as frações do capital, por mais que exista a “critica” aos juros. 
4 – No caso específico do pré-sal…
Podem, talvez. De fato, há aspectos jurídicos em questão. Mas muito provavelmente não lancem mão deste mecanismo de disputa se a modalidade de exploração for favorável as multinacionais como parece que será. É muito possível que a classe dominante brasileira disponibilize esta grande riqueza para a exploração das empresas multinacionais sem grande conflito, desde que algumas migalhas caiam sobre suas pernas. Historicamente tem sido assim. Afinal, o que ficou no Brasil com o ciclo do ouro ou da borracha? Creio, ademais, que o pré-sal tornará nossa classe dominante mais perversa: ela adotará parcialmente o rentismo petroleiro que caracteriza, por exemplo, o México e a Venezuela. Ou seja, vamos introduzir os efeitos nocivos do rentismo petroleiro em nossa dependência. No limite, o rentismo tornará ainda mais fácil a adequação do país como fornecedor de matérias primas e alimentos, mais dócil a aceitação da divisão internacional do trabalho desfavorável. Não tenho dúvidas a respeito deste ponto.
5 – Estamos numa área de influencia direta estadunidense…
Os Estados Unidos seguem sendo o principal país imperialista. Mas a crise do capitalismo global é séria demais e vai perdurar mais algum tempo. As conseqüências no interior do império ainda são imprevisíveis, mas é óbvia que a tentativa da elite de conseguir alguma coesão social com Obama para o papel imperialista do país no mundo ainda não resultou. De resto, a grande questão é que não somente lá as coisas estão difíceis – desemprego, crise social, violência, etc – senão que o keynesianismo militar não esta resolvendo a crise. E o dado mais importante é que a América Latina já não aceita docilmente a dominação estadunidense. O nacionalismo revolucionário na América Latina (Venezuela, Bolívia, Equador e Cuba) dificultam em grande medida a dominação imperialista na região.
6 – Como você interpreta o recente acordo militar….
Enquanto o Brasil não for plenamente soberano, ou seja, enquanto esta soberania não for nacional-popular, acordos militares com a potência dominante são tão indesejáveis quanto inevitáveis. Além disso, as 7 bases militares na Colômbia e as de Honduras – com intensa articulação – e a IV Frota revelam que tanto os democratas quanto os republicanos possuem grande coincidência em matéria de política externa. É natural esta coincidência: típica de países imperialistas. O mais importante neste acordo é que ele não mereceu a atenção da imprensa, dos partidos políticos, sindicatos. Isso significa que o colonialismo esta incorporado e parece absolutamente “natural” acordos dessa natureza que mereceriam um debate amplo sobre seu alcance, suas conseqüências, sua importância. Mas fazendo uso da “liberdade de imprensa” um acordo desta dimensão foi deixado de lado; sem dúvida, um assunto considerado menos importante. Como disse Ricúpero, quando ministro, “há temas ou coisas que devemos ocultar”.
7 – Como você acredita que a união dos países da América do Sul…
A Unasul tem a virtude de não incluir os Estados Unidos. A OEA é, neste contexto, uma organização caduca. Che Guevara considerava-a como o Departamento das Colônias dos Estados Unidos. Não era um exagero, obviamente. A OEA serve inteiramente aos interesses da política imperialista. Contudo, a novidade da Unasul somente se consolidará quando as revoluções nacionais aprofundarem sua vocação socialista. Ela é importante porque revela que a política externa estadunidense possui obstáculos como nunca antes, mas ainda são insuficientes. E não será com o esforço diplomático que vamos enfrentar os interesses imperialistas estadunidenses na região. O esforço diplomático é parte da luta emancipatória e somente neste contexto é que pode ganhar relevância. Há grande ingenuidade no Brasil contemporâneo sobre as possibilidades da diplomacia. Em parte deve-se a certa renovação  do Itamarati introduzida pelo papel de Samuel Pinheiro Guimarães, entre outros. Mas é preciso cautela na análise, pois uma diplomacia voltada para a independência plena do país está longe de existir entre nós. Mas é preciso entender o otimismo atual: ocorre que a diplomacia tucana era tão subserviente que a atual linha desenvolvida por Amorim Guimarães e Marco Aurélio Garcia parece revolucionária pelo fato de esboçar certo realismo na atuação. E haveria que agregar o fato de que o pacto de classe estabelecido para sustentar o Plano Real permitia uma mudança na diplomacia brasileira. Mas insisto: não se trata de uma mudança brusca.
8 – A idéia do Banco do Sul – como banco de fomento –
Os instrumentos para a integração latino-americana estão em construção. O Banco do Sul deveria ser uma prioridade do Brasil. Mas há – alerto – duas concepções de integração em curso. A primeira é a bolivariana, impulsionada com particular zelo pelo presidente Hugo Chávez e se consolida com a ALBA (Alternativa Bolivariana das Américas). A outra, representada pelo sub-imperialismo brasileiro, que visa ampliar o investimento e as vendas das empresas brasileiras, especialmente nos serviços, matérias primas e agricultura. Elas são incompatíveis, obviamente. Portanto, uma moeda única e os mecanismos financeiros e monetários correspondentes para a integração dependerão desta disputa para vingar. Eis a razão tanto da lentidão quanto das indefinições atuais sobre o processo.  Além disso, enquanto o pacto de classe que sustenta o plano real for mantido e as prioridades da política econômica perpetuar aqueles interesses, a integração econômica será sempre observada pela classe dominante brasileira como um instrumento para ampliar seu campo de investimento e de venda, dada a limitação do mercado interno em função da concentração da renda no Brasil. 
9 – Os interesses da China na América do Sul e no Brasil são crescentes….
A China, a despeito de suas grandes transformações ainda é um país dependente. Mas possui condições extraordinárias para superá-la. Em primeiro lugar possui uma elite dirigente produto de uma Revolução, em 1949. Ademais, tem imenso território, enorme população e exerce plenamente sua soberania nacional. Possui a bomba atômica e um poderio militar importante. Conquista graus crescentes de autonomia tecnológica. É uma combinação realmente explosiva. Conquistou uma aliança estratégica com os Estados Unidos que nenhuma elite latino-americana, em função de seu grau histórico de subserviência, jamais sequer sonhou. Neste contexto, sua expansão na Ásia, África e América Latina é uma conseqüência necessária de sua evolução recente como um pressuposto de suas ambições hegemônicas. Mas existem graves problemas especulativos e creditícios na China. Um intenso processo de urbanização que produzirá pressões e conflitos importantes. A China seguirá buscando maior influencia na América Latina e no Brasil. Mas a classe dominante brasileira tem uma íntima relação com Washington. Será sempre sua opção preferencial. Os militares brasileiros estão submetidos a influencia estadunidense e da mesma forma o corpo diplomático. A igreja também soma nesta direção. E os intelectuais e a imprensa possuem adoração colonial pelos Estados Unidos, por suas universidades e seu jornalismo.  Mas mesmo assim, os Estados Unidos se tornaram um sócio comercial secundário. Contudo, não esqueça que o controle da dívida externa e as principais relações financeiras, ou seja, a dependência financeira, nasce em Washington. Observe que todos os candidatos a presidente com chances eleitorais, antes de pedir votos nos bairros pobres, foram beijar a mão do capital financeiro em Washington e “dar” uma “palestra” no Council on Foreigh Relations.  A velha subserviência colonial apresentada como se fosse prestígio político: “falar em Washington!” Enfim, os Estados Unidos não necessitam de saldos comerciais com o Brasil. Pode acumular déficits, caso necessário.
10 – Você arriscaria algum prognóstico….
É tanto difícil quanto tentador fazer um prognóstico. É uma relação conflituosa, certamente. Uma potência em crise e um país periférico tentando afirmar os poderes acumulados a partir de 1949. Mas a crise global colocou novos problemas novos nesta relação. Melhor aguardar. Enquanto isso, o melhor é abandonar as esperanças ingênuas de que podemos nos beneficiar de eventuais conflitos entre os dois. Somente poderemos tirar proveito da situação caso entrem em movimento as forças capazes de impulsionar uma revolução nacional-popular e socialista em nosso país.  Neste sentido, é importante aprender com a história da China, da Revoluçao de 1949.

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