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Expansão imobiliária: aluguéis no céu, trabalhadores sem opção

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Por Elaine Tavares em 09 de abril de 2025

Expansão imobiliária: aluguéis no céu, trabalhadores sem opção

Promocional das construtoras e imobiliárias – viver na beira do mar é só para poucos

Florianópolis é uma das capitais brasileiras que mais se expande em construção civil. Está no topo da lista dos mercados imobiliários mais desejados do Brasil e ocupa o terceiro lugar na demanda por moradia de alto padrão, segundo o informe do Índice de Demanda Imobiliária (IDI-Brasil). Basta uma olhada ao redor, principalmente nos bairros do sul da ilha, para ver a vertiginosa ação das empreiteiras. Brotam condomínios e prédios por todo o lado, principalmente nas imediações das praias. Segundo dados do último censo do IBGE, Florianópolis foi a cidade que mais cresceu no estado em números absolutos, perto de 30% entre 2010 e 2022. Já no que diz respeito a números de domicílio, a capital teve um aumento de mais de 90 mil unidades. Mas, se considerarmos os números de 2024, a conta aumenta.

Dos 284 mil domicílios registrados, quase 65 mil estão desocupados ou vagos ocasionalmente. Há muito imóvel sendo usado apenas na temporada de verão, seja para uso dos seus donos que moram fora ou para aluguel temporário. Em muitas praias os proprietários preferem deixar os imóveis vazios, sem colocá-los para aluguel anual, preferindo os ocasionais airbnb. Este breve cenário serve para localizar o leitor diante do drama das famílias que precisam viver em espaços alugados, visto que boa parte das construções que brotam incessantemente é de médio e alto padrão.

Hoje, em abril de 2025, encontrar um imóvel barato para alugar é coisa rara. No bairro Trindade, que fica no entorno da Universidade Federal e que é o preferido pelos estudantes, o preço dos aluguéis é alto e em relação ao ano passado aumentou quase 30%. Matemática básica: demanda grande, aluguéis nas alturas. A juventude que vem de fora da capital para estudar na UFSC sofre para encontrar moradia. Em geral, os apartamentos são caros – uma média de três mil reais – e os que saem mais em conta, em torno de 1.800 reais, são minúsculos e mal acabados. Isso sem falar que tem o acréscimo dos condomínios que variam de 200 a 800 reais. Sobram os quartos em casa de família ou em moradias preparadas no estilo pensão, que também não são baratas. Um lugar mais “arrumadinho” pode custar até 1.400 reais. As opções mais em conta são as chamadas “repúblicas” nas quais os estudantes dividem o aluguel de uma casa ou apartamento.
Morar nas regiões de praia também não é para qualquer um. Uma casinha pequena, de dois quartos, no Campeche, pode variar de 3.000 a 4.500 reais. Procurando bem até se acham quitinetes por menos de dois mil reais, mas ficam sempre mais afastadas dos centros dos bairros.

Segundo o IBGE o salário médio dos trabalhadores em Florianópolis é de 4, 4 salários mínimos (pouco mais de seis mil reais), mas há que considerar que é a média, e que a cidade tem um número bastante alto de funcionários públicos. O censo de 2010 registrou quase 25% da população da cidade com renda per capta de meio salário mínimo, ou seja, pouco mais de 600 reais. Este dado não é oferecido pelo censo de 2022, mas certamente com o crescimento da cidade a porcentagem deve ter aumentado. É importante lembrar que a capital catarinense recebe grande número de migrantes, que vêm do interior, além dos estrangeiros que só em 2024 somaram quase 1.300 pessoas (haitianos, venezuelanos, equatorianos e africanos). Sem condições de pagar aluguel os migrantes empobrecidos ou buscam as regiões de morro ou ocupações ilegais. Enquanto isso os migrantes ricos comparam casas que não usam.

Já as cidades que ficam no entorno da capital, e que muitas vezes são dormitórios dos trabalhadores, apresentam uma média de salário bem mais realista: São José com 2,2 salário mínimos, Palhoça com 2,3 e Biguaçu com 2,4 (pouco mais de três mil reais, o valor de um aluguel na capital). Estas cidades acabam sendo opção para quem trabalha na ilha e não têm como pagar os altos aluguéis. Ainda conforme o Censo a região metropolitana abriga 63 favelas, espaços de moradia bastante precarizada. E é importante lembrar que há anos a prefeitura não oferece qualquer projeto de moradia popular. O déficit habitacional da cidade é de mais de 20 mil moradias.

Outro drama que se explicita nas ruas da cidade é o dos moradores em situação de rua. Nos últimos anos o crescimento foi extraordinário e atualmente somam mais de três mil pessoas. Elas podem ser vistas nas praças, nas ruas do centro, nos canteiros que ficam no entorno da Passarela do Samba. Há problemas de todo tipo, mas a falta de dinheiro para pagar uma moradia é geral. Quem, sem emprego fixo, poderia pagar um aluguel de mil reais?

O futuro da cidade

A vertiginosa expansão das construções de médio e alto padrão em Florianópolis mostra a crescente renda da terra. Em bairros como o Campeche, no sul da ilha, a valorização dos terrenos está tornando inexorável a venda dos terrenos que por décadas estiveram nas mãos das famílias locais. Quando aquele morador mais velho, que conseguiu garantir um bom pedaço de terra morre, em muito pouco tempo a família é acossada pelas empreiteiras. Os valores cada vez mais altos tornam a oferta irresistível e em pouco tempo o que era uma casa vira um imenso empreendimento. Paisagem especulada ao máximo.

Depois de muitas décadas de lutas populares para garantir um plano diretor que não descaracterizasse a cidade o que parece ter vencido é o capital. Consolida-se a face turística da cidade, a acumulação rentística e a ocupação por gente de fora que compra imóveis para especular ou para passar férias. Aos trabalhadores resta encontrar moradia nos espaços precarizados ou nos municípios vizinhos. Com os salários cada vez menores, uma expressiva parcela da população precisa fazer malabarismo para morar. Famílias com mais de dois filhos, mesmo com uma renda média de quatro salários mínimos (seis mil), não conseguem uma moradia digna e vão se apertando em casas cada vez menores. Mesmo aqueles que conseguiram um apartamento a partir do projeto Minha Casa, Minha Vida, ainda nos primeiros governos de Lula, hoje lutam contra as altas taxas de condomínio. Pagam 80 reais de prestação do apartamento e 400 da taxa condominial: o resultado é a inadimplência e a perda do imóvel.

O futuro que aparece, a considerar as novas construções, é justamente o reino do individual. Nada de filhos, quando muito um gato (já que cachorros são cada vez mais proibidos de viver nos condomínios) , e as pessoas, premidas pelos baixos salários que recebem, vão tendo de aceitar espaços menores para viver. Pipocam os chamados “estúdios” ou “lofts” que nada mais são do que as velhas quitinetes onde mal cabe uma cama. Algumas imobiliárias são explícitas e colocam nos seus anúncios: proibido cachorros e crianças. É preciso ser só e triste. Há quem diga que isso é uma irracionalidade, mas não é. É a racionalidade do capital que busca tornar a cidade uma espécie de pastiche do céu: aparentemente alegre, praieira, divertida, baladeira. Mas, esse é um perfil que serve a uma determinada classe. Aos trabalhadores, a realidade oferecida é outra.

É por isso que as lutas por moradia que pipocam aqui e ali seguem criando tensão na cidade, bem como a gritaria contra os alugueis altos. Mas, estas são lutas bem particulares que pouca atenção recebem dos partidos políticos, dos sindicatos ou da mídia. É uma batalha desigual. Ainda assim, como sempre, é a realidade material que move as gentes. Quando a coisa fica insuportável, explode, criando fissuras na cidade.

De resto, a lição sabemos de cor: o grande vilão é o capitalismo e sua lógica de expansão mortal. Ou se muda o modo de produção ou tudo permanece como está. A batalha é larga e há que travá-la.

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