Guerra cognitiva contra Cuba
Texto: Fernando Buen Abad Abad - Filósofo mexicano
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Foto: Davi Antunes
O imperialismo esvazia semanticamente os signos da Revolução, faz com que “soberania” signifique isolamento, que “socialismo” signifique atraso, que “revolução” signifique ditadura
Além de todos os bloqueios económicos e políticos, o imperialismo trava contra Cuba a guerra cognitiva mais prolongada, sistemática e sofisticada do inventário de dominação semiótica da nossa época. Não se luta apenas contra um território, nem contra um governo, luta-se contra uma possibilidade histórica do pensamento humano.
Cuba não é apenas um país; é uma semiótica emancipadora, uma arquitetura simbólica que condensa a experiência da dignidade organizada. Atacar Cuba é atacar a hipótese da liberdade consciente. Por isso, o inimigo lança sobre ela todo o seu arsenal de distorção cognitiva, manipulação perceptiva e colonização emocional.
I. Semiótica de uma agressão prolongada
Toda guerra é uma disputa pelo sentido. Mas na guerra cognitiva, o próprio sentido é transformado em arma. Ataca-se a capacidade de uma sociedade de interpretar a sua realidade, de amar-se na sua história, de pensar a partir da sua própria experiência. Contra Cuba foi concebida uma maquinaria de dessemantização, cujo objetivo não é destruir fisicamente, mas esvaziar semanticamente os signos da Revolução, fazer com que «soberania» signifique isolamento, que «socialismo» signifique atraso, que «revolução» signifique ditadura. O imperialismo semiótico consiste precisamente em impor o dicionário da dominação como se fosse uma linguagem universal.
Durante mais de seis décadas, Cuba tem sido laboratório e espelho, o laboratório onde se testam novas tecnologias de persuasão imperial e o espelho onde o mundo observa, de acordo com a sua consciência, a dignidade ou a rebeldia de um povo que decidiu pensar-se sem senhores. A agressão cognitiva não se limita às manchetes da imprensa ou aos roteiros de Hollywood, ela se infiltra nas matrizes de percepção, nos algoritmos da emoção, nas estruturas do desejo.
II. Armas cognitivas, do boato à neuro-semiótica do ódio
Suas armas cognitivas são “invisíveis”, mas letais. Elas não disparam balas, mas metáforas envenenadas. Não ocupam territórios, mas cérebros. A inteligência imperial trabalha com base num princípio que a semiótica crítica deve revelar: dominar é controlar a interpretação. Por isso, fabricam-se microclimas semióticos — cenários onde as palavras se carregam de paixões induzidas — e substituem-se as categorias de análise por estímulos emocionais pré-fabricados.
As suas redes sociais imperiais tornaram-se os novos campos de batalha, algoritmos de inteligência artificial monitorizam reações, segmentam populações e adaptam mensagens de acordo com os pontos de ruptura psicológica de cada grupo. Esta é a neuro-semiótica do ódio, uma maquinaria que busca detonar emoções dissolventes, desativar a memória histórica, induzir frustração e culpar o socialismo pelos efeitos do bloqueio.
A estratégia não é debater ideias, mas saturar a consciência com afetos tóxicos até anular a capacidade crítica. Cuba é submetida a uma agressão em que as notícias falsas são uma bala simbólica e cada silêncio da mídia é uma bomba de vácuo. É assim que funciona a engenharia do descrédito: não se busca refutar a Revolução, mas intoxicar a percepção de tal forma que o conceito de Revolução perca seu poder de convocação. E então dizem que é uma «ditadura».
III. Ontologia do bloqueio cognitivo
O seu bloqueio económico, político e financeiro tem correlatos no bloqueio cognitivo. Trata-se de impedir que o mundo pense em Cuba como uma possibilidade, de isolá-la da importância que teve durante décadas no pensamento planetário por meio de uma muralha de preconceitos. O bloqueio cognitivo produz uma realidade invertida, o agressor aparece como defensor da liberdade e a vítima, como repressora. É o terrorismo semântico da linguagem colonial.
A nossa filosofia da semiótica propõe que cada ato de interpretação é uma batalha pelo ser. O que é bloqueado em Cuba não é apenas a entrada de mercadorias, mas a circulação de significados emancipadores. O imperialismo precisa impedir que as palavras «educação gratuita», «médico internacionalista» ou «solidariedade» se tornem desejáveis para os povos. Por isso, promove um sistema mundial de intoxicação semiótica onde a pobreza espiritual se disfarça de progresso.
IV. Engenharia da percepção, o mito da «sociedade fechada»
Uma das operações mais sutis do ataque cognitivo é o mito da «sociedade fechada». Constrói-se uma narrativa que pinta Cuba como um enclave parado no tempo, sem liberdades, sem criatividade, sem alegria. É a velha retórica colonial, mas agora com a estética da Netflix e a gramática do influenciador burguês. Confunde-se deliberadamente a crítica com a calúnia, a análise com o sarcasmo.
O objetivo é induzir uma culpa ontológica, para que o povo cubano sinta vergonha da sua revolução, que pareça velha, para que a juventude interiorize como “atraso” o que na verdade é coerência ética e futuro pleno. Assim, pretende-se esvaziar de sentido o heroísmo cotidiano, as filas compartilhadas, a invenção coletiva diante da escassez. O inimigo quer que cada carência material se traduza em desmoralização simbólica. Em derrota moral.
V. Resistências cognitivas, semiótica da dignidade
Mas há outra guerra — silenciosa, profunda, criativa — que Cuba trava com genialidade, a guerra pelo sentido emancipado. Cada alfabetizador, cada médico internacionalista, cada músico ou professor são guerrilheiros da semiótica. Neles, o signo não se vende nem se ajoelha, é partilhado. A cultura revolucionária cubana demonstrou que o signo libertado do fetiche mercantil pode ser fonte ética de beleza e consciência. Cuba resiste não só com vacinas, mas com símbolos.
No seu cinema, na sua poesia, na sua educação e na sua comunicação, pulsa uma epistemologia da dignidade. Na palavra e na presença indelével de Fidel, de Raúl, do Che e de Camilo. Trata-se de uma práxis semiótica de novo género, que não procura «competir» no mercado simbólico, mas sim desmercantilizar a produção do sentido. Num planeta onde o entretenimento se tornou anestesia global, Cuba insiste na memória, na palavra crítica, na arte como forma de verdade.
VI. Filosofia do ataque, o medo da consciência
Porquê tanto ódio contra um pequeno país cheio de dignidade que cura doentes e ensina a ler? Porque o imperialismo teme mais uma ideia do que um exército, teme a consciência. A guerra cognitiva contra Cuba não se explica pela geopolítica, mas pela semiótica do medo. Cuba demonstra que é possível uma sociedade onde os meios, os modos e as relações de produção de sentido não sejam propriedade privada, onde a cultura seja bem comum, onde a inteligência coletiva vença o lucro.
Essa demonstração, embora imperfeita e sitiada, é insuportável para a ordem burguesa mundial. O capitalismo precisa que a humanidade acredite que não há alternativa. Cuba demonstra o contrário. Por isso, é preciso destruí-la não fisicamente — seria demasiado evidente —, mas simbolicamente, de modo que o mito do «fracasso socialista antiquado» se imponha como verdade psicológica. A guerra cognitiva é a forma contemporânea do terrorismo epistemológico.
VII. Rumo a uma contraofensiva semiótica
Responder a essa guerra requer mais do que comunicação, requer uma filosofia revolucionária da semiótica. É preciso criar inteligência da consciência, sistemas científicos para detectar, analisar e desmontar as operações cognitivas do inimigo. Não se trata de propaganda, mas de epistemologia militante. Cuba também pode ser vanguarda nessa frente se converter seu acervo cultural em um laboratório mundial de comunicação emancipatória.
Cada escola, cada rádio comunitária, cada rede de pensamento pode ser um nó na rede da semiótica libertadora. A defesa do pensamento é a defesa da vida. É preciso alfabetizar cognitivamente os povos, ensinar a ler os sinais do inimigo, a detectar as armadilhas da emocionalidade induzida, a desarmar as metáforas do poder. A semiótica da Revolução deve tornar-se um método cotidiano, pensar criticamente cada imagem, cada palavra, cada gesto.
VIII. Conclusão, o sinal emancipado e emancipador como trincheira
Essa guerra cognitiva contra Cuba é a expressão mais avançada do colonialismo simbólico, mas também o cenário onde se forja a nova ciência da emancipação comunicacional. Diante dos arsenais do engano, Cuba responde com a lucidez do seu povo, com o poder da sua cultura, com a ética da sua memória. Cuba não é apenas vítima, é professora. Ensina que a dignidade, quando se torna método de pensamento, desarma impérios. Ensina que o signo, quando se liberta do fetiche capitalista, pode ser trincheira e horizonte. Ensina que a consciência, quando se organiza, é invencível.
Na era da inteligência artificial e da manipulação em massa, a Revolução cubana continua a ser o acontecimento semiótico mais ousado do século XX que continua a pulsar no século XXI, uma revolução do sentido, um ato de soberania cognitiva. Defendê-la é defender a própria possibilidade de pensar livremente. Porque a guerra cognitiva contra Cuba é, no fundo, uma guerra contra a humanidade pensante. E resistir a ela — com ciência, arte e consciência — é a forma mais elevada de amor pela verdade.
Por tudo isso, a operação para quebrar a força simbólica de Fidel Castro combina a técnica fria da sabotagem com a arquitetura emocional da difamação. Não bastava conspirar para eliminar fisicamente o líder, era preciso corroer a sua aura, transformar a sua presença pública numa fábula de fracasso e ridículo. Desde planos secretos descritos em documentos oficiais até campanhas de rádio e panfletos concebidos para semear a desconfiança, a estratégia foi sempre dupla: desautorizar a palavra de Fidel e, simultaneamente, reescrever a memória coletiva que o legitimava.
Todos os arquivos desclassificados mostram que a CIA e redes associadas tentaram tanto a aniquilação física quanto a degradação simbólica — desde o cerco dos media até propostas grotescas destinadas a humilhá-lo (os famosos «charutos», a manipulação de sua imagem, a sabotagem de discursos) — porque sabiam que a marca moral de Castro excedia qualquer alvo militar, atacá-lo publicamente era atacar o epicentro narrativo da Revolução. A violência semiótica foi, portanto, uma prolongação instrumental da agressão política.
A esse repertório juntaram-se atores exógenos e locais que alimentaram uma guerra total de rumores, falsas atribuições e operações de imprensa — desde militantes anticastristas até grupos da diáspora que trabalharam como multiplicadores. A desinformação alimentou-se de uma lógica precisa: transformar a excepcionalidade ética do projeto cubano em uma anedota escandalosa; traduzir a solidariedade internacional em fraude; fazer acreditar que a liderança moral de Fidel não é outra coisa senão cinismo e simulação.
Filosoficamente, o ataque a Fidel revela o desespero do poder hegemónico diante da possibilidade de um ethos alternativo, não se trata apenas de derrotar um homem, mas de neutralizar uma forma de falar, de agir e de convocar a esperança coletiva. Por isso, a contraofensiva emancipatória deve reparar na dimensão simbólica da luta, recuperar a narrativa, reinstalar a memória crítica, desativar a bomba semântica do descrédito e voltar a converter a palavra em práxis. Só assim se desarma a operação que quis converter Fidel num aviso e não num exemplo de insurgência moral. «Impedir que seja Deus».
Essa guerra semiótica contra o socialismo é o laboratório onde o capitalismo fabrica a sua gramática do medo. Trata-se de uma ofensiva total sobre a linguagem e a imaginação; o inimigo não combate uma doutrina económica, mas uma forma de sensibilidade. O signo «socialismo» é manipulado até ficar saturado de conotações negativas, fracasso, repressão, miséria. É uma guerra em que os conceitos são substituídos por reflexos condicionados, em que a palavra «coletivo» é associada à perda de liberdade e a palavra «mercado» é sinónimo de vida.
O capitalismo, mestre na fabricação de fetiches, precisa que o socialismo seja percebido como uma patologia da história, um desvio contra a natureza do indivíduo moderno. Assim se implanta a semiótica do medo do nós, a anestesia de classe que impede imaginar qualquer comunhão solidária que não passe pelo consumo.
Mas a semiótica socialista, embora sitiada, guarda uma potência latente que o capitalismo teme, a sua capacidade de traduzir a justiça em beleza, a cooperação em conhecimento, a equidade em horizonte simbólico. Por isso, o inimigo não deixa de atacar a sua linguagem, infiltra sarcasmos na educação, banaliza a sua história, caricaturiza as suas conquistas. Quer envelhecê-las a todo o custo. É uma tentativa de esvaziar de alma a própria ideia de emancipação. No entanto, onde a palavra «socialismo» consegue recuperar-se da calúnia e voltar a ser semente de esperança, produz-se um milagre epistemológico, a consciência emancipa-se do fetiche, o signo volta a ser instrumento de verdade e a luta de classes torna-se luta pelo significado do mundo.
É por isso que precisamos da dialética da autocrítica como antídoto científico contra a petrificação do signo revolucionário em meio à Guerra Simbólica. Nenhum projeto emancipatório pode sustentar o seu poder se não revisar, com rigor e coragem, as formas como produz e comunica os seus próprios significados. Num cenário em que o inimigo domina a semiótica global — as emoções, as narrativas, os algoritmos —, o perigo não é apenas ser derrotado pela mentira, mas repeti-la sem perceber. Síndrome de Estocolmo semiótico.
A autocrítica é a forma mais elevada de inteligência coletiva, a consciência de que mesmo as causas justas podem silenciar sob os escombros de sua própria retórica se não renovarem suas formas de dizer e sentir. Na guerra do sentido, o erro não se paga apenas com confusão, mas com desafeto. A revolução que não se analisa a si mesma, que não investiga suas falhas comunicacionais, torna-se seu próprio inimigo simbólico.
É extremamente urgente, para todos nós, uma reorientação na batalha semiótica pela emancipação. De mãos dadas com Cuba. Autocriticar-se não é autodestruir-se, mas garantir que a verdade dos fins não seja traída pelos meios. É um exercício de higiene semiótica, uma pedagogia da lucidez, uma prática que impede que a consciência se fossilize em slogans vazios.
Na Guerra Simbólica, onde o adversário transforma cada fraqueza em espetáculo e cada contradição em prova de «fracasso», a autocrítica é uma forma de ofensiva, revela a maturidade ética de um movimento capaz de se pensar e corrigir sem pedir permissão ao inimigo. Só uma semiótica viva — capaz de se autorregular, de integrar o erro como aprendizagem — pode manter a iniciativa cultural. Onde há autocrítica, há revolução pensante; onde ela falta, começa a domesticação do símbolo e o triunfo da impostura. E não há tempo a perder.
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Publicado originalmente em Cubadebate
Texto: Fernando Buen Abad Abad - Filósofo mexicano
Texto: Reynaldo José Aragon Gonçalves - jornalista
Texto: IELA
Texto: Bento Vilela
Texto: Manuel Salgado Tamayo - Professor Universidade Central do Equador