O Ilaese e os trabalhadores
Texto: IELA
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Imperialismo e Cultura na América Latina
Por Waldir Rampinelli – presidente do IELA
11.04.2011 – A América Latina, quando por aqui aportou o homem branco, era uma terra com uma civilização milenar, com povos e nações desenvolvidas, cujas economias voltadas para o “bem viver”, não conheciam a fome. Nos Andes Centrais, assim como no Egito e na Mesopotâmia, surgia a agricultura dos primeiros sistemas econômicos do mundo. O milho, por exemplo, foi uma criação dos mesoamericanos. As culturas estavam diversificadas e a ciência e o conhecimento alcançavam a vida de todos em suas comunidades organizadas. Inclusive, quando um povo guerreava com outro, o vencedor cobrava tributos, nunca impunha sua cultura sobre os vencidos.
O imperialismo tornou-se uma realidade com a chegada dos conquistadores europeus. O colonialismo, a primeira forma de manifestação imperialista que perdurou por mais de 300 anos, não apenas expropriou nosso excedente econômico como também nos impôs uma nova cultura. Pablo Neruda sintetizou em uma frase esta junção de dominação econômico-cultural. Diz ele: “A espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem”.
O primeiro levante rebelde contra o colonialismo-imperialista e a dominação cultural foi organizado pelo cacique Enriquillo, nas montanhas da Ilha Hispaniola (hoje República Dominicana e Haiti), sendo considerado o primeiro movimento guerrilheiro da América Latina. Durante quarenta anos os indígenas, com arco e flecha nas mãos, resistiram às investidas de Cristovão Colombo e de seus homens. Ao serem atraídos para uma negociação com os espanhóis, os líderes nativos pagaram com suas vidas por terem acreditado em um pacto entre dominador e dominado. Seguramente uma lição histórica para todas as guerrilhas que nos próximos 500 anos cometeriam os mesmos equívocos, ou seja, negociar entregando o seu instrumento de força: a organização e as armas.
No entanto, a luta contra o colonialismo-imperialista continuou por meio dos negros escravizados e dos indígenas subjugados, buscando as mais variadas formas de resistência, quer fundando quilombolas para restaurar sua cultura e sua economia voltada para o mercado interno, quer utilizando-se de rebeliões como as de Túpac Amaru, em Cuzco, ou Túpac Katari, em La Paz, ou do mecanismo de braços caídos para não enriquecer os donos do capital.
As guerras pela independência, no início do século XIX, revelaram a figura de Simón Bolívar, o primeiro antiimperialista que formulou a concepção de Pátria Grande para que pudéssemos fazer frente ao livre-cambismo dos poderosos ingleses e que previu o avanço dos Estados Unidos sobre o resto das Américas ao afirmar que eles, os do Norte, “parecem destinados pela Providência em encher a América de miséria em nome da liberdade”.
O grande levante do Libertador das Américas – aparentemente um fracasso, já que o mesmo chegou a dizer no final da vida que fazer a revolução na América era o mesmo que arar no mar – influenciou o pensamento antiimperialista de um outro latino-americano, o cubano que marcaria a segunda metade do século XIX e todo o XX: José Martí.
Martí, que luta com a pena e o fuzil para que sua Cuba se torne livre do colonialismo espanhol e não caia nas garras do imperialismo estadunidense, afirma que “estes tempos não são para descansar com o lenço na cabeça, mas sim com as armas como travesseiro”. E completa: “Trincheiras de idéias valem mais que trincheiras de pedra”. Ele vai enfrentar o imperialismo, que toma também o nome de pan-americanismo, realizando a batalha das idéias e a luta revolucionária. Com base nesta estratégia de Martí, dirá Fidel Castro na Segunda Declaração de Havana (1962), que o revolucionário não fica sentado na soleira da porta da casa para ver o cadáver do imperialismo passar. Mas sim fazendo a revolução.
[Fernando Rojas] Foi por conta, em grande parte da atuação internacionalista dos cubanos, que sem dúvida alguma, o cadáver do appartheid da África do Sul passou ante nossos olhos; foi por conta, em grande parte dos cubanos, que o cadáver do colonialismo português foi sepultado de vez na África; foi por conta, em grande parte dos cubanos, que os Estados Unidos se obrigaram a tratar a América Latina de modo diferente depois da Revolução Democrático-Popular, Nacionalista, Antiimperialista e, por fim, Socialista, que eles fizeram, mantiveram e consolidaram há apenas 90 milhas do império mais poderoso do mundo.
Por isso, é preciso rememorar, entender e estudar nomes relacionados à Cuba revolucionária, como José Marti, Júlio Antonio Mella, Ernesto Guevara de la Serna e Fidel Castro Ruz na luta teórica e prática contra o imperialismo.
Isso sem descuidar os grandes teóricos do início do Século XX que trataram do tema do imperialismo com maestria, como Hobson, um social-liberal londrino, que mostrou que a atuação do imperialismo da Grã-Bretanha no mundo, por conseqüência, destruía a democracia interna da Inglaterra; Hilferding, um marxista, que fez uma análise teórica valiosa da “fase moderna do capitalismo; e Lênin, que vai mostrar que a livre concorrência leva à concentração da produção e esta, por sua vez, conduz ao monopólio, que é uma das características da destruição do capitalismo e do surgimento do imperialismo.
Na atualidade, o imperialismo se manifesta preponderantemente por meio da dominação cultural, tendo dois objetivos fundamentais, segundo o sociólogo estadunidense James Petras, sendo um econômico e o outro político: conquistar mercados para seus produtos e estabelecer a hegemonia moldando a consciência popular. A exportação de produtos de entretenimentos – os culturais – é uma das fontes mais importantes de acumulação de capital e lucros globais, tomando o lugar da exportação de produtos industriais. Na esfera política, o imperialismo cultural desempenha um papel fundamental ao dissociar as pessoas de suas raízes culturais e tradições de solidariedade, substituindo-as pelas necessidades criadas pela mídia, que mudam a cada campanha publicitária. O resultado político é a alienação do povo em relação a sua classe tradicional e aos vínculos comunitários, atomizando e separando os indivíduos.
É inacreditável que em nossa Ilha da Magia, a bruxa de Franklin Cascaes que encantava os moradores da Lagoa da Conceição em noite de lua cheia seja substituída pela festa importada do Hallowen, cujas máscaras você compra nos supermercados da cidade. Isso é o imperialismo cultural.
É inaceitável que fundações de países imperialistas financiem projetos de nossas universidades pautando o tema de nossas pesquisas e direcionando os resultados. Isso é o imperialismo cultural.
É incrível que o curso de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina tenha criado a Cátedra RBS – Rede Brasil Sul – entidade associada à Rede Globo de Televisão, ambas defensoras e mantenedoras do monopólio nas comunicações. Portanto, opositoras de qualquer forma de democracia participativa e igualitária. O objetivo desta Cadeira de Ensino é preparar jornalistas “técnicos, competentes e subservientes” – mas não críticos, independentes e dialéticos – para atuarem em seus órgãos de comunicação espalhados na região sul do país. É uma interferência não apenas pedagógica, mas principalmente política na universidade. Isso é o imperialismo cultural.
Penso, senhores e senhoras, que quando analisamos e criticamos o imperialismo na universidade – seja ele econômico/financeiro/militar/cultural – temos ainda infelizmente os pés de barro. Falta-nos, no dizer do reitor da Universidade Nacional Autônoma do México José Narro Robles que “já não é suficiente que a Universidade gere e transmita conhecimento para cumprir com nossa função com responsabilidade social. Mas que é necessário assumir um papel mais ativo na proposição e execução de soluções dos problemas nacionais”.
José Vasconcelos, em 1920, assim expressava o seu nacionalismo cultural ao tomar posse como reitor da Unam:
A pobreza e a ignorância são nossos piores inimigos, e nos toca resolver o problema da ignorância.
Eu sou nestes momentos, antes que o novo reitor que sucede aos anteriores, um delegado da Revolução [referia-se à Mexicana de 1910] que não vem buscar refúgio para meditar no ambiente tranqüilo das salas, mas sim convidá-los para que saiais com ele para a luta, e que dividis conosco as responsabilidades e os esforços. Nestes momentos eu não venho trabalhar pela Universidade, mas pedir que a Universidade trabalhe pelo povo.
A América Latina é, hoje, o lugar do novo. O nacionalismo, que assume características revolucionárias em vários países, desencadeou um amplo processo de mudança por meio de um novo constitucionalismo. Temas como, por exemplo, a democracia, a economia, a diplomacia, a cultura e a história, cujos conceitos e conteúdos sempre foram impostos pelas ideologias eurocêntrica e pan-americana, estão sendo duramente questionados em certas partes de nosso continente e, em alguns países, superados. As novas Constituições, discutidas e votadas pelo povo por meio de processos constituintes, já incorporaram em seus artigos a plurinacionalidade, a pluriculturalidade, a plurietnicidade, o poder popular, a justiça comunitária, a defesa das riquezas nacionais a serviço de suas populações e, uma delas, a boliviana, adotou outros modos de produção – o ayllu – que não o capitalista clássico. É a refundação da República com uma descolonização da mente e uma redescoberta da própria história. Isso preocupa tanto o Departamento de Estado, em Washington, que o Documento de Santa Fé II, uma estratégia para a América Latina para a década de 1990 já dizia que “o matrimônio do comunismo com o nacionalismo na América Latina representa o maior perigo para a região e os interesses dos Estados Unidos”.
Depois de trezentos anos de colonialismo seguidos de duzentos de neocolonialismo que serviram para transferir nosso excedente econômico às metrópoles e para aprofundar a ideologia de que “raças superiores” fazem história enquanto que as “inferiores” carecem dela, o nacionalismo revolucionário pode significar o começo do fim dessa dominação e a busca por uma igualdade racial, ou seja, o banimento da colônia que continuou vivendo na República, como dizia José Carlos Mariátegui
O Instituto de Estudos Latino-Americanos, ao propor o tema “Imperialismo e Cultura na América Latina” para discussão nas 7 Jornadas Bolivarianas pretende tão-somente estimular a discussão, incentivar a crítica e avançar no debate teórico para que todos nós – Universidade, Sindicatos, Partidos Políticos, Movimentos Sociais – possamos superar a dependência de todos os imperialismos que nos oprimem e construir uma nação brasileira e latino-americana soberanas.
Isso se faz, sem ficar sentado na soleira da porta.