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IPEA lança Revista Tempo do mundo

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Por IELA em 25 de março de 2010

IPEA lança Revista Tempo do mundo
Por Fernando Correa Prado – economista
25.03.2010 – No dia 04 de março, em Brasília, e também nos últimos dias 11, em São Paulo, e 18, no Rio de Janeiro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) lançou a revista Tempo do mundo, publicação quadrimestral que se soma aos crescentes esforços deste organismo no sentido de resgatar e levar adiante o debate sobre o desenvolvimento nacional.
Com nome inspirado no historiador francês Fernand Braudel – “O tempo do mundo” é o subtítulo do terceiro tomo de Civilização material, economia e capitalismo, obra monumental que interpreta a história européia e mundial entre os séculos XV e XVIII –, a nova revista internacional do IPEA “foi idealizada para apresentar e promover os debates contemporâneos, com ênfase na temática do desenvolvimento, em uma perspectiva Sul – Sul”, conforme anuncia seu editorial. E, de fato, com base em seu primeiro número, pode-se afirmar desde já que tal objetivo tende a ser alcançado. Para tanto, porém, é preciso ir além do pensamento estabelecido e estar atento não apenas ao diálogo em torno ao desenvolvimento, mas também à sua crítica.
Formado por autores como Heiner Flassbeck e Massimiliano La Marca, François-Xavier Merrien, Robert Guttmann, Ignacy Sachs, Cai Fang, Du Yang e Wang Meiyan, Emir Sader e Vladimir Popov, o número inicial de Tempo do mundo aponta a questões diversas, tais como as tendências da desigualdade de renda mundial; as conseqüências dos acordos entre a União Européia e países da África, Caribe e do Pacífico; as características reiteradas e específicas da atual crise capitalista; as perspectivas para o Brasil em 2022, em seu bicentenário da Independência; o papel da China frente à crise financeira global; as várias formas que desde o marxismo se entendeu o desenvolvimento; e as lições das economias em transição no mundo pós-comunista.
Não cabe dúvida que todos esses temas são de enorme interesse e permite um diálogo consistente em torno ao mote central suscitado pela revista, isto é, a questão do desenvolvimento, o que é ainda mais notável dado o escasso debate existente entre os meios oficiais. Em que pese esta consideração, é preciso destacar também uma característica comum entre os artigos, traço que limita seu alcance: todos estão imersos numa perspectiva de tratamento do desenvolvimento que não questiona as raízes deste conceito e as diversas formas que tem adotado historicamente. Em outras palavras, e utilizando um dado que pode soar ingênuo, das cerca de 200 vezes em que aparece a palavra “desenvolvimento” no seu corpo de texto (excetuando os títulos, as referências bibliográficas e nomes de instituições; a revista tem 174 páginas), em nenhum momento se interroga ou se explicita do que se trata o tal “desenvolvimento”.
Por certo, essa não uma característica específica de Tempo do mundo. Em quase todas as esferas sociais em que se faz presente, o conceito de desenvolvimento tem sido usado como um tropo, um lugar comum sem definição (ou com qualquer definição), uma palavra arbitrária, que, no entanto, tem um forte papel político. Frente a isso, torna-se cada vez mais indispensável substituir a asserção a priori por um argumento refletido. E vale dizer que um trabalho como este não foge dos interesses das instituições do Estado, voltadas às políticas púbicas, sob o ordenamento geral da sociedade vigente. Exemplo disso é a revista Development da Society for International Development (SID), que em seu número de comemoração de 50 anos de existência, publicado em 2007, fez uma série de entrevistas em torno ao próprio conceito de desenvolvimento e seu poder no plano das idéias. Entre as respostas se destacam as do colombiano Arturo Escobar e do mexicano Gustavo Esteva, em que, respectivamente, chama-se a atenção para a crítica do discurso do desenvolvimento – “Uma batalha em torno às idéias e linguagens do desenvolvimento, tal como o conhecemos, é uma batalha sobre as formas culturais pelas quais entendemos a vida social, sobre formas de ver o mundo, e, ultimamente, sobre as formas de construir social e materialmente o mundo em que habitamos” – e se argumenta que a proposta – nascida do discurso de posse do ex-presidente estadunidense Harry Truman, em 1949 – de que o desenvolvimento seria a via para superar a distância econômica entre os “países desenvolvidos e subdesenvolvidos” entrou em falência já desde os anos 1960, e que é preciso, portanto, buscar caminhos alternativos, alguns oriundas de visões negativas ao desenvolvimento.  
Pois bem, mesmo sublinhando as respostas daqueles dois autores latino-americanos, o tom e as preocupações que se refletem na revista da SID nem sempre estão em sintonia com as necessidades históricas da América Latina em geral, tanto menos do Brasil em particular. Mas algo do gênero poderia ser realizado, com foco para nossa realidade, pensando em como a busca pelo desenvolvimento – em suas diversas acepções – repercute na vida da maioria da população e, no caminho inverso, em como se dá o poder da idéia de desenvolvimento sobre a maioria da população. E a revista Tempo do mundo seria um excelente palco para levar a cabo uma discussão dessa natureza (oxalá não seja feita apenas em seu 50° aniversário…).
 A concentração no questionamento do conceito de desenvolvimento poderia ajudar também na avaliação da real força de diferentes políticas na transformação social efetiva. Seguir falando em desenvolvimento e tentando adaptar seu conteúdo de acordo com um novo contexto, sem antes refletir profundamente sobre os alcances e limites de tal conceito, acaba por ser um trabalho ineficiente. Pois se entre as décadas de 1950 e 1980 a busca pelo desenvolvimento gerou na América Latina tantas obras e idéias criativas e até hoje vigorosas, isso se deveu, em grande medida, ao amparo popular e de massas que aquele projeto continha. Tendo em vista que, conforme adiantou o editor de Tempo do mundo, o segundo número será dedicado à América Latina e à obra de Celso Furtado, fez-se ainda mais pertinente tratar de forma crítica não apenas as formas de desenvolvimento, mas, sobretudo, a própria concepção de história e de totalidade social que este conceito traz em seu bojo.
Para tanto, junto ao resgate de autores e obras tão importantes quanto a de Celso Furtado, é fundamental ter presente também uma série de outras contribuições críticas ao desenvolvimento, que utilizaram o conceito de dependência como eixo articulador para interpretar a América Latina e seu papel no sistema mundial capitalista. Para trazer à tona o tema do desenvolvimento de modo consistente, é preciso retornar ao pensamento social que surgiu na América Latina de finais dos anos 1960 e inícios da seguinte década como resposta crítica à primeira onda desenvolvimentista, considerando desde os trabalhos pioneiros sobre a marginalização social escritos pelo peruano Aníbal Quijano, até as formas de caracterizar a dependência sugeridas em seu momento por Theotônio dos Santos, passando pela magistral interpretação de Ruy Mauro Marini sobre a dialética da dependência, em que se aponta à histórica superexploração do trabalho e a tendência ao subimperialismo brasileiro, entre outras muitas contribuições. Faz-se necessário, ademais, considerar e aprofundar contribuições de outras latitudes que, em certa medida influenciadas pelo pensamento latino-americano sobre o desenvolvimento e a dependência, também criaram e seguem gerando análises de enorme valia para se pensar as possibilidades de transformação da América Latina, contribuições entre as quais se destacam as obras de Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein.
Criada pelo IPEA num momento crucial, a revista Tempo do mundo apenas começa sua existência e pode influenciar de maneira decisiva no debate nacional sobre o desenvolvimento. É preciso celebrar que essa importante instituição, ligada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, tenha realizado uma iniciativa do gênero, abrindo assim mais um fórum de debate e reflexão sobre os possíveis caminhos do Brasil frente às incertezas geradas por um momento de crise. Se desde seu início esta nova publicação estiver aberta a receber aportes originados a partir de um enfoque crítico ao pensamento estabelecido, tanto melhor e mais sólidas serão as análises que nela se irão plasmar.
Acesse a revista completa neste endereçohttp://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/100314_%20tempodomundo1.pdf
Outras informações: http://agencia.ipea.gov.br/
 

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