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Los Argentinos Somos Derechos y Humanos

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Por IELA em 21 de setembro de 2010

NOVARO, Marcos; PALERMO, Vicente. La dictadura militar      1976/1983 – del golpe de Estado a la restauración democrática.      Buenos Aires: Editora Paidós, 2006, 567 p.
Por Waldir José Rampinelli 
A ditadura militar argentina fundamentou-se, ideologicamente, na doutrina de segurança nacional, no integralismo católico e no anticomunismo, utilizando-se da estratégia do terror de Estado e de uma série de políticas públicas para desmantelar as estruturas formais e informais de proteção estatal que haviam sido criadas no país na década de 1930 e, principalmente, durante o primeiro governo peronista. Para tanto, teve as devidas bênçãos e recomendações da Conferencia Episcopal Argentina (CEA), cuja cúpula hierárquica foi ouvida na véspera do golpe. Não se pode esquecer também o grande apoio dado pela população à primeira Junta Militar golpista (Jorge Rafael Videla, pelo Exército; Emílio Eduardo Massera, pela Marinha; e Ramón Agosti, pela Força Aérea), defendendo-a como a salvadora da Pátria, da ordem e da paz.
 Duas estratégias implementou a ditadura: a guerra antissubversiva e o estabelecimento de um plano econômico em favor da classe dominante. A primeira consistiu na eliminação física de todas as organizações guerrilheiras, dos grupos de esquerda revolucionária, das comissões e dos delegados sindicais combativos, das agrupações estudantis e dos simpatizantes do populismo peronista, recorrendo a ditadura, para tal, a métodos de regimes totalitários. Esta complexa máquina de torturar e matar chegou a dispor, em 1977, de 340 centros clandestinos em toda a Argentina (pág. 118). Inventou novas formas de desaparecimento: em voos noturnos, lançou ao mar, com vida, os opositores detidos na Escola da Mecânica da Armada; apropriou-se dos bens móveis e imóveis dos presos, vendendo-os em lojas estabelecidas ou nas subastas públicas; sequestrou bebês nascidos nos centros de tortura para entregá-los a pais adotivos  apoiadores dos militares e explorou o trabalho escravo das pessoas encarceradas, evitando assim contratar mão de obra para certas tarefas a serem realizadas no quartel. Muitos capelães das Forças Armadas amainavam as consciências dos carrascos e dos ladrões com a justificativa cristã de que era preciso separar o joio do trigo. Um deles, Christian Von Wernich, foi condenado à prisão perpétua, em outubro de 2007, por participar da privação ilegal da liberdade de 34 pessoas, como também por ser coautor da aplicação de tormentos agravados a 31 cidadãos. O relatório Nunca más chegou à cifra de 30.000 desaparecidos, um verdadeiro genocídio da população organizada argentina e o Diário del Juicio, vendido nas bancas, contava em detalhes os horrores dos porões do regime, o verdadeiro inferno de Dante. Tamanho foi o desprestígio das Forças Armadas após tais relatos, que, inclusive, os militares evitavam sair fardados pelas ruas do país.
 O cinismo do ditador Videla o levou a dar uma explicação para os desaparecidos, apresentando cinco causas: a) que estas pessoas tenham passado para a clandestinidade; b) que tenham sido eliminadas pelas próprias organizações, por falta de lealdade; c) que tenham se ocultado para viver na marginalidade; d) que tenham se desesperado e cometido suicídio; e e) por último, que tenham sido assassinadas por conta de excessos cometidos pelas Forças Armadas .
 Enquanto a hierarquia católica tratara de ignorar a questão, quando não referindo-se a ela em termos de pacificação, de reconciliação e de esquecimento, Henry Kissinger, na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Santiago do Chile, em 1976, aconselhara a ditadura militar a avançar na “solução” final do problema subversivo antes que o Congresso dos Estados Unidos reiniciasse suas sessões e antes, também, que Jimmy Carter assumisse a presidência, em janeiro de 1977.
 A segunda estratégia da ditadura consistiu em limpar os caminhos para a implantação de um programa econômico com um composto de receitas neoliberais, conservadoras e desenvolvimentistas, cujo ponto de convergência básico seria redefinir o comportamento dos atores por meio de uma fórmula composta pelo disciplinamento dos mercados e pela intervenção do Estado (pág. 42). Os beneficiados seriam apenas as classes dominantes, que em troca davam todo o apoio ao Processo de Reorganização Nacional.
 O ditador Videla costumava realizar, entre abril e setembro de 1976, almoços mensais com figuras representativas para consolidar o consenso. Participaram destes encontros empresários dos meios de comunicação, representantes do agronegócio, líderes religiosos, presidentes de entidades científicas, ex-ministros de Relações Exteriores e escritores, entre os quais Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato, Horácio Ratti e o padre Leonardo Castellani. Sábato chegou a dizer que Videla o havia impressionado “como um homem justo, modesto e inteligente”; Borges estava “agradecido [a Videla] pelo golpe de 24 de março que salvou o país da ignomínia” e ao mesmo tempo “surpreendido por sua enorme, infinita paciência;” Castellani o considerava um homem sensato, sereno, humilde e preocupado seriamente por conhecer a realidade argentina em sua totalidade” (pág. 182).
 O Partido Comunista Argentino também apoiou o golpe, chegando ao ponto de propor a assinatura de um “convênio nacional democrático que servisse de fundamento a um governo cívico-militar de ampla coalizão democrática”, na perspectiva de evitar o avanço da ala dos duros do exército. Tais equívocos históricos não apenas ajudaram a dar respaldo à Junta Militar, como também abriram caminho para o avanço do terrorismo de Estado.
 Novaro e Palermo mostram como a ditadura argentina, dentro de uma estratégia global anticomunista comandada por Washington, exportou o terror estatal para a Bolívia e os países da América Central. O envio de assessores e o ensino de métodos de interrogatório, de tortura e de roubo de crianças foram algumas das experiências passadas aos ditadores destas regiões dentro da Operação Condor, que consistia na continentalização da criminalidade política por meio de ações terroristas. O resultado foi, juntamente com outros governos autoritários, a morte de mais de 400 mil pessoas em toda a América Latina, das quais 50 mil apenas no Cone Sul . “Planícies alisadas pela morte e o silêncio”, segundo palavras de Julio Cortázar.
 O terror praticado por Estados, diz Chomsky, é funcional, já que melhora o clima de investimentos no curto prazo. Segundo ele, a ajuda de Washington aos governos inclinados ao terrorismo está em “relação direta com o terror e a melhoria do clima de investimentos e em relação inversa com os direitos humanos”. Sendo os Estados Unidos um centro de poder, cujas opções políticas e estratégias calculadas produzem um sistema de clientes que praticam sistematicamente a tortura e o assassinato em escala assustadora, pode-se afirmar que Washington se tornou a capital mundial da tortura e do assassinato político. É o terror benigno, permitido aos Estados clientes que lutam contra o comunismo internacional, fazendo par ao terror construtivo, destinado também aos Estados clientes que buscam manter e ampliar as áreas globais de investimentos estadunidenses .
 Para João Corradi, a conquista do campeonato mundial de futebol (1978) e a invasão das Ilhas Malvinas (1982) apresentam características muito próximas do fascismo, já que a Junta não apenas é apoiada entusiasticamente pela população, como também o Estado nacional católico mobiliza multidões em torno da argentinidade.
 As duas últimas ditaduras militares – a da Revolução Argentina (1966-1973) e a do Processo de Reorganização Nacional (1976-1983) – tiveram, no momento de sua implantação golpista, segundo Luis Rubio, os benefícios de uma passividade expectante por parte da sociedade civil e as vantagens de uma neutralidade alarmada da população. Ambos os golpes foram contra governos constitucionais desprestigiados, tendo a Revolução Argentina caído a partir do Cordobazo (1969), enquanto a ditadura do Processo de Reorganização Nacional perdeu todo seu apoio com a derrota das Malvinas (1982) . Lógicamente que os movimentos internos de resistência, assim como as pugnas intracastrenses, tiveram sua influência no fim deste último regime. As Mães da Praça de Maio, que a partir 30 de abril de 1977 começaram a reunir-se periodicamente em frente à Casa Rosada exigindo uma solução para o desaparecimento de seus filhos, denunciam à Argentina e ao mundo os horrores da ditadura militar. Quando a imensa maioria da sociedade apoiava a guerra contra a Inglaterra por conta das Ilhas, as Mães afirmavam categoricamente que As Malvinas são argentinas, os desaparecidos também.  Foi a organização que mais capitaneou a luta contra o governo do terror.
 A primeira ditadura militar de segurança nacional da América Latina, cujos líderes sentaram no banco dos réus, foi a argentina. Apesar das leis de Ponto Final e de Obediência Devida, de Raúl Alfonsín, e do indulto, de Carlos Ménem, que nada mais foram que tentativas de tornar impunes os crimes de lesa-humanidade, o Congresso Nacional do país revogou tais decisões e os grupos de defesa dos direitos humanos continuaram lutando para julgar seus torturadores. O resultado apresentado pelo presidente do máximo tribunal, Ricardo Lorenzetti, elenca 26 julgamentos concluídos, 13 em curso e 5 em preparação. Concluiu o seu informe dizendo que os juízos dos crimes da ditadura já fazem parte “dos princípios que nos unem, hoje, a todos os argentinos: ou seja, que não queremos nunca mais que nossos filhos e nossos netos sejam perseguidos pelo próprio Estado – que os deveria proteger –, por terem ideias distintas. O ensinamento mais importante que nós podemos resgatar a esta altura do processo é que não haja marcha atrás” .
 O livro La dictadura militar 1976/1983 faz parte da coleção História Argentina, sendo este o de número 9. Ele é um grande trabalho, tornando-se, às vezes, demasiado descritivo. As fotos apresentadas poderiam ter uma qualidade melhor. É um livro muito importante para entender este período.
 Por fim, vale ressaltar, que todo o complexo da Escola de Mecânica da Armada, que ocupa uma quadra ao norte de Buenos Aires, quase foi destruído por Ménen para que no local se construísse uma praça da solidariedade. Na verdade, o objetivo era um parque que valorizasse os apartamentos da classe alta que estão em frente. No entanto, os grupos de direitos humanos se mobilizaram e impediram que se aplicasse a lei do “olvido” a este quartel da Armada. Parte dele que serviu de local de tortura – o clube dos oficiais – foi transformado em museu, em 24 de março de 2004, constituindo uma experiência fundamental de política pública sustentada nos pilares da memória, da verdade e da justiça, historicamente sustentados pelo movimento de direitos humanos. As visitas são guiadas por jovens estudantes das universidades públicas de Buenos Aires que contam a história com muito conhecimento e detalhe. É muito importante conhecê-lo, bastando para tal agendar por telefone (4704-5525) ou pelos serviços dos correios eletrônicos (espacioparalamemoria@buenosaires.gov.ar ou epacioparalamemoria@anm.jus.gov.ar.)   

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