Conexões Universitárias
Texto: IELA
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Na solidão da platéiaPor Nildo Ouriques – Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e membro do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da UFSC.
09.01.2012 – Éramos três no teatro Alfredo Sigwalt de Joaçaba. Antonio Carlos Pereira, o Bolinha – espécie de mestre de cerimônia e animador cultural com longa experiência – não escondia o suor na face e revelava certa aflição diante de mim e meu irmão Nilso, os únicos assistentes para aquela noite chuvosa, ante-véspera de Natal. O filme programado (“Vlado”, documentário de João Batista de Andrade, 2005) tinha áudio, mas não imagem. Até que, por sorte ou milagre, Bolinha apertou o botão certo e a sessão começou.
Foi minha estréia no teatro que vi, durante anos, coberto por tapumes suficientemente baixos para mostrar certa imponência discreta e também o descaso dos chamados homens públicos com a cultura e a arte em nosso estado. Quanto tempo para concluir a obra? Fizemos as contas: 29 anos. Uma eternidade! Políticos de todos os partidos. Governadores que se acusaram como inimigos ou finalmente limaram suas diferenças, estavam ali, unidos na parcimônia do investimento público quando o destino do dinheiro é a cultura. A placa comemorativa na parede interior registra o nome de cinco deles: gostaria que todos lessem não como agradecimento, mas como uma confissão.
Ao término, Bolinha informou que já teve sessão para uma pessoa: sua filha. Mas se mantém firme na atividade, como se o destino do cinema nacional dependesse daquele ato solitário e esquecido numa pequena cidade catarinense. Ele cumpre religiosamente com o fardo de mandar o relatório pra Brasília todos os meses, a contrapartida exigida pelo Ministério da Cultura pela doação do multimídia, informando o nome do filme e o número de espectadores.
O teatro, para quase 400 lugares, é confortável e no andar superior, um muro de segurança oculta uma parte do palco esteja você sentado na primeira ou na sétima fila. Uma prova da difícil relação entre arte e arquitetura. Ainda falta um elevador para a orquestra que segundo nosso anfitrião não custaria mais do que 76 mil reais. Uma migalha. Há algo perverso nesta falta. O poder político mantém o mundo da cultura na dependência de sua eventual ou oportuna “benevolência”. A dádiva dos primeiros e a fidelidade dos segundos reproduzem a dependência e não menor indigência política. Mesmo assim é muito bom saber que a cidade tem o teatro, embora com programação esparsa. Sei que meus amigos do Teatro sim, por que não, estiveram este ano lá, com casa quase cheia.
A memória daquela cena precária escondia, no entanto, uma molécula preciosa de compromisso político: a infinita resistência dos que defendem a cultura. Afinal, o documentário sobre o assassinato de Vladimir Herzog é de fácil acesso e já não desperta o interesse de outros tempos, mas mereceu apresentação no teatro. Comovido, não consigo entender o que move gente como Bolinha. Mas desconfio que algo vital pulsa ali. O privilégio da sessão exclusiva e a solidão dos três assistentes. Imaginei que o fato pudesse repetir-se em outras cidades do estado e talvez no país. Desejei, em silencio, um inicio de rebelião. E a pergunta me consumindo: por que esta resistência não consegue se transformar em uma ação cultural intensa, de protesto e criação, de denúncia e realização, de rebeldia e movimento.
Os eventos culturais podem entorpecer a iniciativa política. Eles alimentam os interessados em cultura e parecem conspirar contra a criação de um movimento cultural que teremos de construir. Na saída, Bolinha acendeu as luzes da entrada para exibir a beleza completa do teatro. Imaginei por alguns instantes o ambiente repleto, o encontro casual, o burburinho e o casal de namorados. Mas não havia ninguém. A grade de segurança semi-aberta nos obrigou a curvar para sair e, lá fora, corremos para fugir de uma garoa que já se anunciava mais intensa e molharia o que restava do ano.
Originalmente publicado no Caderno de Cultura do Diário Catarinense – 07.01.2012
Texto: IELA
Texto: Elaine Tavares
Texto: IELA
Texto: IELA