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Camponeses de Santa Catarina e o coronavírus

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Por IELA em 27 de março de 2020

Camponeses de Santa Catarina e o coronavírus

Foto: Juliana Adriano

A linha de trabalho é o cuidado e a solidariedade para que não falte comida a ninguém
Enquanto a pandemia do coronavírus vai se alastrando pelo Brasil os trabalhadores vão tentando encontrar alguma forma de se proteger. No geral, as orientações que estão sendo passadas pelos especialistas e governantes parecem direcionada às famílias que vivem nos centros urbanos. Mas, se os trabalhadores da cidade estão nessa sinuca de bico, o que dizer dos trabalhadores do campo. Como as famílias que compõe a maioria das propriedades rurais em Santa Catarina estão se preparando para enfrentar essa pandemia?  No geral, as regras de prevenção parecem ser as mesmas, mas certamente na área rural ficar dentro de casa não será uma opção. 
O que o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (Fetaesc), José Valter Dresh, informa é que todos os sindicatos rurais do estado já fecharam as suas portas, para atender ao chamado das autoridades e que as informações para os agricultores já foram repassadas. A orientação é de que as famílias procurem não sair de suas propriedades, não receber visitas e não circular em lugares com aglomeração, evitando assim o contato com pessoas de fora. No que diz respeito à produção, tudo deverá seguir normalmente, pois os bichos precisam ser tratados e as lavouras cuidadas. No campo, não dá para abandonar o trabalho. 
Mas, se a produção vai continuar sem parada, a grande dúvida é com relação a circulação dos produtos, ponto que foi levantado por um dos dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, Vilson Santin. No assentamento onde mora, por exemplo, já está acontecendo a colheita da moranga e até agora apenas uma carga foi transportada para a cidade. Segundo ele, os produtores já foram informados de que não haverá transporte para outra carga, o que os obrigará a estocar a moranga. Mas, ela tem vida curta na estocagem e a produção pode se perder. “O escoamento da produção ainda está sendo um ponto de interrogação pra nós”, diz Santin. 
José Valter, da Fetaesc também se mostrou preocupado com isso, pois há toda uma cadeia na produção, tanto agrícola quanto pecuária.  O leite, por exemplo, é um complicador. As vacas precisam ser ordenhadas todos os dias, e o produto precisa seguir para os lacticínios. Haverá que ter algum esquema especial para o transporte, mas não há informação sobre isso ainda. “Talvez o produtor tenha que segurar um pouco o suíno e a ave na propriedade, mas ainda é cedo para chutar alguma opinião. Temos que ver como a coisa vai se comportar”. 
Preocupação com a saúde
No universo dos trabalhadores sem-terra a preocupação também está no atendimento dentro do sistema de saúde, que desde o governo de Michel Temer vem sofrendo com o desmonte sistemático. Depois, com o congelamento dos gastos, os problemas estruturais se aprofundaram. “Nossos assentados e acampados estão integrados no sistema de saúde das cidades onde estão e temos orientado para que busquem informação e atendimento por lá, como sempre foi feito. De qualquer maneira, também estamos produzindo nossos materiais que são divulgados via uatizápi”, informa Santin. Segundo ele, todos os dias circulam áudios informativos pelas redes sociais e as brigadas de saúde estão atentas. 
Com as medidas de isolamento as feiras foram suspensas. Mas, o movimento está realizando micro reuniões para também orientar os militantes sobre os problemas de abastecimento que podem acontecer. “Estamos incentivando as famílias a aproveitarem esse momento de reclusão para que fortaleçam o plantio de árvores, o cuidado com as hortas comunitárias e a produção de alimentos. “Sabemos que a situação vai se agravar e temos de estar preparados para a solidariedade”.
Vilson Santin diz que a orientação do MST é de que nos assentamentos onde tiver produção de alimento a proposta é estarem preparados para socorrer os mais vulneráveis no momento certo, não apenas dentro do movimento, mas também nas cidades. “É um gesto mínimo que podemos fazer nessa hora. Em vez de perder os produtos, repartir com quem não tem”. Santin diz que os trabalhadores da agricultura terão um papel importante nesse momento e precisam ser criativos atuando onde a fome vai pegar. 
Movimento de Mulheres Camponesas
Entre as mulheres, organizadas no Movimento de Mulheres Camponesas, o MMC, a orientação foi de desmarcar atividades de massa, suspender as reuniões e aproveitar para tocar a vida fortalecendo os quintais produtivos, que são vitais para as famílias. Nesse momento de reclusão e de incertezas eles serão muito bem aproveitados. Como conta Noeli Taborda, desde o ano 2000 que o MMC vem investindo nas oficinas de semente, nas propostas de produção diversificada e na agroecologia formando mulheres para a soberania alimentar e para a alimentação saudável. “Entendemos que um corpo sadio, alimentado com comida sadia, tem muito mais força para enfrentar esse mundo”. Ela lembra que a agricultura em escala hoje no Brasil é uma fonte constante de alimento ruim, cheio de agrotóxico, o que torna o corpo ainda mais vulnerável a todo o tipo de doença. 
Segundo Noeli, o Movimento de Mulheres Camponesas está organizado em 70 municípios de Santa Catarina, mas realiza também parcerias importantes com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e com movimentos sociais nas cidades. “Nós ainda não temos como medir o prejuízo que haverá com essa crise do coronavírus, mas já sabemos que será grande. Para as mulheres, então, muito mais difícil por conta da tripla jornada, pois além do trabalho na produção e  o trabalho em casa ainda são elas as que arcam com o cuidado”. Noeli entende que mais uma vez quem vai pagar o pato na crise será a maioria dos trabalhadores, como sempre, e se preocupa com os vulneráveis que vivem na cidade. 
O MMC, assim como MST tem claro de que essa é uma hora em que os trabalhadores do campo e da cidade precisam estar juntos e igualmente as mulheres camponesas estão dispostas à partilha e à solidariedade se houver necessidade. “Desde a Via Campesina, que congrega movimentos de camponeses em todo o globo terrestre, a solidariedade e o caminho da soberania alimentar sempre foram guias a nos mover. Então, não fugiremos à regra”. Noeli se preocupa com o fato de a população estar sendo aterrorizada pela mídia comercial e por isso mesmo, o MMC intensifica as redes de conversas virtuais, em contato direto com as mulheres, para que enfrentem essa crise de maneira unificada. 
Santa Catarina tem hoje pouco mais de 183 mil propriedades, 70% delas variando ente 05 e 50 hectares. Muitas estão envolvidas com agricultura familiar, de subsistência, e isso garante o alimento. Mas, há também um número expressivo de propriedades que funciona no sistema integrado, produzindo – principalmente suínos e aves – para a indústria. Essas deverão encontrar mais problemas para escoar a produção.  A pecuária está em 50% das propriedades e a maioria da produção de alimentos é diversificada e sazonal. O que preocupa é a faixa etária dos trabalhadores já que a maioria dos que lidam com a terra estão com mais de 55 anos (56% dos trabalhadores). O número de jovens no campo vem diminuindo ano a ano em função da falta de políticas públicos de incentivo. Sem opção, eles migram para as cidades, fortalecendo os cinturões de pobreza nas periferias. Outra opção das famílias tem sido o plantio de florestas, cerca de 47% da área agricultável hoje em Santa Catarina, segundo o censo de 2017, o que é ruim, pois diminui de maneira considerável a produção de alimentos. 
Esses primeiros dias de quarentena estão sendo enfrentados com informação, cuidado, produção responsável e solidariedade. Agora, resta ver como as coisas vão se comportar com o avanço da doença. O que fica de bom nesse processo é a completa separação do joio do trigo. Pois, enquanto o capitalismo mostra sua cara selvagem, explorando e excluindo, os movimentos de trabalhadores que já caminham na estrada das propostas socialistas mostram que, nas suas fileiras, o que move é a solidariedade de classe.
Publicado originalmente no Jornal Folha da Cidade
 

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