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Marx visto por Lenin

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Por IELA em 09 de maio de 2017

Marx visto por Lenin

Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818, em Treves (Prússia Renana). Seu pai, advogado israelita, converteu-se, em 1824, ao protestantismo. Sua família, abastada e culta, não era revolucionária.
Terminando os estudos no Liceu de Treves, Marx entrou para a Universidade de Bonn, indo depois para Berlim, onde estudou direito e, sobretudo, história e filosofia. Em 1841, terminava os seus estudos, sustentando uma tese de doutorado sobre a filosofia de Epicuro. Eram, então, as concepções de Marx as de um hegeliano idealista. Fez parte, em Berlim, do círculo dos “hegelianos de esquerda” (Bruno Bauer e outros), que procuravam extrair da filosofia de Hegel conclusões ateias e revolucionárias.
Saindo da Universidade, Marx fixou-se em Bonn, onde contava com uma cadeira de professor. Mas a política reacionária do mesmo governo que, em 1832, afastara Ludwig Feuerbach de sua cátedra, e que, em 1836, recusava o seu retorno à Universidade, e ainda, em 1841, proibia ao jovem professor Bruno Bauer realizar conferencias em Bonn, obrigou a Marx a renunciar à carreira universitária. Nessa época, o desenvolvimento das idéias hegelianas de esquerda estava em franco progresso na Alemanha. Particularmente, a partir de 1836, começou Ludwig Feuerbach a criticar a teologia e a se orientar para o materialismo que, em 1841, já aceitava inteiramente, como se verifica em a A essência do cristianismo; em 1843, eram publicados os seus Princípios da Filosofia do Futuro.
“É preciso ter experimentado em si mesmo a ação libertadora deste livro. Nós, isto é, os hegelianos de esquerda, inclusive Marx, fomos todos, em dado momento, “feuerbachianos”(1).

Nessa época, os burgueses radicais da Renania, que tinham certos pontos de contacto com os hegelianos de esquerda, fundaram, em Colônia, um jornal de oposição, a Gazeta Renana, que apareceu a partir de 1.° de janeiro de 1842. Marx e Bruno Bauer foram os seus principais colaboradores e, em outubro de 1842, Marx tornou-se o seu redator-chefe, mudando-se então de Bonn para Colônia.
Sob a direção de Marx, a tendência democrático-revolucionária acentuou-se cada vez mais e, em consequência, o governo submeteu o jornal a uma dupla e mesmo tripla censura, chegando a ordenar a sua suspensão definitiva a partir de 1.° de abril de 1843. Marx viu-se, então, obrigado a abandonar seu posto de redator, mas isso não foi suficiente para salvar o jornal, que se viu obrigado a desaparecer em março do mesmo ano. Entre os artigos publicados por Marx na Gazeta Renana, Engels cita um a respeito das condições dos viticultores do vale de Mosela. Suas atividades de jornalista, bastaram para mostrar a Marx que os seus conhecimentos de Economia Política eram insuficientes, levando-o a estudá-la com ardor.
Em 1843, Marx desposou, em Kreuznach, Jenny von Westphalen, que já era sua conhecida desde criança e com a qual já se havia comprometido desde o seu tempo de estudante. Sua esposa pertencia a uma família nobre e reacionária da Prússia. O irmão mais velho de Jenny foi Ministro do Interior, na Prússia, em uma das épocas mais reacionárias, de 1850 a 1858. No outono de 1843, Marx foi a Paris para editar uma revista radical ao lado de Arnold Ruge (1802-1880), hegeliano de esquerda, aprisionado de 1825 a 1830, emigrado depois de 1848 e partidário de Bismarck de 1866 a 1870. Mas apareceu somente o primeiro número desta revista intitulada Os Anais Franco-Alemães. Foi suspensa, devido à dificuldade de sua difusão clandestina na Alemanha e das divergências com Ruge. Nos artigos de Marx, publicados na revista, ele já nos aparece como um revolucionário que proclama “a crítica implacável de tudo o que existe” e, em particular “a crítica das armas” e apela às massas e ao proletariado.
Em setembro de 1844, Frederico Engels veio a Paris por alguns dias e tornou-se o amigo mais íntimo de Marx. Tiveram ambos a parte mais ativa na vida agitada dos grupos revolucionários da época, em Paris. A doutrina mais importante era a de Proudhon com que Marx acertou contas, categoricamente, na A Miséria da Filosofia, publicada em 1847. Numa luta cerrada contra as diversas doutrinas do socialismo pequeno-burguês, Marx e Engels elaboraram a teoria e a tática do socialismo proletário revolucionário, ou o comunismo (marxismo). Em 1845, por exigência do governo prussiano Marx foi expulso de Paris como revolucionário perigoso. Seguiu para Bruxelas. Na primavera de 1847, Marx e Engels filiaram-se a uma sociedade secreta de propaganda, a Liga dos Comunistas e tomaram parte preponderante no 2.° Congresso desta Liga em Londres, novembro de 1847. A pedido do Congresso, redigiram o imortal Manifesto do Partido Comunista, publicado em fevereiro de 1848 Esta obra expõe, com clareza e precisão geniais, a nova concepção do mundo, o materialismo consequente, que abrange também o domínio da vida social, a dialética apresentada como a ciência mais vasta e mais profunda da evolução, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário, histórico, mundial, do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista.
Deflagrada a revolução de fevereiro de 1848, Marx foi expulso da Bélgica. Regressou a Paris, de onde saiu depois da revolução de março, para voltar à Alemanha e se fixar em Colônia. Foi aí que apareceu, de 1º de junho de 1848 a 19 de maio de 1849, a Nova Gazeta Renana da qual foi redator-chefe. A nova teoria foi brilhantemente confirmada pelo curso dos acontecimentos revolucionários de 1848-1849, e, em seguida, por todos os movimentos proletários e democráticos em todos os países do mundo. A contra-revolução vitoriosa vingou-se de Marx, tendo ele sido detido em 9 de fevereiro de 1849 e expulso, em 16 de maio do mesmo ano, da Alemanha. O mesmo aconteceu em Paris, de onde foi igualmente expulso, depois da manifestação de 13 de junho. Partiu então para Londres, onde viveu até o fim de seus dias.
As condições dessa sua vida de emigrado eram extremamente penosas, como o revela, com uma clareza particular, a correspondência entre Marx e Engels, editada em 1913. Marx e sua família viviam literalmente esmagados pela miséria; sem o apoio constante e devotado de Engels, Marx não só não teria podido completar O Capital, como ainda teria sucumbido à miséria. Sem dúvida, as doutrinas e as correntes predominantes do socialismo pequeno-burguês, do socialismo não proletário em geral, obrigavam Marx a manter uma luta implacável, incessante, que chegava ás vezes aos ataques pessoais mais furiosos e mais absurdos Herr Vogt(2). Mantendo-se á margem dos círculos de emigrados, Marx elaborou, numa série de trabalhos históricos, sua teoria materialista, aplicada sobretudo à economia política.
A época do recrudescimento dos movimentos democráticos, do fim da década 1850-1860, chamou Marx ao trabalho prático. Foi, em 28 de setembro de 1864 que se fundou, em Londres, a Primeira Internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores. Marx foi a alma, e igualmente o autor de seu primeiro apelo e de um grande número de resoluções, declarações e manifestos. Agrupando o movimento operário de diversos países, procurando orientar, pela via comum da atividade, as diferentes formas do socialismo não proletário, pré-marxista (Mazzini, Proudhon, Bakunine, o trade-unionismo liberal inglês, as oscilações para a direita dos lassallianos, na Alemanha, etc), combatendo as teorias de todas as seitas e escolas, Marx forjou uma tática única para a luta proletária da classe operária nos diferentes países. Depois da queda da Comuna de Paris (1871), sobre a qual Marx na Guerra Civil em França, se pronunciou em termos tão penetrantes, felizes e brilhantes, como revolucionário e como homem de ação, e depois da cisão da Internacional, por obra dos bakuninistas, ela não pôde subsistir na Europa. Em seguida ao Congresso de 1872, em Haia, Marx conseguiu a transferência do Conselho Geral para Nova York. A Iª Internacional tinha cumprido sua missão histórica e cedia lugar a uma época de desenvolvimento incomparável do movimento operário em todos os países — época de seu desenvolvimento em amplitude, com a formação de partidos operários socialistas de massa, nos limites dos diversos Estados Nacionais.
A intensa atividade na Internacional e seus trabalhos teóricos, que lhe exigiam esforços ainda maiores, afetaram a saúde de Marx. Continuou sua obra de transformação da economia política e a finalização de O Capital, acumulando num volume quantidade imensa de documentos novos e estudando várias línguas (o russo, por exemplo). Mas a moléstia o impediu de terminar esse seu livro.
Em 2 de dezembro de 1881, faleceu sua esposa. Em 14 de março de 1883, morreu placidamente em sua poltrona. Foi enterrado, com sua mulher e sua devotada empregada, Helena Demuth, que se tinha tornado quase que um membro da família, no Cemitério de Highgate, em Londres.
A Doutrina Filosófica e Social de Marx
O marxismo é o conjunto das idéias e da doutrina de Marx.
Marx foi quem continuou, completou e reuniu, num só corpo de doutrina, genialmente, as três principais correntes de idéias do século XIX, provindas de três nações, as mais avançadas da humanidade: a filosofia clássica alemã, a economia política clássica inglesa e o socialismo francês, ligado às doutrinas revolucionárias francesas, em geral. A lógica notável e o conjunto rigoroso de suas idéias, reconhecidos pelos próprios adversários de Marx — que, no seu conjunto, constituem o materialismo moderno e o socialismo científico moderno, como teoria e como programa do movimento operário de todos os países civilizados — nos obrigam a fazer, antes da exposição do conteúdo essencial do marxismo, que está na doutrina econômica de Marx, um breve esboço de sua concepção geral.
O Materialismo Filosófico
A partir de 1844-1845, anos em que tomavam forma suas idéias. Marx foi materialista; foi, em particular, adepto de Feuerbach, no qual, mesmo mais tarde, ele não reconhecia pontos fracos, exceto na insuficiência da lógica e na falta de amplitude de seu materialismo. Marx reconheceu o papel histórico mundial de Feuerbach, que “fez época”, justamente no seu rompimento decisivo com o idealismo de Hegel e na sua afirmação do materialismo.
Marx escreveu então:
“A filosofia francesa do século XVIII e, notadamente, o materialismo francês não foram somente uma luta contra as instituições políticas existentes, mas também contra a religião e a teologia dominante, e, ainda… contra toda a metafísica, tomada no sentido de uma “especulação entravada” em oposição a “uma filosofia racional”(3).
“Para Hegel, escrevia Marx, o processo do pensamento, do qual ele faz, mesmo sob o nome de idéia, um sujeito autônomo, é um demiurgo, o criador do real… Para mim, ao contrário, a idéia não é senão o mundo material transposto e traduzido no cérebro humano”(4).

Em perfeito acordo com esta filosofia materialista de Marx, F. Engels, ao expô-la no Anti-Dühring, que Marx tinha lido ainda no manuscrito, escrevia:
“A unidade do mundo não consiste no seu ser… A unidade real do mundo consiste na sua materialidade, e esta última é provada… por uma longa e laboriosa evolução da filosofia e das ciências da natureza…(5) O movimento é o modo da existência, a maneira de ser da matéria. Nunca e em nenhum lugar houve, e não pode haver, matéria sem movimento…(6) A matéria sem movimento é tão inconcebível quanto o movimento sem matéria…(7).

Mas, se se pergunta, depois disso, que são o pensamento e a consciência e de onde provêm, conclui-se que são produtos do cérebro humano e que o próprio homem é um produto da natureza, tendo-se desenvolvido no seu meio. Com ele, então, fica-se sabendo que os produtos do seu cérebro, que, em última análise, são produtos da natureza, não estão em contradição, mas em correspondência com o resto da natureza, em suas mútuas relações…(8) Hegel era idealista, isto é, para ele, as idéias de seu cérebro não eram as cópias (no original: Abbilder; às vezes Engels fala de “reprodução”: Abklatsch), mais ou menos abstratas dos objetos e dos fenômenos reais, mas, ao contrário… os objetos e sua evolução, para ele, não eram senão as imagens realizadas da Idéia, que já existia, não sei onde, da existência do mundo”(9).
No seu livro Ludwig Feuerbach, onde expõe suas próprias idéias, e as de Marx sobre a filosofia de Feuerbach, e que ele não enviou à tipografia antes de ter relido ainda uma vez o velho manuscrito de 1844-1845, escrito em colaboração com Marx sobre Hegel, Feuerbach e a concepção materialista da história, Engels escreve:
“A grande questão fundamental de toda a filosofia, e especialmente da filosofia moderna, é a da relação do pensamento com o ser. Qual é o elemento primordial: o espírito ou a natureza…?

Conforme respondam de tal ou qual modo a esta questão, os filósofos se dividem em dois grandes campos. Os que afirmam o caráter primordial do espírito, em relação com a matéria, e que admitem, por conseguinte, uma criação do mundo, de qualquer forma… constituem o campo do idealismo. Os outros, que consideram a natureza como elemento primordial, pertencem às diferentes escolas do materialismo”(10).
Qualquer outro modo de conceber o idealismo e o materialismo (no sentido filosófico) não faz nada mais que criar confusão; Marx repelia, categòricamente, não somente o idealismo, sempre ligado, de um modo ou de outro, à religião, mas também o ponto de vista, particularmente difundido em nossos dias, de Hume e de Kant, o agnosticismo, o criticismo, o positivismo sob seus diferentes aspectos, considerando este gênero de filosofia como uma concessão “reacionária” ao idealismo e, quando muito, como “um modo vergonhoso de aceitar o materialismo às escondidas, renegando-o publicamente”.
Deve-se consultar sobre esse assunto, além das obras de Engels e de Marx já mencionadas, a carta deste último a Engels, datada de 12 de dezembro de 1866, em que ele fala do célebre naturalista T. Huxley, que novamente se mostrou “mais materialista, nos últimos anos” e reconheceu que
“quanto mais observamos realmente e quanto mais pensamos, não podemos jamais sair do materialismo”(11).

Marx critica-o por ter “aberto uma nova porta secreta” para o agnosticismo e para a teoria de Hume. Importa-nos sobretudo guardar a opinião de Marx sobre a relação entre a liberdade e a necessidade:
“A liberdade consiste em compreender a necessidade. A necessidade só é cega quando não compreendida”(12).
É, pois, o reconhecimento da conformidade da natureza às leis objetivas, ao mesmo tempo que a transformação dialética da necessidade em liberdade (a transformação da “coisa em si”, não concebida, mas concebível numa “coisa para nós”, transformação, enfim da “essência das coisas” em “fenômenos”. Para Marx e Engels, o defeito essencial do “antigo” materialismo, inclusive o de Feuerbach (e, com mais forte razão, o materialismo “vulgar” de Büchner—Vogt—Moleschott), se resume em três pontos:
— este materialismo era “essencialmente mecânico” e não tomava em consideração o desenvolvimento mais recente da química e da biologia (em nossos dias, conviria incluir ainda a teoria dos elétrons);— o antigo materialismo não era nem histórico nem dialético, mas metafísico, no sentido de anti-dialético e não aplicava o ponto de vista da evolução de modo consequente e em todas as suas relações;— Concebia o “ser humano” como uma abstração e não como um “conjunto de relações sociais” (concretamente determinadas pela história, não fazendo desse modo senão “interpretar o mundo”, enquanto o que se tratava era de “transformá-lo”; em outros termos, esse materialismo não compreendia bem o alcance da “atividade revolucionária prática”.A Dialética
Marx e Engels viam na dialética de Hegel a doutrina da evolução, a mais vasta, a mais fecunda, a mais profunda, a maior aquisição da filosofia clássica alemã. Qualquer outra forma do princípio do desenvolvimento da evolução, lhes parecia unilateral, pobre, mutilado e estropiando a marcha real da evolução (marcada às vezes por saltos, catástrofes, revoluções) na natureza e na sociedade.
“Eu e Marx fomos, sem dúvida, quase os únicos a salvar da filosofia idealista alemã, a dialética consciente, fazendo-a passar para a nossa concepção materialista da natureza e da história(13)… A natureza é a pedra de toque da dialética e é preciso dizer que as ciências modernas da natureza forneceram para esta passagem materiais extremamente ricos (isso foi escrito antes da descoberta do radium, dos elétrons, da transformação dos elementos, etc),(14), cujo volume aumenta todos os dias e que provaram, desse modo, que, em última instância, a natureza procede dialética e não metafisicamente(15).

Engels escreveu:
“A grande idéia fundamental, segundo a qual o mundo não deve ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, estáveis aparentemente, tanto quanto os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias, passam por uma variação ininterrupta de vir-a-ser e de decadência, em que, finalmente, apesar de todos os aparentes acasos e de todas as reviravoltas momentâneas, um desenvolvimento progressivo acaba por aparecer; esta grande idéia fundamental, principalmente depois de Hegel, penetrou tão profundamente na consciência comum que ela, sob esta forma geral, já não encontra mais contradições. Mas são coisas diferentes reconhecê-la em palavra e aplicá-la na realidade, no detalhe, em cada domínio submetido à investigação…(16).
“Não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado, diante da dialética. Ela nos mostra a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas, e nada existe para ela senão o processo ininterrupto de vir-a-ser e do transitório, da ascensão sem fim do inferior para o superior, da qual ela própria não é senão o reflexo do cérebro humano”(17).
Assim, segundo Marx, a dialética é
“a ciência das leis gerais do movimento tanto do mundo exterior como do pensamento humano”.
Este é o aspecto revolucionário da filosofia de Hegel, que Marx adotou e desenvolveu. É o materialismo dialético.
“…não se trata mais de uma filosofia colocada fora das outras ciências. De toda a filosofia antiga, o que subsiste e conserva uma existência própria é a teoria do pensamento e de suas leis, a lógica formal e a’ dialética”(18).
Tanto na concepção de Marx, como na de Hegel, a dialética compreende aquilo que hoje chamamos de teoria do conhecimento ou gnosiologia, cujo objetivo abrange igualmente o ponto de vista histórico. A dialética, pelo estudo e generalização da origem e do desenvolvimento do conhecimento, deve proceder à passagem da ignorância para o conhecimento.
Em nossa época, a idéia do desenvolvimento, da evolução, penetrou quase inteiramente na consciência social, mas por uma outra via que não a da filosofia de Hegel. Entretanto, esta idéia, tal como a formularam Marx e Engels, apoiando-se em Hegel, é muito mais vasta, mais rica de conteúdo, que a idéia corrente de evolução. Uma evolução que parece reproduzir estágios já conhecidos, mas sob outra forma, num grau mais elevado (“negação da negação”), uma evolução por assim dizer em espiral e não em linha reta, uma evolução por arrancos, por catástrofes, por revoluções, “interrupções na marcha progressiva”, a transformação da quantidade em qualidade, o impulso interno para o desenvolvimento, provocado pelo contraste, pelo choque de forças e tendências diversas, agindo sobre um determinado corpo, nos limites de um determinado fenômeno, ou no seio de uma determinada sociedade; a interdependência e a ligação estreita indissolúvel de todos os aspectos de um só e único fenômeno (pois a história de fato se renova sem jamais se repetir), ligação que reflete o processo universal do movimento regido por leis, tais são alguns aspectos da dialética, dessa doutrina da evolução, mais rica que a doutrina popular. (Ver carta de Marx a Engels, de 8 de janeiro de 1868, em que ironiza as “tricotomias rígidas” de Stein, que seria absurdo confundir com a dialética materialista.
A Concepção Materialista da História
Consciente da falta de lógica, do caráter inacabado e unilateral do velho materialismo, Marx convenceu-se de que faltava
“pôr a ciência da sociedade de acordo… com a base materialista e reconstruí-la, apoiando-se nesta base”(19).
Se, de um modo geral, o materialismo explica a consciência pelo ser, e não de maneira inversa, ele, aplicado à vida social da humanidade, exige que se explique a consciência social pelo ser social.
“A tecnologia revela a atividade do homem frente à natureza, o processo imediato de produção da sua vida e, em seguida, suas condições sociais e os conceitos intelectuais que nelas brotam”(20).
Uma expressão das teses fundamentais do materialismo aplicado à sociedade humana e à sua historia é dada por Marx no prefácio de sua obra Contribuição à critica da Economia Política, nos seguintes termos:
“Na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política, e a qual correspondem formas determinadas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não e a consciência do homem que determina o seu ser social.
Num determinado estagio de seu desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no interior das quais elas estavam presas até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que elas eram, estas relações tornam-se entraves a estas forças. Então, inaugura-se uma era de revolução social. A mudança, que se produziu na base econômica, subverte, com maior ou menor lentidão ou rapidez, toda a enorme superestrutura. Quando se consideram tais subversões, é preciso distinguir sempre, entre a subversão material das condições de produção econômica — que se deve; constatar fielmente com a ajuda das ciências da natureza — e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas, ou filosóficas, ou seja, as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência deste conflito e o levam ao seu termo. Assim como não se pode julgar o indivíduo pela idéia que faz de si mesmo, também não se poderia julgar essa época de subversão pela consciência que toma de si própria, sendo preciso, pelo contrario, explicar esta consciência peias contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção… Esboçados em largos traços, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno, podem ser designados como tantas outras épocas progressivas da formação social-econômica”(21). (Ver a resumida fórmula que Marx expõe, em sua carta a Engels, em 7 de julho de 1866: “Nossa teoria sobre a determinação da organização do trabalho por meio da produção”(22).)
A concepção materialista da historia ou, mais exatamente, a aplicação e a consequente extensão do materialismo ao domínio dos fenômenos sociais, eliminou dois defeitos essenciais das teorias históricas anteriores. Em primeiro lugar, estas consideravam, quando muito os moveis ideológicos da atividade histórica dos homens, sem pesquisar o que é que faz nascer esses móveis, sem perquirir as leis objetivas que presidem o desenvolvimento do sistema das relações sociais e sem examinar as raízes dessas relações e o grau de desenvolvimento da produção material. Em segundo lugar, negligenciavam, precisamente, a ação das massas, enquanto o materialismo histórico é o primeiro que se propõe estudar, com a precisão das ciências naturais, as condições sociais de vida das massas e as modificações destas condições. A “sociologia” e a historiografia anteriores a Marx acumulavam, na melhor das hipóteses, fatos brutos, recolhidos ao léu, e expunham certos aspectos do processo histórico. O marxismo abriu o caminho para um estudo vasto e universal do processo do nascimento, do desenvolvimento e do declínio das formações sociais e econômicas, examinando o conjunto das tendências contraditórias, ligando-as às condições de existência e de produção, bem determinadas, das diversas classes da sociedade, afastando o subjetivismo e a arbitrariedade na escolha das idéias “diretrizes” e na sua interpretação, revelando a “origem” de todas as idéias e de todas as tendências diferentes, sem exceção, no estado das forças produtivas materiais. Os homens são os artífices de sua própria história, mas, que causas determinam os móveis dos homens e, mais, precisamente, das massas humanas? Qual é a causa dos conflitos, das idéias e das aspirações opostas? Que representa o conjunto destes conflitos da massa das sociedades humanas, quais são as condições objetivas da produção da vida material, sobre as quais toda a atividade histórica dos homens está baseada? Marx orientou a sua atenção para todos esses problemas e traçou o caminho para o estudo científico da história concebida como um processo único, regido por leis, apesar de sua variedade prodigiosa e de todas as suas contradições.
A Luta de Classes
Sabe-se que, em todas as sociedades, as aspirações de uns se chocam com as de outros, que a vida social é cheia de contradições, que a história nos revela a luta entre povos e sociedades, bem como, no seio de cada povo e de cada sociedade; que nos mostra, além disso, uma sucessão de períodos de revolução e de reação, de paz e de guerra, de estagnação e de progresso rápido, ou de decadência. O marxismo descobriu o fio condutor que, neste labirinto e neste caos aparente, permite descobrir a existência de leis: a teoria da luta de classes. Só o estudo do conjunto das aspirações de todos os membros de uma sociedade, ou de todo um grupo de sociedades, permite definir, com uma precisão científica, o resultado destas aspirações.
Ora, as aspirações contraditórias nascem da diferença de situação e de condição de vida das classes de que se compõe toda a sociedade.
“A história de toda a sociedade, até os nossos dias — escreveu Marx, no Manifesto do Partido Comunista, exceto a história das comunidades primitivas, acrescentara Engels, mais tarde, — não temsido mais que a história da luta de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em oposição constante, mantiveram uma guerra ininterrupta, ora dissimulada, ora aberta, uma guerra que acabava sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta…
A sociedade burguesa moderna, elevada sobre as ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Não fez mais que substituir por novas classes, por novas condições de opressão, por novas formas de luta, as de outrora. Entretanto, o caráter distintivo de nossa época, da época da burguesia, é o de ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade se divide, cada vez mais, em dois grandes campos opostos, em duas grandes classes, declaradamente inimigas: a Burguesia e o Proletariado”(23).
Depois da grande Revolução Francesa, a história da Europa revelou, em numerosos países, com uma evidência marcante, a verdadeira causa dos acontecimentos — a luta de classes. Já na época da Restauração, apareceram, na França, alguns historiadores (Thierry, Guizot, Mignet, Thiers), que, generalizando os acontecimentos, não puderam deixar de reconhecer que a luta de classes é a chave de toda a história da França. Porém, a época mais recente, com a vitória completa da burguesia, das instituições representativas, do sufrágio ampliado (ou universal), dos jornais diários a preços baixos e que penetram nas massas, etc, a época das associações operárias poderosas e cada vez maiores e das associações patronais, etc, mostrou, com maior evidência ainda, embora às vezes sob uma forma unilateral, “pacífica”, “constitucional”, que a luta de classes é o motor dos acontecimentos. O seguinte trecho do Manifesto Comunista, de Marx, mostra-nos o que ele esperava da sociologia do ponto de vista da análise objetiva da situação de cada classe, no seio da sociedade moderna, em ligação com a análise das condições do desenvolvimento desta classe:
“De todas as classes que, no momento presente, se acham frente a frente à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes arriscam-se e acabam por se arruinar com o advento da grande indústria; o proletariado, ao contrário, é o seu produto mais especial.
“As classes médias, pequenos fabricantes, varejistas, artesãos, camponeses, combatem a burguesia porque ela é uma ameaça contra a sua existência, como classes médias. Entretanto, elas não são revolucionárias mas conservadoras; e ainda mais, elas são reacionárias; elas procuram fazer com que a história caminhe para trás. Se elas agem revolucionariamente é com receio de cair no proletariado; elas defendem então seus interesses futuros e não seus interesses atuais, abandonando, portanto, o seu próprio ponto de vista para aceitar o do proletariado”(24).
Numa série de obras históricas, Marx deu exemplos brilhantes e profundos de historiografia materialista, pela análise da condição de cada classe particular e mesmo de diversas categorias ou camadas no seio de uma classe, mostrando, com evidência, por que e como “toda a luta de classes é uma luta política”. O trecho que acabamos de citar indica claramente quão complicada é a tessitura das relações sociais e dos graus transitórios entre uma classe e outra, entre o passado e o futuro, conforme analisou Marx, a fim de esclarecer a resultante de toda a evolução histórica.
A teoria de Marx encontra sua confirmação e sua aplicação mais profunda, mais absoluta e mais detalhada, na sua doutrina econômica.
A Doutrina Econômica de Marx
O objetivo final desta obra, diz Marx no seu Prefácio de O Capital, é desvendar a lei econômica da evolução da sociedade moderna”(25), isto é, da sociedade capitalista, da sociedade burguesa. O estudo das relações de produção de uma sociedade determinada, historicamente determinada em seu nascimento, em seu desenvolvimento e em seu declínio, tal é o conteúdo da doutrina econômica de Marx. Reina na sociedade capitalista a produção de mercadorias; por isso, a análise de Marx começa pela análise da mercadoria.
O Valor
A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma necessidade qualquer do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa constituí o seu valor de uso. O valor de troca (ou valor, simplesmente) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção, na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie qualquer, contra um certo número de valores de uso de uma outra espécie. A experiência diária mostra-nos que milhões e bilhões de tais trocas, sem cessar, estabelecem relações de equivalência, entre valores de uso os mais diversos e dessemelhantes. Que há de comum entre essas coisas diferentes, continuamente comparadas umas com as outras, num sistema determinado de relações sociais? O que elas têm de comum é o fato de serem produtos do trabalho. Trocando seus produtos, os homens criam relações de equivalência entre as espécies mais diversas de trabalho. A produção de mercadorias é um sistema de relações sociais no qual os diversos produtores criam produtos variados (divisão social do trabalho) e os tornam equivalentes uns aos outros no momento da troca. Por conseguinte, o que é comum em todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um ramo de produção determinado, não é o trabalho de uma qualidade particular, mas sim o trabalho humano abstrato, o trabalho humano em geral. Numa sociedade dada, toda a força de trabalho, representada pela soma dos valores de todas as mercadorias, constitui uma só e única força de trabalho humano; milhões de exemplos de trocas o demonstram.
Cada mercadoria, considerada isoladamente, é, pois, representada por uma certa porção apenas de tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário, ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma dada mercadoria ou de um determinado valor de uso.
“Pelo fato mesmo de estabelecer a igualdade de valor dos diversos produtos trocados entre si, eles (os homens) afirmam que os diversos trabalhos são iguais uns aos outros, na qualidade de trabalhos humanos. Afirmam isso sem o saber”(26).
O valor é uma relação entre duas pessoas, disse um velho economista; dever-se-ia ajuntar simplesmente: uma relação dissimulada sob uma aparência material. Soment

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