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Não há Falklands, são Malvinas

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Por IELA em 21 de março de 2018

Não há Falklands, são Malvinas

Texto do professor Raul Antelo questiona exposição  na UFSC. Ele enviou carta ao reitor manifestando seu estupor por garantir tamanho desrespeito a luta do povo argentino pelo direito ao seu território que são as Ilhas Malvinas.   

Florianópolis, 20 de março de 2018.
Exmo. Prof. Ubaldo César BalthazarMagnífico Reitor pro tempore daUniversidade Federal de Santa Catarina.
Vimos por meio deste, manifestar o estupor com que recebemos a notícia da inauguração, no dia de hoje, 20 de março de 2018, da exposição de fotografias e gravuras intitulada “Ilhas Falkland” (no singular, quando são muitas), que pretende retratar “a exuberância da natureza, vida, cultura e história do Arquipélago do Atlântico Sul e sua relação com a América do Sul”.
Como é bem sabido, muitos navegadores que percorreram o litoral catarinense, como Antoine-Joseph Pernety ou mesmo Louis-Antoine de Bougainville, que lhes deu o nome de Malouïnes, pela origem dos marujos, embarcados no porto de Saint Malo, avistaram, visitaram ou ocuparam as ilhas até o estabelecimento de um governo decorrente dos movimentos de separação do Prata da coroa borbônica, até a chegada dos britânicos, de sorte que, se por algum motivo o arquipélago é de fato exuberante é por ter sido tomado, pela força, dos seus primitivos povoadores, em 1833. De lá para cá, uma série de exuberantes discórdias tem agitado aquelas águas. A mais recente, admitida ontem mesmo, 18 de março, pelo chefe de gabinete do governo argentino: o submarino ARA San Juan, desaparecido desde dezembro, teria adentrado águas reivindicadas pelos ingleses, portanto, seu desaparecimento, com todos seus tripulantes, nunca admitido nem por autoridades britânicas nem pelo governo argentino, é um tácito casus belli que aflige inúmeras famílias.
Apesar de todas as exortações das Nações Unidas, a sistemática recusa britânica em sentar-se à mesa de negociações para discutir a questão da soberania dessas ilhas representa um claro limite que o universalismo idealista, também conhecido como colonialismo, decide ignorar: as efetivas condições históricas de um dado simbólico, cultural, o fato de o Atlântico Sul ter sido, tradicionalmente, uma área de paz, condições que são uma parte da produção histórica ela mesma.
Há exatamente um século, em 1916, Rui Barbosa constatava uma regra da modernidade ocidental, qual seja, a de que cresce, com efeito, a convicção de que os povos mais civilizados são os que mais lutam e investem em armamento, colaborando com o pensamento dominante no sentido de apresentar a guerra como uma divindade que sagra e purifica os estados nacionais. É esse o mito aguerrido dos nacionalismos colonialistas. Portanto, a guerra, dizia Rui Barbosa em 1916, é um dos fatores essenciais da ética do Ocidente, uma vez que, graças a ela, a guerra passa a se separar completamente da vontade, porque aquele que primeiro usar a força, sem medir o sangue derramado, terá sempre consigo, inexoravelmente, grande vantagem sobre o adversário. E de pouco adiantam desculpas de ingenuidade ou desconhecimento. Ainda é válida, nesse sentido, a lição do professor Boaventura de Sousa Santos: descolonizar significa desenraizar a autorização para dominar os outros, sob o pretexto de que são inferiores: seja porque são mulheres, ou porque possuem uma cor de pele diferente ou mesmo porque praticam uma religião estranha ou falam uma língua enigmática.
Mas, como se não fosse suficiente ousadia a UFSC contrariar uma política que é do Estado brasileiro, e até mesmo das suas Forças Armadas, que nunca viram com bons olhos um conflito bélico a poucos quilômetros de casa, e que sempre cuidaram em chamar o arquipélago pelo seu nome neolatino, Ilhas Malvinas, a atual exposição, programada até o dia 1º de abril, coincide com a recordação dos 42 anos de implantação da ditadura civil militar, data que, na Argentina, se preserva como dia da Memória. Me-moria: negação da loucura, a moria, para os antigos gregos.
Lamentamos que a autêntica insensatez deste episódio tenha sido desrespeitar a sensibilidade não só de tantos estudantes e professores argentinos que colaboram com o crescimento da UFSC, mas também a sensibilidade do corpo docente e dicente, brasileiro, sempre consciente dos autênticos interesses anti-históricos, comerciais e geopolíticos que se escudam numa exposição aparentemente naive.
A mostra atende, com efeito, a uma solicitação britânica: “Why should I meet my neighbors from the Falkland Islands?” (Por que deveria conhecer meus vizinhos das Ilhas Malvinas?) Podemos refazer a pergunta: Why should I ignore my neighbors from Latin America?” (Por que eu deveria ignorar meus vizinhos da América Latina?)
 

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