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O espetáculo operacional: a guerra que precisa ser vista

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Por Reynaldo José Aragon Gonçalves - jornalista em 29 de outubro de 2025

O espetáculo operacional: a guerra que precisa ser vista

Foto –  Fernando Frazão/Agência Brasil

Sob o disfarce da segurança, o Estado do Rio executou uma ação política de desestabilização. O alvo não é o crime, mas o governo federal e a soberania do País

O episódio desta terça-feira, 28 de outubro de 2025, marca o ápice de uma operação psicológica cuidadosamente calibrada para fabricar a sensação de colapso da segurança pública e, com isso, legitimar uma agenda geopolítica que não nasce no Brasil. O termo “narcoterrorismo” — juridicamente inexistente no direito brasileiro — serve como chave simbólica para importar o vocabulário estratégico de Washington e deslocar o eixo da narrativa nacional: o que era crime organizado se transforma, subitamente, em “ameaça hemisférica”.

Essa manipulação discursiva tem objetivos precisos. Internamente, consolida o projeto de poder da extrema-direita, que precisa do medo como combustível político; externamente, reabre a porta para a doutrina de segurança dos Estados Unidos, que volta a enxergar a América do Sul como um campo de “risco híbrido” a ser contido. O governo do Rio, ao adotar esse léxico, atua como vetor de uma psyop de alcance internacional: produz instabilidade, fragiliza o governo federal e fornece à imprensa estrangeira o argumento pronto de que o Brasil perdeu o controle sobre seu território.

No campo informacional, não há improviso. A sincronização entre a operação militar, o uso do termo “narcoterrorismo” e sua replicação imediata por agências internacionais forma um roteiro já conhecido da guerra híbrida contemporânea: criar o caos, nomeá-lo sob o signo do inimigo global e exigir intervenção sob o pretexto da ordem. O que se passa hoje no Rio de Janeiro é menos sobre segurança e mais sobre soberania. É o ensaio de uma nova ofensiva cognitiva contra o Brasil.

O PROPÓSITO POLÍTICO INTERNO: O CAOS COMO ESTRATÉGIA DE PODER

A fabricação do caos é uma velha técnica política — e, no Brasil de 2025, voltou a ser um ativo eleitoral. O governo do Rio de Janeiro, ao transformar a segurança pública em espetáculo, recria o ambiente de medo que alimenta o bolsonarismo e oferece à extrema-direita o combustível de que precisa para se manter relevante. Cada granada lançada, cada corpo exibido, cada manchete sobre “narcoterrorismo” reforça a narrativa de que apenas o autoritarismo pode devolver a ordem.

O cálculo é cínico. Com as eleições municipais à vista e o bolsonarismo enfraquecido nacionalmente, a extrema-direita busca um novo eixo de mobilização — e encontrou na “guerra contra o crime” o terreno ideal. Ao hiperbolizar a insegurança, cria-se a percepção de que o governo federal perdeu o controle, forçando o presidente Lula a reagir sob a agenda discursiva do adversário. É o mesmo método usado nos Estados Unidos durante a “War on Drugs” e na Colômbia sob o pretexto do “narcoterror”: a política do medo como arma eleitoral e instrumento de subordinação internacional.

Internamente, o discurso serve a três funções:

1 – Blindar a incompetência administrativa do Estado fluminense, desviando o foco das crises fiscal e social.

2 – Rearticular o campo bolsonarista sob uma bandeira moral e bélica, agora travestida de “defesa do cidadão”.

3 – Provocar o governo federal a entrar no jogo da força, rompendo o equilíbrio entre segurança pública e direitos civis e apresentando Lula como “fraco diante do crime”.

O caos, portanto, não é um efeito colateral — é o produto. A sensação de desordem é o terreno fértil da extrema-direita, e o Rio de Janeiro, mais uma vez, foi escolhido como laboratório. Sob o verniz de combate ao tráfico, o que se ensaia é uma guerra política por narrativas: a disputa pela percepção de quem detém a autoridade moral para usar a violência.

PORTA PARA A INGERÊNCIA EXTERNA: O REGRESSO DA DOUTRINA MONROE

Por trás do discurso de “narcoterrorismo”, o que se reativa é um velho projeto de subordinação hemisférica: a Doutrina Monroe, reciclada no século XXI sob o disfarce de “cooperação antiterrorismo”. O termo não é inocente. Quando uma autoridade brasileira chama facções criminosas de “narcoterroristas”, ela abre uma brecha jurídica e diplomática para que os Estados Unidos intervenham direta ou indiretamente sob o argumento da segurança regional.

Não é coincidência que a retórica de Cláudio Castro tenha ecoado, quase de imediato, em meios de comunicação e redes internacionais de segurança ligadas a Washington. O termo “narcoterrorismo” permite associar o Brasil à lista de países que exigem vigilância especial — a antessala das sanções, da espionagem e da cooperação forçada. Trata-se de uma operação de linguagem que antecede a operação política: quem controla o nome, controla o território.

 

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