Panamá. Regressão e Vazante: Reflexão sobre o Poder
Texto: Abdiel Rodríguez Reyes - Panamá
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O grande equívoco do Brasil na AL: a estratégia do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU
24/08/2007
Por Waldir José Rampinelli – Professor do Departamento de História/UFSC
O presidente Lula acaba de fazer uma turnê pelo México, América Central e Caribe. Dois objetivos fundamentais marcaram esta viagem internacional: uma disputa de hegemonia com a Venezuela – estimulada pelos Estados Unidos – no que toca a produtos energéticos; e a tentativa de convencer os governos visitados do papel regional desempenhado pelo Brasil na defesa dos interesses da América Latina, angariando apoio para a tão pretendida cadeira no Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
O Brasil busca, há muito tempo, fazer parte deste seleto grupo de países que tem assento permanente no CS. Pleiteia o cargo alegando ter uma trajetória de defesa dos princípios de autodeterminação e não-intervenção nas relações internacionais, bem como o de haver consolidado o regime democrático e cooperado com a pacificação de conflitos mundiais.
Na verdade, desde a fundação da ONU, na histórica Conferência de São Francisco, em 1945, o Brasil vem mantendo a estratégia de ocupar um posto duradouro no CS, representando a América Latina. Se não logrou êxito, foi devido principalmente aos Estados Unidos que nunca viram com bons olhos um representante latino-americano nesta instância superior. Afinal de contas, os governos capitalistas de países desenvolvidos com cadeira permanente e direito a veto – Inglaterra, França, China (embora não desenvolvido foi confiável até 1949 e readquiriu este posto no pós-revolução cultural) Rússia (com a queda do socialismo real) – inspiram mais segurança a Washington que qualquer representante do Terceiro Mundo.
Algo similar ocorreu após a guerra de 1914-1917 com a Liga das Nações, quando o Brasil dela participou com muito entusiasmo, sendo inclusive eleito membro temporal. A diplomacia brasileira apoiou a estadunidense ao votar em Elihu Root para a Corte Permanente de Justiça Internacional. Quando esta mesma Corte foi finalmente constituída, o Brasil assegurou um destacado lugar para o seu representante, na época o então Rui Barbosa. No entanto, apesar da ajuda concedida aos Estados Unidos em sua estratégia internacional, o Brasil não foi apoiado por Washington no seu desejo de ser membro permanente da Liga das Nações, dela se retirando em 1926.
Diante desta realidade histórica, o governo Lula deveria estar preocupado, não com o seu assento permanente e sim, com a democratização do CS, lutando para que os postos cativos sejam ampliados de forma regional, fazendo com que o mundo, nos seus mais diversos aspectos, se sinta representado neste organismo. Ademais, é fundamental valorizar a função da Assembléia Geral das Nações Unidas – onde um membro é um voto – para que ela não se torne um apêndice do CS e sim, a instância máxima da ONU. Os Estados Unidos, por exemplo, são sistematicamente condenados na Assembléia Geral, por uma esmagadora maioria, pelo seu intermitente bloqueio econômico a Cuba. No entanto, Washington continua firme em sua estratégia de asfixiar a economia do maior país do Caribe, alegando ser um assunto bilateral, e desta forma desconsiderando totalmente as decisões da referida Assembléia.
Uma possível entrada do Brasil no CS, juntamente com Alemanha e Japão, não significa uma maior democratização do mesmo. Apenas confere ao Itamaraty um novo status nas relações internacionais, já que o Brasil apenas disputa uma presença formal em um organismo onde não haveria muito o que influir, caso aos novos integrantes seja negado o famoso direito de veto.
Um dos grandes debates que deverá tomar conta da ONU, num futuro bem próximo, será sobre o novo paradigma capitalista que prevalecerá no mundo moderno, ou seja, um capitalismo de livre mercado defendido pelos Estados Unidos e Inglaterra ou uma economia social de mercado de quase toda a Europa Ocidental, ou ainda uma relação Estado-empresa que vigora no Japão e “tigres asiáticos”. A Guerra Fria, que marcou a agenda da ONU durante cinqüenta anos, cederá seu lugar a um próximo conflito entre os três grandes do mundo na luta por mercados. Dai a importância da democratização de seu CS e a valorização de sua Assembléia Geral.
No tocante aos atributos mencionados pelo ministro Celso Amorim – na 49ª Sessão Ordinária da Assembléia Geral da ONU, em 1994 –, eles não são estáveis e muito menos perenes. Por exemplo, a defesa dos princípios de autodeterminação e não-intervenção tem variado de acordo com as peculiaridades de cada governo. Logo após o golpe de Estado de 1964, a política externa passou a defender os interesses de Washington em nível regional e internacional. Abandonou-se a Política Externa Independente para aderir-se à de Interdependência Continental (leia-se dependência). Os governos Castelo Branco (1964-1966) e Médici (1969-1974) apoiaram a estratégia global da política externa estadunidense, participando diretamente de intervenções militares na América Latina e dando suporte a guerras imperialistas em outras partes do mundo.
Castelo, com base no conceito de interdependência, rompeu relações diplomáticas com Cuba, em 1964, acusando-a de “intervir em seus assuntos internos” e em julho do mesmo ano, – contrariando decisões tomadas pelo Brasil em Punta Del’Este, em 1962 – uniu-se ao governo de outros 14 países do continente pedindo a aplicação de sanções comerciais e diplomáticas contra a Ilha; apoiou a decisão estadunidense de encaminhar parte de sua ajuda militar aos países do sub-continente por meio de uma submissa Organização dos Estados Americanos (OEA); uniu-se à reivindicação de que se reativasse o “protocolo adicional”, o qual vinculava a ajuda militar à econômica; defendeu a tese da integração militar continental, que criava um exército interamericano permanente; apoiou os Estados Unidos na invasão a Santo Domingo, em 1965, votando na OEA pelo envio de forças armadas e cooperando com cerca de 2000 soldados; por fim, planejou invadir o Uruguai – a Operação Trinta Horas – caso os grupos de esquerda não fossem totalmente dominados pelo governo daquele país.
Por sua vez, Médici deu continuidade ao plano de invasão do Uruguai na eventualidade de que Líber Seregni ganhasse as eleições ou os Tupamaros tomassem o poder; participou diretamente da queda de Juan José Torres na Bolívia, em 1971, por ser um governo de cunho nacionalista; finalmente, ajudou a derrubar Salvador Allende no Chile por meio da “diplomacia militar paralela” enviando armas e agentes secretos de inteligência.
No tocante à consolidação da democracia representativa, do crescimento e estabilidade econômica ainda é prematuro afirmar que são vitórias perenes. Vinte anos de história é muito pouco – para não dizer quase nada – para dar como assentados alguns princípios e determinadas conquistas.
A ameaça de golpe ronda a sociedade brasileira quando os interesses das classes dominantes são ameaçados. Cabe lembrar os rumores da quebra da ordem institucional quando a Assembléia Constituinte aventou a hipótese de reanalisar o papel das Forças Armadas e as declarações de Antônio Carlos Magalhães, típico representante da “nova direita”, ao afirmar que os militares “deveriam” voltar ao governo, caso um representante da esquerda ganhasse as eleições presidenciais de 1989 (referia-se especificamente a Lula). Esta última tese também foi defendida, em 1988, pelo documento de Santa Fé II, o qual foi elaborado por um grupo de intelectuais dos Estados Unidos, com o objetivo de apresentar subsídios para a política externa do governo Bush-pai.
Segundo estudos da própria ONU, 54.7% dos latino-americanos ouvidos em uma pesquisa aceitariam um governo autoritário se isso melhorasse a economia. Em 1990, havia 190 milhões de miseráveis na América Latina. Em 2001, quando a população era de 496 milhões de pessoas, os pobres somavam 209 milhões. Nenhuma democracia pode ser considerada estável com tamanha desigualdade.
Quanto ao crescimento econômico, o Brasil ainda não conseguiu números compatíveis com o aumento de sua população que busca todos os anos integrar-se ao mercado de trabalho. Deveria o país crescer entre 5% e 7% para absorver sua mão-de-obra. Quanto à estabilidade, ela é ainda apenas conjuntural.
Mais que buscar um assento permanente – talvez pensando que isto signifique a passagem para o primeiro mundo – deverá o Brasil lutar pela democratização do CS e pelo fortalecimento da Assembléia-Geral. Caso contrário, a estratégia do Itamaraty poderá por em risco uma verdadeira integração dos paises do Mercosul, e por que não dizer da América do Sul, já que a obsessão pela cadeira no CS, cria dissensões entre vários governos regionais.
Texto: Abdiel Rodríguez Reyes - Panamá
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