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O legado anti-imperialista de José Martí a 130 anos de sua queda em combate

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Por Marlene Vázquez Pérez / Cubadebate em 28 de maio de 2025

O legado anti-imperialista de José Martí a 130 anos de sua queda em combate

A queda em combate de José Martí, no dia 19 de maio de 1895, não foi um ato de heroísmo isolado a favor da independência de Cuba; foi, acima de tudo, a expressão mais acabada de sua coerência entre pregação e ação. Ele também morria em busca de seu ideal nuestramericano e antillanista, em uma guerra que não só se propunha a liberar duas ilhas, mas a equilibrar um mundo.

Estamos comemorando o 130º aniversário da queda em combate de Martí e, além das efemérides e cronologias, sempre a data marcada nos convoca a um olhar retrospectivo, a um contraste entre o então e o agora. Poucos autores resistem ao teste de um século sem que seus textos envelheçam, total ou parcialmente. No caso de Martí, a atualidade é absoluta, especialmente no que diz respeito à sua visão dos Estados Unidos, pois sem dúvida ele foi o latino-americano que melhor conheceu esse país em sua época.

Dessa profunda e diversa compreensão, que lhe permitiu mergulhar nas origens daquela nação, brota seu anti-imperialismo. Este é um aspecto de seu pensamento que se destaca pela sua complexidade e que não deve ser visto apenas sob a perspectiva política. Está baseado em uma rica teia de experiências vitais, estudo cuidadoso, reflexões e escrita, que alcançam um ponto culminante na produção de maturidade do prócer cubano, mas cujas origens remontam a muitos anos atrás.

Desde muito jovem, José Martí havia percebido as enormes diferenças culturais existentes entre anglo-saxões e hispano-americanos. Vale lembrar aqui algo que ele já havia percebido desde 1879, durante o período de sua primeira deportação à Espanha, e do qual deixou testemunho em seu Caderno de anotações nº 1:

“Os norte-americanos priorizam a utilidade ao sentimento—Nós priorizamos o sentimento à utilidade. E se há essa diferença de organização, de vida, de ser, se eles vendiam enquanto nós chorávamos, se nós substituímos sua cabeça fria e calculadora por nossa cabeça imaginativa, e seu coração de algodão e de navios por um coração tão especial, tão sensível, tão novo que só pode ser chamado de coração cubano, como quer que nos legislamos pelas leis com que eles se legislam?—Imitemos. Não!—Copiemos não!—É bom, nos dizem. É americano, dizemos—Acreditamos, porque temos necessidade de acreditar. Nossa vida não se assemelha à deles, nem deve em muitos pontos se assemelhar. A sensibilidade entre nós é muito veemente. A inteligência é menos positiva, os costumes são mais puros—como com leis iguais vamos reger dois povos diferentes?—As leis americanas deram ao Norte um alto grau de prosperidade, e também o elevaram ao mais alto grau de corrupção. Elas o metalizaram para torná-lo próspero. Maldita seja a prosperidade a tanto custo!” [1]

O fragmento citado aponta para uma das constantes do pensamento de Martí, sempre presente em seus textos dedicados à análise das problemáticas da que chamou Nossa América: nunca copiar nem imitar, sempre criar, a partir do conhecimento das essências próprias. Também sinaliza o caminho de outra de suas prioridades: alertar, por todos os meios possíveis, sobre o perigo de dominação cultural, econômica e política incarnado nos Estados Unidos, que ameaça as repúblicas latino-americanas. Durante seu longo exílio em Nova York, concretizou essa tarefa de prevenção em suas crônicas para a imprensa sul-americana, o que conseguiu de maneira muito especial com as armas do discurso literário, nunca com a censura aberta, que poderia ser mal recebida entre leitores que admiravam o desenvolvimento econômico e a democracia representativa dos Estados Unidos.

Talvez uma das primeiras mostras desse discurso de alerta [2] a encontremos em sua crônica “Coney Island”, publicada na La Pluma, de Bogotá, em dezembro de 1881 [3]. Desde a primeira linha, sobressai a alta estima que lhe merecem os Estados Unidos, situados já, de maneira indiscutível, à frente do desenvolvimento econômico e social da época. No entanto, a consciência dessa suposta “superioridade” dá origem a uma soberba, a uma auto complacência em seu próprio valor, que representa, para o resto das nações, um risco, se não explícito ainda, já latente, advertido pelo observador sagaz que escreve o texto. O que será, nos anos finais dessa própria década, declarado anti-imperialismo, tem um antecedente significativo na nota de dúvida, de desconfiança, de prevenção, que aflora no seguinte parágrafo:

“Nos fastos humanos, nada iguala à maravilhosa prosperidade dos Estados Unidos do Norte. Se há ou não neles falta de raízes profundas, se são mais duradouros nos povos os laços que unem o sacrifício e a dor comum do que os que unem o interesse comum, se essa nação colossal carrega ou não em suas entranhas elementos ferozes e tremendos; se a ausência do espírito feminino, origem do sentido artístico e complemento do ser nacional, endurece e corrompe o coração desse povo pasmoso, isso o dirão os tempos.”[4]

A década de 1880, sobretudo em seus finais, foi especialmente difícil para o cubano, se é que se pode fazer essa distinção na vida do proscrito, ansioso pela liberdade de sua Ilha e em constante apreensão pelo bem da Pátria maior. Foram anos de luta contínua por seus objetivos supremos, em terra estranha e com uma língua e uma cultura que lhe faziam sentir a cada passo sua condição de estrangeiro. Recém-chegado a Nova York, escreveu com um tom de ironia:

“[…] É curioso observar que sempre posso entender um inglês quando me fala; mas entre os norte-americanos uma palavra é um sussurro; uma frase, uma comoção elétrica. E se alguém me pergunta como posso saber se um idioma que escrevo tão mal, se fala mal, eu direi francamente que é muito frequente que os críticos falem sobre o que desconhecem por completo.” [5]

A aparente leveza do tom mal oculta o drama do emigrado, forçado a fixar sua residência nesses lugares, e que terá, doravante, que dominar a língua a todo custo, pois é um imperativo de sobrevivência e uma garantia para a realização de seus projetos de emancipação. É por isso que surpreende a quem estuda sua vida e obra que ele tenha sido capaz de conceber e redigir em inglês sua resposta à campanha difamatória contra os cubanos iniciada pelo jornal The Manufacturer, da Filadélfia, da qual se fez eco o periódico nova-iorquino The Evening Post. Neste próprio jornal, Martí publicou sua resposta, em carta a Edwin L. Godkin, seu diretor. Este documento, tornado público em 25 de março de 1889, passou à história como “Vindicación de Cuba”.

Desse mesmo ano, diante da crescente atividade anexionista dentro dos Estados Unidos, data seu projeto de redigir um periódico em inglês, para difundir, na língua do adversário, as ideias americanistas. Isso evidencia que ele passou da defesa à contraofensiva, embora não tenha conseguido materializar esse anseio por falta de recursos.

Todas essas experiências foram cimentando, paulatinamente, sua posição ideológica anti-imperialista. É quase óbvio esclarecer aqui que um texto como “A verdade sobre os Estados Unidos” [6], publicado no jornal Pátria em 23 de março de 1894, tem uma importante zona gênese no trabalho de Martí como cronista e em sua experiência vital como exilado nesse território.

Poderia parecer, após mais de uma década de permanência na grande urbe, e de ter se inserido plenamente como figura maior dentro da cultura e da política americana ─não se deve esquecer que também foi cônsul da Argentina, Paraguai e Uruguai e que como delegado desse último país participou ativamente da Conferência Monetária de 1891, e que tinha acesso por sua condição de diplomático a muitos espaços exclusivos─, que já Martí havia conseguido se adaptar plenamente à nova realidade. Nada mais longe da verdade: ele nunca quis nem buscou se assimilar. Uma anotação de 1894 se torna uma dolorosa evidência a respeito:

“A frase do criado do ‘Murray Hill Hotel’.

—‘Você conhece um cavalheiro sul-americano, muito alto, que come aqui há um mês?’

—‘Não sei. Entram e saem. Ele não se deu a conhecer para mim. (‘He has not made himself known to me’.) .E a expressão de desprezo e o gesto de ‘deixe em paz o Imperador’ que acompanhavam a resposta! Vive-se nos Estados Unidos como um boxeador. Essas pessoas falam e parece que estão enfiando um punho sob os olhos de alguém. [7]”

Constatar o anterior leva a supor quanto esforço Martí desdobrava dia a dia para superar a barreira linguística e a idiossincrasia anglo-saxã. Também atesta a firmeza moral de um homem que se manteve fiel a seus princípios; desenvolveu um pensamento próprio de poderosa originalidade; renovou sua própria língua como veículo de expressão poética e aprofundou seu anti-imperialismo e sua vocação de serviço a Nossa América.

Sua queda em combate no dia 19 de maio de 1895 não foi um ato de heroísmo isolado a favor da independência de Cuba; foi, acima de tudo, a expressão mais acabada de sua coerência entre pregação e ação. Ele também morria em busca de seu ideal nuestramericano e antillanista, em uma guerra que não só se propunha a liberar duas ilhas, mas a equilibrar um mundo. Tenhamos presente esse legado e coloquemo-lo em prática por todas as vias possíveis nas complexas circunstâncias de nossa época. Isso nos ajudará a entender muitos problemas contemporâneos, ao mesmo tempo que permanece intacto em sua qualidade ética, patriótica e de vocação universal.

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publicado originalmente em Cubadebate

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