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O México segue em movimento

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Por IELA em 21 de novembro de 2014

O México segue em movimento

Passaram-se  quase dois meses desde o massacre de Ayotzinapa e da desaparição dos 43 estudantes normalistas. A princípio, parecia que o roteiro dos acontecimentos já estava escrito: tal como ocorrera nos massacres de Atenco, Acteal y Aguas Blancas, haveria indignação, algumas semanas de passeatas, o governo destituiria um ministro aqui, um prefeito renunciaria acolá, alguns policiais de baixa patente seriam presos, a grande mídia daria o caso por encerrado e zéfini.
Pois parece que estamos diante de uma nova história. As manifestações em todo país só tem crescido desde o dia 26 de setembro. A última, de hoje, dia 20 de novembro, data que marca o início da revolução mexicana, reuniu centenas de milhares de pessoas de todo o país. Liderados pelo pais e colegas dos estudantes assassinados e desaparecidos, três marchas confluíram ao mesmo tempo ao Zócalo da Cidade do México, reunindo organizações populares, estudantis e sindicatos. E tem sido assim todas as semanas.
Mas, mais que o número de pessoas participantes, é o que ocorre no dia-a-dia das pessoas e dos movimentos que sugere que algo distinto está ocorrendo. Já não é somente a demanda pela reaparição dos estudantes o que une os manifestantes. Eles começam, pouco a pouco, a perceber que as vítimas não são os somente os normalistas, mas todo o povo mexicano. Todos os afetados por um projeto de classe que elimina o emprego, diminui os salários, privatiza os recursos estratégicos. Todos os que sabem que será muito difícil conseguir trabalho depois de sair da faculdade. Todos os que convivem diariamente com a violência de Estado, com a militarização do país, com o narcotráfico que cresce com a ajuda dos governos. Todos que veem sua cultura sendo aplastada pela invasão dos fast-foods e da indústria cultural estadunidense. Ayotzinapa é o México de todos os dias. Portanto, de alguma forma, todos somos Ayotzinapa!
É a partir desta percepção – construída lenta e sofridamente nas últimas décadas e acelarada pelos acontecimentos recentes – que as jornadas por Ayotzinapa vem assumindo um forma mais consciente. A exigência da renúncia do presidente Peña Nieto já é a pauta mais importante depois da demanda pela reaparição dos normalistas. Renúncia para que se possa pensar um outro projeto de país, voltado para as maiorias.
Nas organizações populares mudanças também estão ocorrendo. No estado de Guerrero as organizações (camponesas, estudantis, polícias comunitárias…) tem confluído em ações organizadas em torno à Assembleia Nacional Popular (que, apesar do nome, só existe realmente em Guerrero). Já são 20 os municípios tomados e já se fala em uma constituinte popular no estado. Outras organizações no restante do país também começam a executar ações unificadas
Também os estudantes estão voltando a se organizar. Nas paralisações e nas assembleias universitárias, fala-se da necessidade de construir uma Coordinadora Nacional e entidades de base no movimento estudantil, algo impensável há meses atrás, dada a tradição assembleista (supostamente mais democrática) dos coletivos e organizações de estudantes.
No setor dos trabalhadores o processo é mais difícil, e acontece mais lentamente. Alguns setores, como os telefonistas, se opuseram ao imobilismo da direção nacional de seu sindicato e resolver cruzar os braços no dia de hoje. Fora essa pequena (minúscula, poderíamos dizer) demonstração de independência de classe, somente os professores têm demonstrado nos últimos anos alguma combatividade.
Frente ao panorama traçado nas linhas anteriores, é necessário deixar claro que a crise política atual está longe de ameaçar o governo de Peña Nieto e ainda mais longe de questionar o pacto de classes que detém o poder no país. O que se está vivendo é apenas o início da reorganização da esquerda mexicana. Assim como no Brasil, o processo será lento (a única alternativa eleitoral mais progressista da última década, o político Andrés Manuel Lopez Obrador, não tem quase nenhuma incidência na conjuntural atual) e ainda não se sabe a forma que irá assumir. A diferença é a situação mexicana é muito mais explosiva que a brasileira. O projeto da classe dominante aqui não pode sequer contemplar migalhas em forma de programas sociais ao povo. Portanto, as possibilidades de que o processo político atual se acelere em benefício de um projeto popular é real.
A foto é da manifestação de hoje (20.11) e mostra o momento em que se queimava um boneco do presidente mexicano no Zócalo, a praça central da cidade do México. A iniciativa do ato saiu da Asamblea de Estudiantes de Posgrado da UNAM.

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