Início|Comunicação|Propaganda: consumo ou libertação?

Propaganda: consumo ou libertação?

-

Por Elaine Tavares em 02 de dezembro de 2025

Propaganda: consumo ou libertação?

Corria o ano de 1927, o rádio estava no auge e a televisão dava seus primeiros passos. Suprema novidade na comunicação. Comunicação de massa, de verdade, afinal, não era necessário ser alfabetizado para compreender a mensagem. E é neste ano que Edward Bernays traz a lume o seu livreto “Propaganda”, com o qual pretendia “organizar o caos” da sociedade estadunidense no começo do século XX. Ele já diagnosticara que aqueles que governavam acabavam por moldar as mentes, definir os gostos e sugerir as ideias. Algo que ele considerava legítimo porque era assim que devia ser a “sociedade democrática”. Ele observava que, de modo indiscutível, praticamente todos os atos da vida cotidiana da maioria era dominado por um número bem pequeno de pessoas que compreendiam e usavam muito bem os processos mentais e padrões sociais das massas. “São eles que movem os fios que controlam o pensamento público, dominam as velhas forças sociais e descobrem novas maneiras de guiar o mundo”.

Sobrinho de Sigmund Freud, nascido na Áustria, vindo com os pais para os Estados Unidos com um ano de idade, Bernays era um americano típico que acreditava serem as pessoas comuns uma massa irracional, daí suas decisões e ações estarem sempre propensas à manipulação. Com base nisso, dedicou-se a estudar o que chamava de “forma correta de manipular”: a propaganda.
Bernays entendia que os governos precisavam criar um código padronizado e homogeneizado de conduta social, organizando assim o mundo caótico. Para ele, a livre concorrência tinha de se fazer sem sobressaltos, com a opinião pública disciplinada pelos empresários e governantes, o pequeno grupo invisível de poder. Não foi sem razão que o primeiro cliente do seu escritório de propaganda, criado logo depois da segunda guerra mundial para implementar suas ideias, foi o Departamento de Guerra dos EUA, que buscava persuadir empresas a contratar os veteranos que chegavam estropiados do conflito. “Fazer a cabeça” das massas era seu negócio. E ele prosperou, a ponto de virar o papa da propaganda.

O singelo livro de 1927, uma espécie de manual chamado “Propaganda” é considerado até hoje como a bíblia da manipulação. Sem pejo ele firma sua convicção de que a massa pode e deve ser moldada para o melhor andamento da sociedade, e ensina o “como fazer”. Naquele começo de século ele observou que os meios de comunicação permitiam transmitir ideias para vários lugares e em vários grupos, podendo gerar confusão. Sendo assim, essas ideias precisavam ser agrupadas e disciplinadas para garantir uma ação comum, dirigida. Havia que simplificar o pensamento das massas, bombardeadas com tantas informações.

Bernays apontava que era através da propaganda que os governos e a classe dominante poderiam influir na forma de pensar e agir das pessoas. Com ela seria possível alterar as imagens mentais que formam o mundo e assim, conduzir as pessoas a comprar certo produto ou apoiar certa ideia. Para provar sua tese ele apresenta no livro vários casos de sucesso nos quais a propaganda foi a alma. Por exemplo: uma empresa de tecidos não conseguia colocar seu produto para as modistas. Então, foi criada uma campanha com famosas modistas de Paris usando o tecido nas suas roupas. Ele foi apresentado como “top” na Europa. Em pouco tempo, vendia como água. A nova propaganda desenvolvida por Bernays já não perguntava ao público se ele queria ou não usar algo, mas simplesmente orientava a usar, usando estratégias de sedução. “São as minorias inteligentes que se servem da propaganda para dominar sistematicamente”, vaticinava.

Edward também defendia que a propaganda não podia ser usada por qualquer um, tinha de estar na mão de especialistas, porque, afinal, persuadir gente não era coisa barata. Havia que bolar muitas estratégias e dispender dinheiro. Como, por exemplo, na campanha da Chesterfield (empresa que fabricava cigarro) para levar as mulheres ao vício do tabaco. Nesse caso foram contratadas a peso de ouro atrizes famosas para aparecerem no cinema e nos jornais sempre com um cigarro na mão. Isso alavancou as vendas e toda mulher que queria se perceber sexy passou a ter um cigarro entre os dedos. A técnica usada por Bernays se encorava na psicologia das massas, de Lippman, que afirmava terem os grupos características mentais diferentes da do indivíduo. Conhecendo esse segredo ficava mais fácil manipular as massas, pois estas eram susceptíveis a seguir a manada. “A pessoa pode estar só, mas se ela se sentir pertencendo a um grupo, seja igreja, círculo social ou qualquer outro, ela vai seguir as tendência do grupo, porque os homens raramente se dão conta das razões reais que os levam às suas ações”.

Foi nessa toada que Bernays construiu uma forma vitoriosa de manipular através da propaganda que persiste até hoje. Entendia que era preciso atacar sempre o desejo humano, pois estes eram os vapores que faziam a máquina social funcionar. A propaganda não vende uma coisa, ela vende um desejo. O propagandista já não ordenava: coma bacon! Não, ele ia atrás de médicos que diziam o quanto bacon era bom, ou de artistas que comiam bacon no seu café da manhã. Ou seja, naqueles dias, a propaganda já usava os chamados influenciadores, tal qual hoje. Acabava assim a época de o anúncio dizer: por favor, compre um piano. O trabalho era fazer com que a pessoa dissesse: por favor, venda-me um piano. Criar o desejo. “Produzir consumidores, esse é o nosso novo problema”, afirmava. Claro, era o tempo da explosão do capitalismo.

A base da propaganda de Bernays se ancorava em dois conceitos básicos: interpelação contínua e dramatização conforme o sublinhado. O que significava produzir anúncios sistemáticos do produto, martelando a cabeça das massas, e buscar atrair o público fixando em um detalhe, algo bem singular que lhe tocasse o coração. Seu trabalho era descobrir o denominador comum entre o interesse do objeto que se vende e a simpatia do público.

Hoje, lendo o livro de Edward Bernays é possível observar que praticamente nada mudou. Os donos do mundo seguem considerando as massas como incapazes de gerir suas vidas e continuam manipulando suas mentes para que atuem ordenadamente ao seu comando. As técnicas de persuasão também são as mesmas, seja para induzir o consumo de algo ou para incutir ideias políticas.

Mais do que nunca vivemos uma sociedade em que a propaganda, capitaneada por um grupo intermediário de influenciadores, segue sendo o grande instrumento de manipulação. Não vai longe o tempo em que se considerava que a liberdade era “uma calça velha, azul e desbotada”, campanha criada para introduzir a venda das calças jeans no Brasil. Quem pode fechar os olhos para a “liberdade”. E por aí vamos consumindo os produtos e as ideias que a classe dominante nos orienta a consumir.

Bernays era um liberal. Dizia que a propaganda podia ser usada por qualquer um para “vender” seu peixe. Mas, apontava que o “peixe” tinha de ser bom. Hoje já não está em consideração essa regra de ouro. Muitas vezes o “peixe” sequer existe.

Já no campo da esquerda obviamente que não se considera manipular a opinião pública, mas sim trazer elementos para que as pessoas possam pensar criticamente sobre suas escolhas. Lênin matou essa charada apontando agitação e propaganda, considerando a fase da propaganda como o importante momento de formação da militância. Uma formação voltada para o estudo sistemático, para a consciência e libertação da classe trabalhadora, e não para o consumo de mercadorias. E esse caminho foi levado durante muito tempo por partidos políticos e movimentos, que mantinha seus círculos de estudo e formação. Hoje, a escolha de boa parte da esquerda pela via eleitoral acaba se aproximando muito mais da tentativa de manipulação, ou da orientação sem crítica, bem mais próxima de Bernays do que de Lênin.

O escritor mexicano José Revueltas, em 1962, já apontava no seu livro “Ensaio sobre um proletariado sem cabeça” o caminho equivocado dos partidos comunistas tradicionais da América Latina, que vinham perdendo força justamente por seguirem manuais e abandonarem a formação da consciência de classe. Agitação sem formação é o caminho do fracasso e isso podemos constatar cotidianamente na atual política brasileira e latino-americana.

O fato é que o livro de Edward Bernays se configura numa leitura obrigatória para quem trabalha com comunicação no Brasil e mesmo na América Latina. Porque além de desvelar a lógica de manipulação, mostra claramente o pensamento da classe dominante estadunidense, que também se expressa na classe dominante latino-americana: a dita democracia liberal é a melhor do mundo, desde que as massas estejam firmemente conduzidas, domesticadas e alienadas.

Logo, há que volver a Lênin…

Últimas Notícias