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Quem pagará o resgate?

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Por IELA em 20 de abril de 2007

Quem pagará o resgate?
20/04/2007
Por Míriam Santini de Abreu – Jornalista e professora na UFSC e na Unidavi
Acreditem, eu li. E não consegui rir. Notícia que circulou no final de março em páginas sobre meio ambiente começava assim: “As comunidades mais pobres dos países em desenvolvimento serão as grandes beneficiadas com o anúncio, na semana passada, da segunda fase do BioCarbon Fund, do Banco Mundial.”
Traduzida a partir do texto de uma agência de notícias dos Estados Unidos, a notícia dizia que o governo da Irlanda e o da Espanha, a fundação ambiental da Syngenta e a companhia ZeroEmissions Carbon Trust se uniram com o Banco Mundial para discutir como aplicar o dinheiro obtido por um tal fundo de créditos de carbono. A Syngenta é uma das líderes mundiais na área de “agribusiness”, e alardeia seu compromisso com a agricultura sustentável através de inovação em pesquisa e tecnologia. Diz o texto que o BioCarbon Fund é uma “parceria público/privada” criada para “abrir o mercado de carbono para atividades florestais e agrícolas”. As PPPs vão fincando marcos mundo afora.
A discurseira para justificar a bela iniciativa usa todos os chavões que caracterizam o atual discurso ambiental. “A segunda fase apoiará projetos de restauração de ecossistemas que seqüestram, ou conservam, carbono nas florestas e em agroecossistemas, com uma forte ênfase na redução da pobreza e desenvolvimento sócio-econômico (melhoria no modo de vida rural) em países em desenvolvimento, assim como em países com economia em transição. Os projetos serão desenvolvidos de maneira que as comunidades locais se beneficiem direta ou indiretamente.”
Esses créditos de carbono funcionam assim: as grandes corporações compram bônus, créditos, para poder poluir. Para isso, elas “financiam” projetos de chamadas energias alternativas, reflorestamentos, em países pobres. Tais projetos “seqüestrariam” carbono da atmosfera, permitindo que as empresas mantenham seus negócios. Só a papelada produzida para vender a idéia como saída para o aquecimento global já economizaria carbono.
Há exemplos bem próximos. A Masisa, que alardeia o posto de líder latino-americana na produção e comercialização de painéis de madeira, com 13 fábricas – uma delas em Santa Catarina – divulgou, em março de 2007, que integra o Chicago Climate Exchange (CCX). É a primeira bolsa de intercâmbio de créditos de carbono do mundo. O diretor geral corporativo da empresa diz, no saite da empresa, o seguinte: “Nossa incorporação ao CCX é uma das iniciativas que tomamos nesse sentido. Vemos nessa ação uma clara oportunidade de negócios para a empresa, já que ela está dentro de nosso plano de expansão florestal, nos impulsiona em direção à melhoria contínua em termos de eficiência energética e nos permite participar do mercado global de créditos de carbono”. Como se vê, é tudo uma questão de negócio, uma carta branca, livre de carbono, “sustentável”, para lucrar com o seqüestro do carbono. Quem pagará o resgate?
A tal bolsa já negociou 20 milhões de toneladas de CO2. O preço, por sua vez, evoluiu de menos de US$ 0.90 por tonelada, em 2003, para US$ 4.00 por tonelada, informa a Masisa, conhecida também pelos conflitos por terras dos mapuches chilenos. Outras empresas envolvidas na carbonada são Ford, Dupont, Motorola, IBM e Bayer. Célebres conhecidas.
Uma coisa é certa: quem tem dinheiro está investindo pesado nesse negócio de créditos de carbono. O jornal Financial Times publicou que mais de 100 instituições de 51 países se inscreveram este ano para um prêmio que tem a chancela da Corporação Financeira Internacional, um dos braços do Banco Mundial. A idéia é reconhecer instituições financeiras que, além de lucro, mostram “liderança e inovação” ao integrar objetivos sociais e ambientais nas suas operações. Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Goldman Sachs e JP Morgan também estão nessa.
Diz a reportagem: “O setor selecionado para reconhecimento este ano foi o de conquistas em finanças de carbono. A lista preliminar inclui um fundo privado que cresceu quase 200 milhões de euros com a captura de metano em aterros sanitários em países em desenvolvimento; um banco que financiou o maior projeto de redução de gases do efeito estufa na África e os criadores do índice de carbono do JP Morgan.” Bacana.
De tudo isso, só dá para rir das estripulias do presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, eleito com a bandeira de luta contra a corrupção e há alguns dias acusado pela Casa Branca de favorecer com um gordo reajuste salarial uma funcionária com quem namora. Dá para ler o discurso dele sobre mudanças climáticas, feito em São Paulo em dezembro de 2005, no endereço:
http://www.obancomundial.org/index.php/content/view_folder/2429.html, no qual Wolfowitz oferece uma pérola: “Estamos respondendo às vozes dos pobres.”

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