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Direitos da Natureza: avanços e recuos no Equador

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Por IELA em 24 de setembro de 2013

Direitos da Natureza: avanços e recuos no Equador
 
Por elaine tavares – jornalista
 
24.09.2013  – Quando em 2008 foi promulgada a nova Constituição do Equador, o mundo voltou os olhos para o pequeno país da ponta oeste da América do Sul. É que ali estava em andamento um processo de transformação que crescia desde a base. E o documento que nascia era fruto desse movimento, uma explosão da participação popular. Não foi sem razão que o texto da nova carta magna trouxe novidades jamais vistas no campo da lei. Os saberes populares, a cosmovisão dos povos originários, e o desejo de construir um bem-viver, foram elementos cruciais para a construção do texto. E a constituição ainda trouxe um capítulo especial sobre os direitos da natureza, algo até então absolutamente inédito em todo o constitucionalismo mundial. No Equador, a Pachamama teria direitos. No texto de abertura da carta, o resumo de tudo: “Decidimos construir uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o bem-viver (sumak-kausay). Uma sociedade que respeita, em todas as suas dimensões, a dignidade das pessoas e das coletividades; um país democrático comprometido com a integração latino-americana, sonho de Bolívar e Alfaro”. Não foi sem razão que o processo equatoriano cunhou o nome de “revolução cidadã”.
 
Mas, pouco tempo antes, ainda em 2007, e dentro do primeiro mandato de Rafael Correa, o Equador já tinha dado um passo inédito na América Latina, abrindo a caixa-preta dos empréstimos internacionais, iniciando uma auditoria de toda a sua dívida externa. As coisas pareciam estar de ponta cabeça, no bom sentido, para aquele lado dos Andes. Também foi naquele ano que, ancorado no que iria ser um ponto central na Constituinte – os direitos da natureza – o Equador decidiu por não explorar uma importante jazida de petróleo pesado, descoberta na região do Parque Nacional Yasuní, com capacidade de um total aproximando de 920 milhões de barris. É que, alertava o presidente, retirar o óleo negro não apenas degradaria o ambiente, atingindo a água, a flora e a fauna local, mas também tocaria de maneira definitiva na vida de dezenas de comunidades dos Huaorani, que ali vivem. A proposta da moratória foi bastante polêmica. Com ela, o Equador garantia a intocabilidade da terra, renunciando à exploração, mas realizaria uma campanha de arrecadação de dinheiro, entre ONGs, governos entidades e pessoas, para compensar o fato de deixar inexplorado o petróleo.  A ideia era recolher pelo menos uns 4 bilhões de dólares, como se fossem créditos por não emitir dióxido de carbono.
 
Como bem lembra Juan Martínez Alier, presidente da Sociedade Internacional de Ecologia Política, num dos textos publicados nos Cadernos Políticos, do Centro de Pensamento Crítico, o presidente Correa não tomava essa atitude por ser algum ecologista ou amar a natureza. Era uma jogada econômica, com a qual ele arrecadaria um bom ativo. De qualquer forma, a decisão agradava aos ecologistas e aos indígenas, e o processo seguiu caminhando. Veio a Constituição, os direitos foram fortalecidos, mas alguma coisa começava a vacilar dentro da concepção de progresso do governo Correa. Começaram as quedas de braço com os indígenas por conta da mineração e tudo isso culminou com a decisão do presidente em cancelar a moratória do petróleo de Yasuní, agora em 2013. Os argumentos passaram a ser econômicos e baseados no que Eduardo Gudynas, membro do Centro Latino-Americano de Ecologia Social, chama de “otimismo tecnológico”, uma vez que o argumento é de que agora existem conhecimentos técnicos suficientes para explorar petróleo sem degradar a vida das gentes e da natureza (sic). Uma tremenda contradição, uma vez que há bem pouco tempo isso caiu por terra com o processo contra a Texaco-Chevron, o qual deixou claro o rastro de destruição de empresas desse tipo. Correa também alega que a comunidade internacional foi bastante hipócrita com relação à moratória, pois, na verdade, não ajudou na contrapartida. E, como não podia deixar de ser, utiliza um argumento bem difícil de ser rebatido para embasar a decisão de explorar Yasuní: o combate à miséria.
O presidente do Equador abriu a metralhadora verbal contra os ecologistas e os indígenas dizendo que eles estão barrando o progresso do país e impedindo que entrem os recursos para o combate à pobreza. Uma espécie de chantagem para ficar bem com os empobrecidos. O que ele não diz é que a exploração do petróleo vai é encher os bolsos das trans e multinacionais, como sempre aconteceu ao longo dos tempos. Ou seja, Correa sucumbiu também ao “desenvolvimento convencional” de exportador de matérias primas e de exploração de riquezas naturais. Segundo os estudiosos, o dinheiro que se pode ganhar com a exploração do óleo pesado, vai se perder na hora em que tiver de arranjar os danos causados, não só ao ambiente, mas às gentes.
O fato é que a decisão de explorar petróleo num Parque até então protegido, e onde, inclusive, vivem comunidades indígenas que ainda estão isoladas, tem provocado um intenso debate no país, com argumentação de todos os tipos. Os indígenas, que juntos com alguns intelectuais de esquerda, encabeçam essa luta contra a destruição do parque de Yasuní, foram pegos por inimigos por Correa, que se nega a qualquer diálogo fraterno sobre a questão. Num de seus discursos inflamados ele declarou: “o maior atentado contra os direitos humanos é a miséria, e o maior erro é subordinar esses direitos humanos aos supostos direitos da natureza”. É a forma que ele tem encontrado de trazer para a si a opinião pública. Renega os direitos que estão consolidados na Constituição, alegando que são “supostos” direitos e apela para o coração das gentes, alegando que a exploração do petróleo vai trazer o fim da pobreza. Uma equação bastante complicada de se confiar, mas que encontra eco naqueles que seguem amargando a pobreza.
De qualquer sorte a luta está posta. Correa conta com o apoio da centro esquerda latino-americana por conta dos avanços que tem feito acontecer no processo político do Equador e, por isso, as contradições que aparecem – como o desenvolvimentismo dependente – acabam se perdendo na fala articulada do presidente e nas suas declarações de “homem de esquerda”.
Para uma melhor discussão sobre o tema, o Iela  coloca à disposição de todos os que querem entender de forma profunda essa questão, o conteúdo do último Caderno Político, do Centro de Pensamento Crítico, da Biblioteca Agustín Cueva, do Equador, o qual apresenta várias interpretações sobre o tema “Sacralização e Dessacralização de Yasuní”. O caderno foi cedido pelos editores René Baez e Andrés Rosero e, nos textos que o compõe, pode-se montar um bom mosaico acerca dos interesses que hoje se expressam nessa decisão de romper com a moratória na região de Yasuní.
Cadernos Políticos – Centro de Pensamento Crítico

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