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Nacionalismo revolucionário

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Por IELA em 20 de setembro de 2007

20/09/2007
Por Elaine Tavares – Jornalista no OLA
O nacionalismo sempre foi razão suficiente para os estados-nacionais latino-americanos empreenderem transformações radicais na organização da vida. Foi na defesa da “nação” que iniciaram os movimentos de independência, ainda que naqueles dias o conceito fosse mais abrangente, uma vez que Bolívar sonhava com uma Pátria Grande, que aglutinasse um conjunto de países. De qualquer forma, as guerras tinham como objetivo primeiro assegurar a soberania dos povos desta parte do mundo diante da colônia. Era uma afirmação da nação.
Também em outros pontos do mundo, e em outras épocas, as grandes revoluções tiveram caráter eminentemente nacional. A guerra de independência dos Estados Unidos, a revolução mexicana em 1910, a revolução russa em 1917, a chinesa em 1949, a cubana em 1959, as transformações chilenas em 1970, com Allende, a revolução sandinista em 1979. No centro destas lutas estava a nação, a idéia de soberania, o fim da dependência, o sonho de um desenvolvimento endógeno.
E hoje, quando se fala nos governos da Venezuela, Equador e Bolívia, tampouco se pode fugir do conceito de nacionalismo, embora os adversários e inimigos dos governantes em questão insistam em chamar de populismo a forma que eles encontraram de defender os interesses nacionais. Mas, na verdade, a nacionalização das riquezas, a valorização das culturas autóctones e a participação popular direta nada mais são do que elementos de uma receita que os países ricos sempre aplicaram para si, embora não admitam ver florescer nos países ditos “subalternos”: o nacionalismo.
O professor Nildo Ouriques, em conversa com estudantes do Núcleo de Estudos da História, fez um breve retrospecto histórico na questão do nacional desde Marx. Lembra que, até 1870, Marx era bastante eurocêntrico, mas a partir de 1871 ele se defronta com os populistas russos e percebe que pode ser possível passar de um estado feudal ao socialismo sem viver os horrores da industrialização. Depois, ao observar a Inglaterra, vê que lá está se criando uma aristocracia sindical operária e afirma que só uma revolução nacional na Irlanda poderia levar os trabalhadores ingleses a uma revolução. Bem mais tarde, Lênin também mostra que a revolução pode se fazer nos elos débeis do capital, na periferia, também deixando de lado o seu eurocentrismo.
Na América Latina, afirma o professor, o desenvolvimento capitalista apresenta um estado, estrutura de classe e economia muitos particulares. Aqui, burguesia e proletariado não existem de forma tão marcada. Na América Latina a burguesia é incompleta e, por isso, a análise tem de ser muito mais detalhada. “A nossa burguesia não fará a revolução. Ela rompe com o povo e se alia com o imperialismo. Tampouco há um proletariado forte. Dois terços dos trabalhadores não têm carteira assinada e ainda existe o MST que aglutina milhões de pessoas num processo que não cabe no capitalismo. Aqui temos um desenvolvimento no subdesenvolvimento e a relação de trabalho é quase feudal”.
Esta análise leva à seguinte reflexão: os conflitos políticos que se vive na América Latina não podem ser resolvidos da forma clássica. Por isso existiu de maneira tão acentuada o fenômeno do populismo, que é a forma como o nacionalismo veio se expressando nos últimos anos. E o que é populismo? É quando, num conflito político, uma liderança concede a todas as classes os mesmos direitos. Ou seja, busca conciliar interesses que são antagônicos, ambíguos, e isso pode trazer fraqueza. Mas, o professor Nildo acredita que no populismo, a questão mais importante a se questionar é: quem hegemoniza? Se é a burguesia, tem-se o populismo clássico que acaba afastando as demais classes das decisões, mas se são os trabalhadores que hegemonizam, passa-se a uma dualidade de poder e aí podem ser abertos os caminhos para uma revolução.
Quando o populismo está hegemonizado pelos trabalhadores, segue o professor, a primeira coisa que os poderosos fazem é condenar o nacionalismo que quase sempre lhe está colado. Mas, isso só ocorre na periferia, pois nos países centrais ninguém se atreve a colocar em questão o nacionalismo. Quem questiona o fervor com que os estadunidenses defendem sua pátria? Então, reforça Nildo, o nacionalismo só pode ser uma arma das classes subalternas se, hegemonizado por elas, caminhar para uma revolução. Assim, as idéias nacionais que hoje tomam conta da Venezuela, Bolívia e Equador, se ainda aparecem apenas como populismo, há que se prestar bastante atenção para ver quem hegemoniza esse debate. Se são as gentes, o povo, os trabalhadores das mais variadas classes (as tantas que existem na América Latina, visto que o proletariado clássico tem pouca expressão), tudo leva a crer que o processo se radicalize, e siga sempre pendendo para o “fora da ordem”.
No famoso livro de Rosa de Luxemburgo, no qual ela questiona “reforma ou revolução?”, parece já estar contida a resposta para a conjuntura latino-americana, tão peculiar. Os dois juntos: reforma e revolução. Quando o povo tem o comando das decisões, as reformas que começam a acontecer acabam insuficientes. É quando se abre o caminho para uma nova ordem, o socialismo. Conforme Nildo, no contexto desta parte do mundo parece difícil acontecer revolução sem as reformas. Por outro lado, as reformas só se garantem se houver uma estratégia revolucionária. São como faces de uma mesma moeda.
Na Venezuela, Bolívia e Equador, as comunidades indígenas, os trabalhadores informais, os camponeses, os desempregados são os que parecem estar na frente do processo. Daí as crises com o sindicalismo que, em outros tempos, era quem comandava as lutas. Hoje, na Venezuela, depois de anos sendo nada mais do que apêndices de governos corruptos e entreguistas, ou aristocracias laborais, os trabalhadores sindicalizados começam a correr atrás da hegemonia e encontram dificuldades. Ficaram muito tempo longe das demandas populares e foram ultrapassados pelas gentes que se organizam nos bairros, nos círculos bolivarianos etc..
Da mesma forma, na Bolívia, os sindicatos de mineiros, que em outros tempos foram os que comandaram a revolução, agora se mostram reacionários, inclusive buscando barrar a nacionalização das minas. Tudo isso porque o capitalismo predador que se encravou naquele país durante os governos neoliberais tornou muitos deles “pequenos empresários”, articulados em cooperativas onde vivem a ilusão de serem os donos de sua força de trabalho. Por conta disso, os conflitos com as populações indígenas, desempregados e informais que acirram o governo exigindo nacionalização das riquezas e o avanço de uma nova ordem, são seguidos e violentos.
O certo é que a luta de classes está mais do que viva nesta Abya Yala. Nos países mais ao norte da América do Sul, ainda há uma disputa acirrada no que diz respeito a hegemonia do processo, mas não dá para deixar de perceber que as reformas empreendidas seguem o rumo do nacional, da defesa dos recursos naturais, da recuperação da soberania, da busca da descolonização e da independência.
Já no Brasil, o caráter popular do governo Lula não se expressa como nacionalismo revolucionário. Isto porque tampouco o seu governo está hegemonizado pelo povo, pelos trabalhadores ou pelos movimentos sociais. Ao contrário, são a burguesia agrária, os banqueiros e a oligarquia tradicional os que dão as cartas. Logo, o governo enfraquece no rumo da aplicação de reformas significativas. Essa fraqueza se expressa na capitulação diante da lógica neoliberal, em processos como a destruição da previdência pública, a estrangeirização de setores estratégicos como a aviação, por exemplo, e a falta de decisão no que diz respeito ao cuidado e posse das riquezas nacionais.
Enquanto isso, anestesiados com a idéia de que são governo, algumas lideranças de trabalhadores – principalmente as ligadas ao sindicalismo – perdem o contato com a realidade e não percebem que estão deixando escapar a possibilidade de tomar nas mãos o processo que iniciou com forte caráter popular. Por outro lado, os movimentos sociais que aglutinam sem-terra, desempregados, informais etc… ainda não encontraram o caminho para a conquista da hegemonia. Assim, a lógica de Lula de tentar conciliar classes em conflito e a clareza que se tem de que não são as gentes trabalhadoras as que comandam o timão são elementos seguros de análise que levam a seguinte conclusão: ainda não estão dadas as condições para uma viragem significativa no Brasil. Muito trabalho ainda precisa ser feito para que o povo encontre seu lugar de poder no processo político brasileiro.

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