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Um olhar comparado entre os protestos de Chile e do Brasil

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Por IELA em 11 de julho de 2013

Um olhar comparado entre os protestos de Chile e do Brasil. Da impugnação total a uma expressão conjuntural?
Por Gastón Passi Livacic. Cientista Política da Universidad Central de Chile.
11.07.2013  – As manifestações acontecidas no Brasil não têm passado em inadvertido para ninguém nem sequer para os estrangeiros residentes no país. É desde esse olhar que enquadrarei o seguinte artigo, projetando uma análise comparativa entre as principais variáveis que afetam às ondas de mobilizações sociais do sistema político chileno e do brasileiro.
As ondas de mobilizações sociais no Chile no período da transição à democracia vêm se articulando, desde o ano de 2003, com o Mochilazo, em 2006, com a Revolución Pinguina e no significativo ano de 2011. Neste último ano, acumula-se a tensão dos ciclos anteriores em matéria educacional, ao mesmo tempo, demonstrou a legitimidade das demandas sociais perante a cidadania chilena, entretanto 80% dos cidadãos respaldou o movimento.
A temática educação virou no -significante vazio- da política chilena, pois se acrescentaram falências da representatividade do Estado em outras áreas do sistema político chileno, por exemplo, na regionalização com os casos de Punta Arenas, Coyhaique, Calama, o conflito Mapuche, Hidroaysen, entre outras. Transformando-se assim em um cenário de impugnação generalizado.
O diagnóstico para o Brasil no mesmo período compreendido, ou seja, desde a transição democrática à época presente é diferente, contudo, a conjuntura atual do movimento -Passe Livre- e suas implicâncias para o sistema político do Brasil, pela primeira vez, colocam em tensão a institucionalidade representativa, porém, desde as bases sociais, concomitantemente, não se pode esquecer o cenário acerca do impeachment de Fernando Collor de Mello, no ano de 1992. Contudo, as implicâncias daquele processo ficarão fora desta abordagem, pois referem-se a critérios de outra índole e não respondem a lógica que se pretende traçar.
Entre a longa construção do descontento social no Chile contra a atual explosão social no Brasil e, em função da linha argumentativa traçada nas presentes linhas, é possível delinear a primeira distinção: por um lado, o estopim das revoltas no Chile proveem das  discussões na década de 1990, a discussão dividiu-se entre o lado tecnocrata ressalvando as bondades da -economia social de mercado- e os críticos do modelo econômico. Mas, -no Brasil não existe antessala nenhuma-  .
À luz dessa primeira consideração, creio indispensável calibrar as situações de conflito que apreendem tanto para o caso chileno quanto o brasileiro. A maturidade das reivindicações no caso chileno tem configurado a paisagem política com uma posição de conflito localizada, direcionada e coerente. Romper a institucionalidade que fomenta e condiciona a institucional vinculante do questionamento à totalidade das relações sociais.
Em continuidade à última linha argumentativa esgrimida, o foco fundamental baseia-se no principio da subsidiariedade amparados sagradamente na mesma constituição e nos consequentes efeitos que contraiu para a desigualdade de capitais- em suas diversas formas possíveis- capital cultural, fundos de aposentadoria, na saúde, distribuição de rendas, etc.
Em última instância, todos esses elementos se aglomeram em um eixo comum: a falta de legitimidade na ideologia do modelo social de mercado predominante a partir da quebra da ordem democrática e da sua eventual imposição, cujos pilares fundamentais descansam na imposição da ação social explicitada e legalizada na Constituição antes mencionada. (conferir coluna de opinião feita no mesmo site http://www.iela.ufsc.br/?page=noticia&id=2270).
Na mesma senda, nas duas temáticas apresentadas no parágrafo anterior achamo-nos em presença de outra antípoda. A explosão no Brasil devido a seu espontâneo nascimento além de salientar-se pela falta de referências partidárias como também movimentos sociais convencionais, nesse cenário, – permite-se falar e expressar sobre o descontento nas mais diversas formas abrangentes: salários éticos de educadores, brigadianos, políticos entre outros, eliminação das alças das passagens, corrupção, transparência, sistema educacional, idade para a punição legal entre tantas das demandas que têm se levantado.
     Ao mesmo tempo, se nos baseamos nas enquetes de opinião percebe-se que na conjuntura brasileira o modelo econômico não irrompe na realidade política como eixo nodal da explosão social. Ou seja, as causas motoras assumem um rumo diferente. Esse rumo é fundamentalmente político, no entanto, as últimas enquetes ressalvam uma percepção de melhoria econômica no último tempo, e de igual forma destaca-se o otimismo sobre o futuro da mesma.
Então é político porque se refere à falta de representatividade da classe política e da institucionalidade que atingem à cidadania, é político porque as vozes sociais que midiatizavam as principais demandas (fora da lógica partidária) na agenda sistêmica foram cooptadas estrategicamente, para nomear alguns, o MST, sindicatos e a UNE fundamentalmente.
Sendo assim, o diagnóstico para o Brasil, além da crise de representatividade tanto institucional como partidária, é uma recusa do político ou uma exclusão da arena política, parafraseando o sociólogo Luis Werneck Vianna. Nesse sentido, e de forma sucinta, a conjunta atual plasma-se como uma voz de alerta à classe dirigente em continuidade ao dito pelo sociólogo, nessa perspectiva, apontaria em catalogá-lo como a reclamação de melhorias nos serviços públicos, devido à espontaneidade sem forma, mas como descontentamento à má qualidade deles.
Nesse momento político considero que o último postulado sintetiza de melhor forma a contingência política do Brasil – reclamação de melhorias nos serviços públicos – articulados em uma perspectiva de otimização dos recursos fiscais visados em uma busca da transparência fiscal.
 Simultaneamente aludem-se sintomas que sugerem um eventual retorno do homem político, entretanto as características dos embates e avanços neoliberais em sua carta de apresentação enxergam-se focos de conflitos entre o campo público e o campo do privado: transporte público ou meios de locomoção privados, estradas licitadas ou políticas públicas em conectividade, tornar os meios de comunicação mais transparentes, ou fomentar a televisão e meios de comunicação públicos, educação escolar privada ou pública, entre outras.
As duas alianças da fabricação do consenso, a constituição de 1980 e a economia neoliberal condicionaram um processo de despolitização que se visava como tendencial, porém, há algum tempo atrás, emergem vozes de impugnação às formas do político implicando correlacionadamente em uma queda legitimidade da Concertación e da Alianza por Chile concomitantemente da ordem de representatividade em geral, representando assim, a volta do homem político e, portanto, a volta do conflito na arena política.
Nesse sentido, o caso chileno representa uma faceta articulada em relação às transformações necessárias, a luta se enquadra no horizonte de uma ordem institucional fundacional, nascida na democracia, cuja base fundamental era impedir a perpetuação da distinção social, não obstante, a direita tem se transformado na força de contenção no espectro político chileno. É aí a grande luta de poder cujo devir histórico põe em tela de juízo a totalidade das relações sociais.
É demasiado cedo para chegar a conclusões depuradas no caso brasileiro, dessa forma, e como explicitei durante o percurso da coluna de opinião o momento político-social baseia-se no argumentado, nesse sentido, vejo com dificuldade que se desprenda na volta do homem político, pois convenhamos que as características apresentadas não evocam para uma transformação fundacional das relações políticas, sociais econômicas.
Se bem é certo que existem elementos que possam configurá-lo em um futuro (a volta do zoom politikon) se distancia pela cristalização dos atores que poderiam ter assumido essa voz de representação; ao mesmo tempo se conjuga com as contingentes tentativas de cooptação ao movimento da velha forma política (catalisadora fundamental da explosão social).
Convenhamos também que a gênese do caso chileno previa-se como um fato conjuntural, mas após uma longa etapa de elaboração passando de críticas setoriais chegou-se na fase culmine de criticar à totalidade do modelo, porém, se acontecer uma situação similar no Brasil não será pelos canais institucionais conhecidos até agora, senão da desembocadura em outras áreas conflituosas  e em virtude de um novo olhar e com um quadro de referência político distinto.

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