A construção do consenso securitário neoliberal no Brasil
Texto: João Gaspar/ IELA
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28/08/2007
Por José Wilson Martins Júnior
Desde o dia 15 de agosto, quando o presidente Hugo Chávez entregou à Assembléia Nacional Venezuelana proposta de Reforma da Constituição para debate, os principais jornais e redes de televisão brasileiros se puseram a atacar, mais uma vez, o processo de transformações por que passa a Venezuela, classificando-o de anti-democrático.
O principal argumento utilizado para defender o adjetivo se baseia na proposta de alteração do artigo 230 da Constituição Venezuelana, pela qual o mandato presidencial passaria de 06 para 07 anos, e eliminar-se-ia o impedimento de que o presidente em exercício se candidate a uma só reeleição.
Pouco se noticiaram as profundas transformações propostas para outros artigos, como as do artigo 87, pela qual se cria um “fundo de estabilidade social” para trabalhadores e trabalhadoras por conta própria, ou a proposta que altera o artigo 90 estabelecendo uma jornada de trabalho diurna não maior que 06 horas diárias nem de 36 horas semanais, e uma noturna não excedente de 34 semanais.
Tampouco mereceram destaque de nossos maiores meios de comunicação as propostas de alteração do artigo 307, pela qual se proíbe o latifúndio, ou a do 318, que elimina a autonomia do Banco Central Venezuelano. Mas o que mais impressionou no debate brasileiro sobre a reforma constitucional venezuelana foi a completa omissão quanto às alterações nos artigos que mais diretamente se vinculam ao tema “Democracia” e a seus princípios, já que era em nome desses que os ataques desferidos pela mídia brasileira ao governo venezuelano eram feitos.
Nada se encontrou nos grandes diários brasileiros sobre as alterações que dizem respeito aos mecanismos de democracia direta e de exercício do poder popular que se propõem incluir na Constituição venezuelana, eixo dos substitutivos propostos para os artigos 16,136,158,168 e 184. Pelas novas redações dos referidos artigos, a conformação do Poder Público e a divisão política do país ficam radicalmente alterados.
O poder público passa a se distribuir territorialmente entre “poder popular, poder municipal, estadual e nacional”. (art. 136). São instituídas as comunas enquanto “células geo-humanas do território” e as comunidades enquanto “núcleo espacial básico e indivisível do estado socialista venezuelano”, a partir das quais “o poder popular desenvolverá formas de agregação comunitárias, político-territorial, as quais serão reguladas em lei e que constituam formas de autogoverno e qualquer outra expressão de democracia direta…” (art. 16).
O Município fica “obrigado a incorporar, dentro do âmbito de suas competências, a participação cidadã, através dos Conselhos do Poder Popular e dos meios de produção socialista.” (art. 168), devendo uma lei nacional criar mecanismos para que “o Poder Nacional, os Estados e os Municípios descentralizem e transfiram às Comunidades organizadas, aos Conselhos Comunais, às Comunas e outros entes do Poder Popular, os serviços para que estes gerenciem” (art. 184). No mesmo artigo estão previstas, dentre outros, a transferência às organizações comunais da administração e controle de serviços públicos e a participação das organizações comunais na gestão de empresas públicas.
Sobre os procedimentos legislativos de aprovação da reforma, vale ressaltar que, propostas por Chávez, as alterações, após primeira discussão na Assembléia Nacional (AN), são submetidas à discussão em milhares de assembléias populares espalhadas pelo país, num processo denominado de parlamentarismo social de rua. Recolhidas as opiniões da população, as propostas vão para segunda discussão na AN, e então retornam às ruas. Finalmente, a proposta é submetida a uma terceira discussão no parlamento e a aprovação final é submetida a referendo popular.
A intenção de promover alterações constitucionais foi anunciada por Hugo Chávez em 12 de agosto de 2006, momento em que inscreveu sua candidatura para a eleição de 03 de dezembro do mesmo ano, disputadas por 14 candidatos e vencidas por Chávez com mais de 60% dos votos.
Diante do exposto, creio que se tornam quase desnecessárias grandes considerações sobre se a reforma proposta visa realmente iniciar uma “ditadura”, como sugerem alguns de nossos meios midiáticos. O problema é que tão embaraçados estamos os brasileiros num modelo viciado de democracia representativa, que nos é difícil imaginar a existência de uma realidade política distinta, tão receptiva à participação popular direta, como a que constrói o povo venezuelano. Importante mencionar que os Conselhos Comunais Venezuelanos já têm existência prática e legal (Lei dos Conselhos Comunais de 10/04/2006, Gazeta Extraordinária 5806, e decretos correlatos). A reforma, no entanto, amplia suas competências e dá-lhes corpo constitucional.
Talvez as experiências políticas brasileiras que mais próximo chegaram do que são hoje os Órgãos Comunais venezuelanos sejam as Assembléias do Orçamento Participativo. Mas os Órgãos Comunais vão bem além de distribuir orçamento: distribuem poder. A proposta é que os comunais sejam responsáveis também pelo gerenciamento de serviços públicos, cooperativas, empresas sociais, exerçam funções judiciais (parte dos juízes venezuelanos já é eleita), e policiais.
O que o processo de mudanças venezuelano parece fazer é retomar a idéia dos soviets – mecanismos de poder popular que, nas condições históricas da Rússia revolucionária, contudo, tiveram vida curta – inserindo-os no marco de um Estado Constitucionalista do século XXI. O poder comunal é a essência da proposta de reforma constitucional, e, como é comum se verem pichadas nos muros de bairros pobres ou estampadas nas camisetas de populares em Caracas, o sentimento majoritário entre os venezuelanos é de que “Con Chávez, manda el pueblo.”
Os irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’Briain estavam na Venezuela em 2002, a serviço da TV Rádio Telefís Eirieann, quando presenciaram o golpe de Estado articulado pelo governo norte-americano e parte da elite venezuelana contra Hugo Chávez. Sobre o episódio, realizaram o documentário “The Revolution will not be televised” ( A Revolução não será televisionada), mostrando como as grandes redes de televisão privadas da Venezuela apoiaram o golpe de Estado e se negaram a transmitir a massiva mobilização popular em favor de Chávez.
O comportamento da mídia brasileira, ao omitir os diversos avanços democráticos que a proposta de reforma constitucional venezuelana traz, daria farto material para novos documentários de Bartley e O’Briain. É flagrante como, pelo menos por aqui, a Reforma não será explicada.
* Os interessados podem acessar a proposta completa de reforma da constituição em páginas na Internet como www.aporrea.org (página chavista), ou www.eluniversal.com (diário el universal, anti-chavista)
Texto: João Gaspar/ IELA
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