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40 anos do golpe no Chile

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Por IELA em 15 de janeiro de 2015

40 anos do golpe no Chile

Há 40 anos do golpe de Estado no ChileEnxergando o trânsito para uma consolidação democrática
Gastón Passi Livacic. Cientista Político da Universidad Central de Chile
12.09.2013. Em muitas paisagens no retorno à democracia, se enfatizou sobre alguns casos específicos como o inicio do fim da transição democrática. Tais críticas plasmaram-se no horizonte da consolidação democrática, não obstante, as lógicas dominantes e pré-deterministas mais que promotoras desse imaginário passaram concretizar uma reprodução assídua do sistema autoritário, referentes ao marco institucional herdado da carta magna de 1980, e, ao mesmo tempo, o imaginário político, na perspectiva da consolidação democrática, terminou sendo nada mais que a reprodução e manutenção do poder pelo poder.
Para alguns, a assunção de um presidente socialista, no caso de Ricardo Lagos 2000- 2006, foi considerado o estopim em prol da consolidação democrática, que chegou à máxima autoridade do país após dois governos da Democracia Cristiana, partido político caracterizado por ser o hegemônico e moderado, localizado no centro do espectro político, desde 1961, até pouco tempo.
Seguindo e parafraseando a Przeworsky, a emancipação (autoritarismo – democracia) somente poderá se desenvolver de um acordo mútuo entre reformadores e moderados, em consequência, de tal ordem pactual assentaram-se as bases para instaurar instituições que permitam uma política significativa entre os atores que ambos setores representem no sistema democrático. Ou seja, no plano da Concertación, os moderados per se devem controlar os radicais. Os moderados foram perdendo bases de apoio eleitoral na Coalizão de Partidos Pela Democracia “Concertación”, de fato, nos dois últimos governos do bloco (2000-2006; 2006-2010) foram dominados em termos de eleições presidenciais pelo Partido Socialista, partido integrante da Unidade Popular e, portanto, de Salvador Allende como presidente entre 1970-1973.
A tensão no sistema político chileno foi evidente, porém, o escopo da administração de Ricardo Lagos atuou em função da clivagem da esquerda mundial virando para a socialdemocracia, é dizer, se adotou tanto a clivagem internacional como também as lógicas operacionais do sistema político chileno; da intelectualidade consensual como a de Edgardo Boeninger.
Nesse sentido e seguindo a Leonardo Morlino, o caminho para a consolidação democrática enquadra-se depois da instauração da transição, não obstante, o caso chileno apresentava elementos assintomáticos para considerar essa premissa a priori como fato para o encaminhamento da consolidação democrática. Em estrito rigor, o sistema político democrático herdou fortes entraves autoritários, entre eles, a continuação de Augusto Pinochet Ugarte como comandante Chefe do Exército e as Forças Armadas como os últimos garantes da soberania nacional.  
A própria instauração de um regime democrático per se não garante a institucionalização nem a consolidação como um todo. Para aquilo, é necessária, em primeira instância, a eliminação de entraves autoritários os quais permeados por uma fundamentação de proteção a inibem e dificultam a busca da consolidação.
 A democracia do consenso no período de Patricio Aywin 1990-1994, a reabertura do comércio internacional através da estratégia de diversificar o máximo possível a matriz comercial e diplomática no governo de Eduardo Frei 1994-2000, recuperar esse sentido perdido na época do autoritarismo, a retórica do aprofundamento no social na administração de Ricardo Lagos, 2000-2006, exemplificada no slogan de campanha “crescer com igualdade” e a busca pela igualdade e reconhecimento de gênero no governo de Michelle Bachelet, 2006- 2010, foram denominados como passos essenciais na perspectiva da consolidação.
 A maquinaria política da outrora coalizão governante alegou que com as políticas públicas das suas respectivas administrações fomentaram um aprofundamento na estabilidade da democracia atravessada em forma conjunta pelas reformas institucionais,  destacando-se a “nova constituição na era de Ricardo Lagos, do ano de 2005” segundo eles, converteram-se num conjunto de tomadas de decisões adequadas e necessárias no périplo do encaminhamento para a consolidação democrática.
Baseando-se na teoria da Segunda Transição, de Guillermo O´Donnell, a “outra institucionalidade”, em termos inseridos na estrutura orgânica da Concertación, plasmou-se através de uma temática consensual e continuadora das bases institucionais estabelecidas na constituição de 1980, a tendência estrutural claramente foi em detrimento do segundo passo.
Certamente, houve esforços para eliminar os fantasmas autoritários que azotaram a estabilidade da democracia, nesse sentido, senadores designados, senadores vitalícios, soberania protegida entre outras, são reclamadas “na nova constituição” assinada pelo presidente da época, Ricardo Lagos, e a coalizão governante como o passo sine qua non, mas a tentativa não passou de uma projeção como o apêndice da carta magna de 1980, por outro lado, as formas relacionais no percurso em questão foram minimamente priorizadas.
Há quarenta anos da ruptura democrática os debates intelectuais em diversas universidades, meios de comunicação através de crônicas e reportagens, entre outros, obrigam à sociedade chilena debater sobre as consequências e implicâncias do golpe de Estado na atualidade, significando avaliar as continuidades e descontinuidades herdadas da época em questão, em última análise, refere-se a questionar como sociedade o que realmente aconteceu, visando os sintomas consignados  no horizonte democrático como a senda procurada.
A conjuntura atual demonstra-nos que ainda não se fecham todas as feridas herdadas da intervenção e replanejamento das relações de poder impostas pelas Forças Armadas, sendo assim, o encaminhamento para a consolidação democrática enxergada pela classe política, principalmente, no imaginário da Concertación difere em demasia do discurso cultural, social e intelectual manifestado no país, como também, sua marca partidária, desses mesmos partidos, configurada pré-golpe de Estado com isenção do Partido Por La Democracia estabelecido como uma ferramenta instrumental no plebiscito do sim e do não.
    Na atualidade, o sistema político questiona-se pelas dimensões articuladoras e relacionais da sociedade que antigamente eram consensuais pela classe dominante não sendo temática pela cidadania em geral, por uma sociedade supostamente “apolitizada”, resultante da paisagem institucional e resultante da ampliação do mercado.
O paradoxal do fenômeno, impugnação do sistema, opõe-se com o desmembramento do político (rupturas nas cúpulas dos partidos e dos blocos políticos), político no plano institucional e partidário, em virar os catalisadores no estalido das vozes silenciadas, ao contrário, e em confronto com as ideias apregoadas pela elite intelectual da Concertación, o Chile está mais longe do que se pensava da consolidação democrática e expressão cidadã configura a volta do político e a demandas pela institucionalização de certos bens negados pelo imaginário da consolidação democrática.
    O auge das manifestações estudantis, do ano de 2011, colocaram em tensão a suposta ordem, estabilidade e firmeza do sistema político pós-ditadura, contradizendo assim, o desenho reducionista do político e abrangente nas liberdades do mercado.  As críticas refutam o atuar da responsabilidade política da Concertación em prol de seu capital-histórico e de transformações prometidas nos eixos programáticos durante as campanhas e o processo de transição em si.
Nos termos do sociólogo Alberto Mayol: as manifestações do corpo estudantil abrem o espectro do sistema político para a transição social, extrapolando o conceito; é a transição social que irrompe na territorialidade do sigilo recusando-lhe ao sistema: pela concentração econômica e política de Santiago, a concentração econômica de uns poucos desencadeando numa falta de sinergia entre o ambiente político e o cultural plasmado por um – sentido vazio – “no rompimento das estruturas de capitais nas suas mais amplas formas possíveis”.
 Nesse sentido, a transição social, é a plataforma política iniciada pela tensão acumulada desenvolvida pelos estudantes e dos movimentos que formam quadros contestatórios nascentes, em virtude de romper o encurralamento institucional, político, partidário, social herdado da ditadura e reproduzido reformativamente; que obrigam gradualmente desmantelar os atos dos atores dotados de poder no establishment do último tempo, tanto nos crimes cometidos na ditadura, como também na reprodução do modelo econômico assimétrico carente de articulações de vínculo para a sociedade. A queda da ideologia do modelo desarticula-se dia-a-dia, colocando-se em entrevero o vazio de laços sociais e a volta do político emerge da organização de base, ou seja, desde as bases sociais, interpelado o modelo de Estado desenhado no período não democrático e reproduzido quase ao “pé da letra” pelas supostas forças políticas antagônicas. Dessa forma, reclama-se por um Estado garantidor das regras do jogo, mas o Estado é muito mais que um simples juiz, e as medidas -BAND AID- infetaram e aumentaram as feridas ocultas da sociedade e com maior razão em uma data tão especial.
    Não é casual o questionamento público sobre último Comandante e Chefe Militar, Juan Emilio Cheyre, sobre sua atuação no regime autoritário, especificamente no caso de Ernesto Lederman (aos 2 anos de idade ele foi entregue pelo ex-comandante e chefe do Exército num convento de freiras após o fuzilamento dos pais dele em um fato ocorrido em 1973) partilho com a postura do reitor da Universidade Diego Portales, Carlos Peña: “numa democracia impugna-se pela moral das atuações dos atores de poder e não pela trajetória das carreiras”.
Como também não é casual a impugnação pública a Michelle Bachelet e Ricardo Lagos pela reprodução da monetarização das Universidades e das assimetrias econômicas do modelo. Elementos impensados antes do ano de 2011, ou seja, as forças dissipativas do sistema ficaram para socavar o estabelecido indicando que o Chile apresenta-se numa nova etapa da história política.
A leitura da conjuntura atual, versada no anacrônico do golpe e suas consequências, tornam complexas as interpretações, segundo, Guillermo O´Donnel, consolidação e democracia são termos polissêmicos para formar uma conjunção. Dito isso, a calibragem do presente artigo tem se baseado no conceitual, cultural e nos fatos históricos que a representam. Sendo assim, é necessário configurar a -posta em cena- dos atores políticos com capacidade de ação e poder de transformação após o ano de 2011.
A situação atual deveria ser cristalizada por uma lógica na instauração de uma nova relação Estado-Sociedade, não obstante, a classe política (esquecendo a Aliança por Chile, entretanto, representa o lado conservador do Sistema de partidos e como tal deve ser a força de contenção das mudanças reclamadas) tem sido míope em relação às mudanças proclamadas pelo corpo social em virtude da magnitude das demandas e suas possíveis consequências.
    As transformações da ala mais liberal da direta política enquadram-se na ideia de “mudar tudo, mas não mudar nada”, ou seja, dar a sensação de empatia com as mobilizações e ser uma forma de contenção na reestruturação do sistema de partidos nesta nova etapa de configuração.A “Nova Maioria” (a Concertación mais a adesão do Partido Comunista), imersa nesse novo pacto político encontra-se Camila Vallejos, do Partido Comunista, a ex-líder do movimento estudantil, busca um escano parlamentar em representação da candidatura de Michelle Bachelet.Facções totalmente opostas não interessam, entretanto, se aposta como bloco, mudar as leis de quorum qualificadas através de dublagens nas próximas eleições parlamentares, impostas pelo sistema binominal, outra herança da era de Pinochet.
Mas, a Concertación está morta há tempo, sobrevive por obra e graça de Michelle Bachelet, não obstante, a fragmentação escapa a figura dela, por outro lado, de ganhar as eleições, o bloco governante se verá em disputas ideológicas fortes, principalmente, entre o PC e a DC. Ao mesmo tempo, a classe orgânica desta nova coalizão recebe pressões da direita e da esquerda em formato de pêndulo, será que se prometerá novamente para os dois lados das pressões? Sendo assim, e em num eventual governo dela, até quando as forças dissipativas se alagaram?
O golpe de Estado na Unión Democrata Independiente UDI (partido mais conservador do sistema de partidos) na destituição de Laurence Golborne, primeiro candidato proposto por eles, augurava a morte da tecnocracia no Chile e volta do vetor ideológico com a chegada de Pablo Longueira (ganhador das primárias, mas retirou-se da campanha acusando um severo quadro médico de estresse) e Evelyn Matthei, não obstante, o comando de Michelle Bachelet integra-se de conotados tecnócratas em detrimento das mudanças proposta em virtude do político e da sensação de transformação.
    Esse novo olhar da sociedade em busca de uma consolidação democrática não se deve às transformações avocadas pela socialdemocracia, melhor dito, sim, mas, em resposta as carências e a o timorato deles visando meras democratizações, sem atacar a consolidação democrática.
Para o sociólogo Manuel Antonio Garreton, o Chile está diante um problema de memória nacional coletiva e oficial. Nesse sentido, pugna por uma sociedade que condene o golpe militar e a violação aos direitos humanos fazendo uma avaliação meramente política e não moral, pois mais ajuda dividir que avançar.
A luta e impugnações focam a maioria das suas energias na “mãe de todas as batalhas”: a educação. O vetor ideológico no plano político situa-se nas impugnações mútuas deste tópico.
Uma perda em matéria educacional no plano político implicaria a extrapolação das tensões estado-mercado em outras áreas do sistema consequentemente é a muralha de contenção da classe política conservadora e dos empresários beneficiados das rearticulações das relações de capital emergidas na etapa fundacional da ditadura.
O realismo político e a busca de equilíbrios de poder com políticas cosméticas (maquiagem política) ou neoliberalismo reformado e progressismo limitado como disse Garreton a respeito da Concertación, chegaram a seu ciclo final, e a Nova Maioria transforma-se na busca a manutenção no poder pelo poder, talvez com políticas públicas mais agressivas e em campos antigamente intocáveis, não obstante, não deixaram de serem medidas paliativas.
    Em sínteses, o Chile apresenta-se perante uma etapa fundacional da sua história, os sinais e fatos tanto em matéria política, representativa, cultural, social e intelectualmente aponta nessa senda. Fundacional no sentido de uma transformação entre Estado e Sociedade total, não há espaço para amputações, somente para sepultar e dar vida a uma arquitetura de poder capaz de rearticular um tecido social em concomitância às necessidades das demandas e da consolidação democrática, com um Estado partícipe na ação social em detrimento das heranças ainda vivas da era pinochetista.

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